De Olho no Mundo, por Ana Prestes

A análise da conjuntura internacional da cientista política Ana Prestes continua focada na pandemia da Covid-19 e seus impactos nos diversos países. Tem ainda destaque a renúncia do senador Bernie Sanders à sua candidatura pelo Partido Democrata em favor de Joe Biden .

O senador Bernie Sanders vai se concentrar na luta para "salvar a vidsa dos americanos"

O Senador Bernie Sanders, do Partido Democrata, desistiu de concorrer à vaga de candidato do partido nas eleições presidenciais de 2020. Sua saída sela a candidatura de Joe Biden, ex vice-presidente durante o mandato de Barack Obama. Em reconhecimento ao papel de Sanders na corrida, Biden disse: “Bernie fez algo raro em política. Ele não tocou apenas uma campanha política, ele criou um movimento. Ele e seus eleitores mudaram o diálogo que temos na América”. Na live feita ontem (8) para anunciar a desistência, Sanders falou justamente para seu movimento, conhecido pelo slogan da campanha: “Not me. Us” (Não eu. Nós). Agradeceu aos mais de 10 milhões que contribuíram financeiramente para a campanha com uma média de 18 dólares por doação. Seu movimento é formado especialmente por jovens, que Sanders diz ser o futuro político da América. Em seu discurso ele se comprometeu apoiar Biden, disse que agora vai aproveitar o tempo para trabalhar duro no Senado com medidas para salvar vida de americanos durante a epidemia e mostrar como são equivocadas as opções dos republicanos. Disse que termina a campanha, mas não termina a luta pela renda básica e a assistência à saúde de forma universal. Enquanto Sanders fazia um discurso sério e visivelmente emocionado, Trump tripudiava no twitter. Disse que a culpa do descenso de Sanders foi da senadora Elizabeth Warren, por não ter desistido da corrida antes da super terça e convidou os apoiadores do senador a virem para o Partido Republicano.

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Outro player importante que tuitou ontem foi Obama. Ele falou sobre a crise do coronavírus e não especificamente sobre eleições, mas contrariou Trump. Disse que não é possível relaxar as medidas de distanciamento social enquanto não houver testes suficientes para monitorar a disseminação do vírus. Há alguns dias, Trump havia atacado Obama dizendo que este não teria feito nada em 2009 para impedir a pandemia do H1N1. Mas logo vieram os dados de que o país entrou em estado de emergência 11 dias após o primeiro caso da virose da época.

Após os ataques de Trump à OMS, seu diretor geral, Tedros Adhanom Ghebreyesus pediu que “a pandemia do coronavírus não seja politizada”. O diretor disse ainda: “meu conselho: três coisas. Por favor, unidade a nível nacional, sem usar a Covid19 para fins políticos. Segundo solidariedade honesta a nível global. Por fim, liderança honesta dos EUA e da China”. O diretor disse também estar recebendo ameaças de morte e que tem sido usado para atacarem a África: “não me importa que me chamem de negro. Estou orgulhoso por sê-lo. Importa-me quando insultam a África, quando insultam nossa comunidade. Não podemos tolerar isso”.

– O ministro da saúde de Israel, Yaakov Litzman, que em março havia dito que o coronavírus era um “castigo para a homossexualidade”, testou positivo para o vírus. O político de 71 anos foi acusado nas últimas semanas de violar as pautas de seu próprio ministério para distanciamento social e continuou participando de encontros de oração. Ele é dirigente também do partido ultra ortodoxo do judaísmo Torá Unida e passou pela casa de várias pessoas para fazer orações, além de frequentar a sinagoga próxima à sua casa.

Em entrevista, um professor italiano, Sergio Romagnini, aponta como a região de Veneto na Itália conseguiu controlar a epidemia por coronavírus, de forma diferente da Lombardia, por fazerem uma opção de testagem massiva. Segundo o professor, a testagem mostrou que quando os assintomáticos foram isolados, a porcentagem de doentes diminuiu mais de 10 vezes. Chegaram também à conclusão de que a circulação do vírus em torno das pessoas já infectadas agrava a doença. O isolamento total dos assintomáticos positivos interrompeu a epidemia. Segundo ele, “é uma hipótese, mas acreditamos que quando o vírus circula muitas vezes pelo mesmo ambiente, potencializa sua ação”.

Um estudo da Universidade de Gottingen da Alemanha, divulgado pela DW, aponta que é provável que apenas 6% dos casos de Covid-19 foram identificados no mundo. Se o estudo estiver correto, no Brasil, por exemplo, teríamos já cerca de 600 mil infectados. Segundo os pesquisadores, isso ajudaria a entender porque a taxa de mortalidade varia tanto de um país para o outro. Por exemplo, a Itália tem hoje 139.422 casos de infecção registrados e a Alemanha 113.296, porém em número de mortes há uma grande disparidade. A Itália está com 17.669 registros, enquanto a Alemanha tem 2349. É uma diferença de quase 15 mil mortes. Pelo estudo, testes insuficientes podem explicar porque Itália e Espanha têm taxas de mortalidade tão maiores do que a Alemanha. A possibilidade é de que a Alemanha tenha detectado cerca de 15% dos infectados, enquanto Itália tenha detectado apenas 3,5% e a Espanha 1,7%. Segundo eles, as taxas de detecção podem ser ainda menores nos EUA (1,6%) e Reino Unido (1,2%).

A agência reguladora de medicamentos dos EUA retirou de seu portal as orientações para o uso de remédios contra malária, como a cloroquina. A página do centro de controle de doenças dos EUA listava orientações sobre como prescrever os medicamentos. A denúncia da prescrição veio da Reuters e eram relatos sem autoria científica de como usar o medicamento. A agencia havia sido pressionada por Trump para tornar os medicamentos mais disponíveis e a forma de uso mais clara. As orientações sugeriam para médicos que elas e eles poderiam prescreve o medicamento mesmo sem que seja clara ainda a sua eficácia. Ao longo desta semana quase 2 mil pessoas estão morrendo por conta do coronavírus nos EUA. Será que só esse dado já não mostra para Trump e Bolsonaro que a cloroquina pode não ser tão eficaz assim, uma vez que ela vem sendo testadas por alguns médicos?

Nova Iorque já tem mais vítimas por coronavírus do que no atentado de 11 de setembro de 2011, quando quase 3 mil pessoas faleceram de uma vez. Necrotérios, crematórios e cemitérios estão operando em sua capacidade máxima. Já se fala em uso de parques ou ilhas para enterros “provisórios”. O famoso Central Park virou hospital de campanha, assim como a catedral de São João também foi transformada em hospital.  Uma das cidades mais cosmopolitas do mundo está silenciosa e com ruas vazias. Pela noite ouvem-se os aplausos aos profissionais de saúde das janelas.

Do outro lado do planeta, em Tóquio, a governadora Yuriko Koiko anunciou que será mais dura que o primeiro ministro no fechamento da capital. A princípio, o decreto de emergência de Shinzo Abe impede um confinamento mais amplo e ordena o fechamento apenas dos estabelecimentos não essenciais (salões de beleza e barbearias são considerados essenciais, por exemplo, assim como cafés e lojas de departamento). A governadora quer fechar todos os estabelecimentos com mais de 100 metros quadrados. O Japão está com 4667 casos e 94 mortes pelo portal da John Hopkins.

Os brasileiros e outros imigrantes não documentados nos EUA estão entre os mais vulneráveis na crise do coronavírus no país. Com todos os serviços fechados em várias cidades, fonte primária de renda de pessoas que trabalham nos serviços de limpeza, salões, reformas… agora estão em um limbo. Não podem receber os 1200 dólares do governo americano e nem os 600 reais do governo brasileiro. O número de brasileiros nesta situação pode estar na casa de 500 mil pessoas neste momento.

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