“O Condor ainda voa”, diz responsável por revelar arquivos da ditadura

A Operação Condor foi inicialmente preparada no Brasil, se formalizou no Chile e “segue voando”. Esta é a avaliação de Martín Almada, responsável por descobrir os “Arquivos do Terror” da ditadura de Alfredo Stroessner, que governou o Paraguai entre 1954 e 1989. Para o especialista, é preciso barrar o golpe no Brasil e na Venezuela para o “condor parar de voar”.

Almada - Reprodução/Opera Mundi

Em entrevista à Opera Mundi no dia 27 de maio – quando a Justiça da Argentina condenou novamente à prisão o último ditador do páis, Reynaldo Bignone, e outros 15 oficiais acusados de participar na Operação Condor – Almada fala sobre o “feito histórico” que é condenar estes agentes das ditaduras.

“O que nos preocupa? A impunidade. O que significa a impunidade? Não punir e, ao não punir, se produzem mais corrupção e mais repressão. As duas coisas, mais corrupção e mais repressão”, comentou sobre a decisão — “um feito histórico” — o ativista, que não deixou de fazer críticas à postura dos poderes judiciários dos países onde houve ditaduras militares. Para Almada, a sentença pode representar “uma explosão da memória que vai afetar toda América Latina. E oxalá o Brasil”.

“Necessitamos que a Justiça atue. É preciso despertar do esquecimento, organizar e mobilizar os despertos”, afirma. A sentença condenou os oficiais pelos crimes imprescritíveis de lesa-humanidade, associação ilegal em sequestro, tortura e desaparecimento forçado de opositores, e foi transmitida nas embaixadas argentinas do Brasil, Chile, Peru, Uruguai e Paraguai.

Almada, que é professor da Universidade Nacional de Assunção (UNA), afirma que a Operação Condor era composta de dois movimentos distintos: “um lento, tranquilo”, que ocorria no Brasil, Paraguai e Bolívia, onde a esquerda já estava derrotada; outro, “urgente, rápido, selvagem e criminoso”, na Argentina, Uruguai e Chile, onde havia, além de organização e mobilização populares, um presidente socialista, Salvador Allende, derrubado por um golpe em 11 de setembro de 1973.

Início no Brasil

Segundo o pesquisador, no Brasil existiu uma fase pré-Condor, gestada com a preparação do golpe de Estado de 1964 contra João Goulart. A operação propriamente dita foi formalizada no Chile, em 25 de novembro de 1975, e, atualmente, ganhou a face de um fenômeno globalizado.

“A Condor segue voando”, afirma. E se lembra das atuais situações políticas brasileira e venezuelana. “Dilma foi vítima da tortura em sua juventude e agora segue sendo vítima da Condor. E é preciso ajudar Dilma, porque ela não cometeu crime [de responsabilidade]. Ela é inocente. Defender Dilma e Maduro, mas para isso temos que dizer em voz alta à Condor: que deixe de voar”.

Para Almada, a política norte-americana agora quer “recuperar o tempo perdido”, diante dos governos à esquerda que dominaram a América Latina na última década. “A presença desse julgamento e dessa Justiça argentina demonstram que a América Latina vai recuperar sua liberdade”, acredita.

“Terrorista intelectual”

Almada foi sequestrado pela polícia paraguaia em novembro de 1974, enquanto trabalhava como diretor do Instituto Juan Bautista Alberdi, de São Lorenzo. Lá, ele desenvolvia, junto com a esposa Celestina Pérez, experiências cooperativistas de autogestão social e pedagógica, inspiradas na “Pedagogia do Oprimido”, de Paulo Freire.

A acusação da ditadura de Stroessner foi de que Almada seria um “terrorista intelectual” e teria provocado a “subversão mental” dos jovens estudantes. Após defender o doutorado “Paraguai: Educação e Dependência” na Universidade Nacional de La Plata, na Argentina, Martín Almada foi novamente preso ao regressar ao Paraguai, em 1974.

Torturado por uma equipe internacional de civis e militares, com a presença de argentinos e chilenos, sob o comando paraguaio do Chefe de Investigações Pastor Coronel, Almada foi inquirido sobre sua tese e suas conexões internacionais com “subversivos”.

“Minha tese de doutorado me custou também a morte de minha esposa Celestina Pérez, o confisco de nossos bens, torturas, mil dias nas prisões de Stroessner e mais dez anos de exílio. Ambos fomos vítimas da Condor”, diz. Aterrorizada diariamente com telefonemas feitos durante as sessões de tortura de seu marido, Celestina Pérez sofreu um infarto.

O aparato policial-militar tentou convencer Almada, ainda preso, de que se tratava de um suicídio. Desde então, Almada passou a tentar descobrir as circunstâncias e os responsáveis pelo assassinato de sua companheira e por qual motivo militares estrangeiros tinham lhe torturado em seu próprio país.