Plínio Bortolotti: Procuradores acima da lei
"O combate à corrupção não pode se transformar em vale-tudo, que fatalmente comprometerá a democracia. Menos ainda tornar-se vingança pessoal, como vem se insinuando".
Por *Plínio Bortolotti
Publicado 22/09/2016 10:33 | Editado 04/03/2020 16:24
A bem da verdade factual, é preciso esclarecer que nem o procurador Deltan Dalagnoll nem seu colega Roberson Pozzobon pronunciaram a frase “Não temos prova, mas temos convicção”, na entrevista-espetáculo na qual denunciaram o ex-presidente Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
A Associação Nacional dos Procuradores da República correu em defesa de seus representados para criticar a “deturpação” da sentença atribuída aos rapazes de Curitiba. E, como é próprio de certas corporações, que não veem além do próprio umbigo (e dos seus salários), esqueceu-se de chamar atenção para a performance circense dos funcionários do Ministério Público, que tem a obrigação de servir à sociedade com sobriedade e nos limites da lei.
Mesmo sem pronunciar literalmente a frase, os procuradores abusaram da palavra “convicção” e foram econômicos em revelar provas que pudessem sustentar a tese central do libelo acusatório. Nada de concreto para escorar as sentenças de efeito: “Grande general”; “comandante máximo”; “maestro de uma grande orquestra concatenada para saquear os cofres públicos” – referências a Lula – e “propinocracia” para referir-se ao seu governo. Tanto é que os motivos para a aceitação da denúncia pelo juiz foram outros.
As ruidosas orações foram lançadas na exata medida para gerar manchetes em jornais. E muitos morderam, inocentemente é claro, a isca lançada pelo MP. Posso imaginar os procuradores antegozando a acusação sumária a que o denunciado seria submetido por certa imprensa.
Essa investida do Ministério Público vai no mesmo sentido da perigosa proposta do juiz Sérgio Moro de que a legislação passe a aceitar provas colhidas por meios ilícitos, desde que de “boa-fé”.
O combate à corrupção não pode se transformar em vale-tudo, que fatalmente comprometerá a democracia. Menos ainda tornar-se vingança pessoal, como vem se insinuando.
Como se diz por aí, ninguém está acima da lei, nem mesmo certos procuradores, que se veem como proprietários da boa-fé e da Verdade, como se fossem enviados divinos.
*Plínio Bortolotti é jornalista
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