Hélio Leitão: Em busca da legitimidade perdida

"Há muito não se via uma tamanha apartação entre governo e povo, gerando, efeito colateral e inevitável, uma disseminada descrença em tudo quanto diga respeito à vida pública, num cenário em que bons políticos acabam por pagar pelos maus, lançados todos de roldão na vala comum da desesperança”.

Por Hélio Leitão*

Democracia

As eleições que se avizinham talvez sejam as de maior importância para o País desde a retomada do processo democrático violentamente interrompido pelo golpe civil-militar desfechado em abril de 1964 contra o presidente João Goulart, conhecido popularmente como Jango.

Com a derrubada de Dilma Vana Rousseff, vítima de um outro golpe, agora mais sofisticado, de cunho midiático-parlamentar, com participação determinante de setores do Poder Judiciário (senão golpe, certamente um seu equivalente funcional, no dizer autorizado do constitucionalista pernambucano Marcelo Neves), a nação brasileira viu ascender ao poder um esquema político conservador que, carecendo de legitimidade democrática, cuja aprovação nunca chegou à casa dos dois dígitos, passou a voltar suas baterias contra os direitos e conquistas das extrações mais sacrificadas da sociedade.

A perversa reforma trabalhista, o fim da política pública de promoção de direitos humanos, a frustrada tentativa de reforma da previdência às custas do povo pobre e o início do processo de sucateamento do ensino e da saúde pública, além de uma política externa submissa aos ditames e à boçalidade da potência estadunidense, são a prova inequívoca da adoção pelo governo de turno do receituário neoliberal e a sua inteira dissociação dos interesses nacionais.

Há muito não se via uma tamanha apartação entre governo e povo, gerando, efeito colateral e inevitável, uma disseminada descrença em tudo quanto diga respeito à vida pública, num cenário em que bons políticos acabam por pagar pelos maus, lançados todos de roldão na vala comum da desesperança.

Num tal contexto, o processo eleitoral em andamento assume ainda maior relevância e significado, oportunidade única para que o povo brasileiro, no lídimo exercício de sua soberania, faça ouvir a sua voz nas urnas, e possamos, recuperada a legitimidade roubada, voltar a ter um governo "do povo, para o povo e pelo povo", conforme a síntese feliz e sempre atual de Abraham Lincoln, no histórico discurso que proferiu em 19 de novembro de 1963, no campo santo de Gettysburg, poucos meses após a sangrenta vitória que seria decisiva para o fim da guerra da secessão.


*Hélio Leitão é advogado.

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