Juro do consignado superou taxa básica em mais de cinco vezes em 2019
Com desconto em folha, crédito consignado é operação quase sem risco. Mesmo assim, juros seguem altos
Publicado 06/02/2020 10:00 | Editado 06/02/2020 13:04
Com desconto em folha de pagamento, o crédito consignado é uma operação quase sem riscos para as instituições bancárias. O patamar de calotes acima de 90 dias para esse tipo de empréstimo é baixíssimo. Em 2019, ficou em 2,6%.
Apesar disso, e de a Selic, taxa básica de juros da economia, estar em um patamar historicamente baixo – 4,25% ao ano – a taxa média do consignado para aposentados do INSS fechou em 22,2% ao ano no ano passado. Mesmo tendo caído 3,1 ponto percentual, o número é mais de cinco vezes superior ao patamar em que se encontra a Selic, que, teoricamente, norteia os juros da economia.
Paulo Kliass, doutor em Economia e especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, afirma que caberia ao Banco Central fiscalizar – e limitar – as taxas de juros, para coibir abusos. Mas, para o economista, a entidade não cumpre o papel a contento.
“O nome técnico disso é spread [diferença entre a taxa de juros cobrada ao tomador de empréstimo e a taxa que remunera o aplicador de recursos]. Historicamente, os spreads no Brasil são extremamente elevados, tanto que o país é visto como o paraíso dos bancos. A entidade que tinha que fiscalizar é o Banco Central, só que isso nunca aconteceu. Só no fim do ano passado, o BC decidiu limitar a taxa escandalosa do cheque especial, mas limitar a 150% ao ano”.
Recorde
Os aposentados e pensionistas do INSS recorreram muito ao consignado em 2019. O volume de empréstimos nessa modalidade bateu recorde, atingindo R$ 138,7 bilhões, o equivalente a 11% de aumento em relação a 2018.
Kliass ressalta que o dado preocupa, uma vez que mais de 65% dos benefícios pagos pelo INSS são no valor de um salário mínimo – em R$ 998 até janeiro, R$ 1.045 a partir deste mês.
“Muitas vezes, esse benefício de um salário mínimo sustenta uma família”, afirma. Segundo Kliass, é difícil delimitar o motivo do recorde nas dívidas do crédito consignado em 2019.
“Você pode ter um movimento em que os aposentados são pressionados, ou por necessidades próprias, ou pela família, a pegar o crédito consignado. Ele também pode ter outro crédito, com juros muito altos, e usa o consignado para quitar”, afirma.
Para o economista, é pouco provável que a recuperação econômica ainda hesitante verificada em 2019 tenha influído. “Algumas medidas, como a liberação do FGTS, melhoraram a renda do trabalhador. Mas é muito pouco, se você comparar com as necessidades reais das pessoas em mais de quatro anos de recessão”, afirma.