Rosemberg Cariry: Mas que tristeza, pá!

Por *Rosemberg Cariry

Votação do impeachment é tentativa de usurpar voto popular, diz Daniel - Agência Câmara

A partir do que dizia a TV Globo, a formar coro triunfante com alguns jornalões conservadores, o mundo saudaria o “novo governo” como suposto porta-voz da honestidade e justiça. Viajei pesaroso, pois entendia que o tal impeachment outra coisa não era que uma farsa, ensaiada em arranjos ocultos, onde se dera a armação de um golpe contra alguns ícones democráticos: liberdade, razão e constituição republicana.

O primeiro espanto eu tive na Ilha Terceira, nos Açores, onde fui filmar a Festa do Divino. Sabendo-me brasileiro, várias pessoas se aproximavam para conversar e diziam: – “Que golpe mais atrasado, pá!”. Em várias cidades de Portugal recebi os mesmos gestos solidários.

No Alentejo, em Évora, uma senhora de 80 anos, cabelos brancos, porte digno e elegante, em seu traje preto e sóbrio, quis saber sobre o Brasil. Ela me disse não entender como corruptos conseguiram dar um golpe numa presidente sobre quem não pesava processo algum de corrupção. Queria ela saber com que direito tal grupo estava a entregar as riquezas da nação, rasgando leis de proteção aos aposentados e às crianças, à educação e à saúde pública. Ela me indagava, enfim, por que destruir a nação brasileira. Generosa e meiga, no começo da nossa conversa, tomada de indignação repentina, exclamou, num acesso de comoção sincera: – “Vão todos para o inferno!”

Chegou-me a viva imagem de uma procissão de mortos-vivos, feita de políticos corruptos e alguns pastores evangélicos, dos reis da soja e do agrotóxico, dos defensores da bala e da tortura, a chegar no inferno, com suas peles enrugadas, suas pontes de safenas, suas carecas ou cabelos pintados de acaju; ladeados de suas mulheres repuxadas por plásticas e silicones (ditas belas, recatadas e do lar); suas empresas e latifúndios, suas carruagens de caveiras e ossos, recitando suas litanias intermináveis, feitas de crimes cometidos contra a maioria do povo brasileiro.

Logo depois, veio-me a certeza de que eles não irão para o inferno, pois Satanás e o seu séquito não correriam o risco de perder o seu trono para um bando de “conspiradores”, capazes de trair a própria pátria e ultrapassar o tinhoso em maldade e sordidez. Satanás, diante da ameaça, lhes diria: “Já que não têm almas para arder eternidade afora, que vaguem pelas trevas do mundo, livrando o inferno desse mal maior! ” Pensei cá comigo, se possível em Miami, bem longe do Brasil, senhores!

*Rosemberg Cariry é cineasta e escritor

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