China, países ocidentais e coronavírus

O país oriental não só contornou momentaneamente a pandemia em seu território, como agora auxilia dezenas de países do mundo com médicos e equipamentos

Na vila de Changping, cidade de Huzhou, na província de Zhejiang, um residente em casa recebe máscaras e termômetro mandados por um drone l Foto: Diário do Povo

Fiz uma viagem pra um pedaço da Ásia entre Maio e Junho de 2019. No roteiro passei por Pequim e Hong Kong. Era um passeio turístico, não teve nenhum evento de natureza política, ou seja, eu só fiz passear, comer comidas “exóticas” e beber Heineken na China milenar. Logo quando se chega no aeroporto da capital já se sente o impacto do extraordinário avanço tecnológico que ali se verifica. Na imigração, onde eventualmente os desligados e inexperientes como eu passam por sufocos e constrangimentos, fui entrevistado por uma máquina. Sim, uma máquina. Quando chegou minha vez de ser atendido ela me fez as perguntas em português, e assim foi facilitado meu ingresso. Quando entro no táxi, um carro bonito e moderno, deparo com um espaço ao fundo que mais parecia uma sala de reunião, sem contato com o motorista, que já sabia meu roteiro, requerido na compra do tíquete.

No percurso para o hotel, avenidas limpíssimas, largas, bem sinalizadas. Imaginei que quando chegasse encontraria um ambiente poluído, que seria necessário o uso de máscaras. Engano. O céu estava azulzinho na metrópole de 22 milhões de habitantes, surpreendentemente arborizada, com grandes áreas verdes e parques. No caminho vi modernos prédios de arquitetura arrojada.

Praticamente não se vê o uso de papel moeda, as pessoas pagam tudo pelo celular. No primeiro restaurante que fui vi as pessoas escolhendo, pedindo e pagando a comida e bebidas pelo celular. Ouvi relatos de que as pessoas já fazem consultas médicas e até mesmo exames sem precisar sair de casa; de que uma buzina no trânsito é motivo de se receber pelo celular a multa no mesmo momento da infração. O país outrora acusado de piratear tecnologia se transformou numa das potências tecnológicas do mundo.

Desde quando surgiu a pandemia do novo coronavírus, que teve início em Wuhan, cidade chinesa com cerca de 12 milhões de habitantes, me impressiona como aquele país conseguiu conter a propagação do vírus. E quando a situação ficou mais complexa na Itália eu ficava a imaginar como seria na China se aquele drama se verificasse com tamanha intensidade. Qual seria a dimensão do estrago? Foi assim que resolvi fazer algumas simulações utilizando os dados de alguns importantes países ocidentais, ditos civilizados. Qual a utilidade disso? Talvez nenhuma, mas pode servir para alguns ociosos fazerem elucubrações.

Bem, os dados que usarei estão defasados, foram pescados na internet no dia 22 de abril, e optei por arredondar os números que anunciarei. Então vamos lá. A Itália que citei tem 61 milhões de habitantes, população 23 vezes menor do que a China (1,4 bi ). Lá (Itália) temos 190 mil casos (NC) e 25 mil mortes (13% em relação ao NC). Se esses números fossem na China, teríamos no país asiático 4,3 milhões de casos e 575 mil mortos. Sentiu o tamanho do estrago que falei acima? Imaginem só uma pandemia ceifando 575 mil vidas em um único país?

Mas seria ainda mais desastroso quando usamos a Espanha como comparação. O país tem 46 milhões de seres vivos, 213 mil casos, 22 mil mortes (10% em relação ao NC). O país do meu glorioso Barcelona teria que ter 44 vezes mais habitantes para se igualar à População da China. Então, se fosse na terra de Mao Tsé-Tung teríamos 726 mil mortes e mais de 7 milhões de casos. E aí? O que pensar?

Vejamos agora a França, país que se esforça – mas não consegue – para ser o cachorrinho de estimação dos Estados Unidos na Europa, pois a Inglaterra faz esse deprimente e humilhante papel sem dar chances a concorrentes. São 66 milhões de habitantes, 158 mil casos, 22 mil mortes (14% em relação ao número de casos). Se esses números fossem na China seriam 3,3 milhões de casos e 462 mil mortes.

Avancemos para o Reino Unido: 65 milhões de habitantes, 120 mil casos, 18 mil mortes (15% em relação ao NC). Nunca é demais lembrar que o primeiro ministro britânico, Boris Johnson, chegou a integrar o grupo dos obscuros negacionistas da pandemia, mas voltou atrás. Como prêmio recebeu a incômoda visita do vírus em seu organismo. Depois teve um ataque de sincericídio – talvez provocado por alucinações da Covid-1 – ao enaltecer o papel do estado na proteção das pessoas em situação como a que estamos a viver. Direitista, xenófobo, recebeu tratamento de profissionais imigrantes. Pois bem, esses números na China seriam 2,5 milhões de casos e 380 mil mortes.

Agora, vamos à principal potência econômica e militar do mundo – no terreno econômico não vai demorar muito para ser superada. Sabe por quem? A pandemia do coronavírus vai contribuir de alguma maneira para que o novo líder seja anunciado em prazo mais breve. Enquanto a previsão é de queda dramática do PIB dos países do ocidente, há tendência de que a China, a despeito de não repetir seus fabulosos percentuais de crescimento dos últimos 30 anos, ainda assim, sairá com índice positivo este ano, superando um por cento. Os EUA têm 333 milhões de habitantes, 880 mil casos, 50 mil mortes. Assim como a liderança do Reino Unido, Donald Trump, o fanfarrão que agora promove pirataria contra equipamentos que a China envia para ajudar outros povos e receita vacina de desinfetante, também duvidava da Convid-19, do mesmo modo que Bolsonaro, seu vassalo em solo brasileiro, que continua duvidando. Aplicando o mesmo método, na China seriam 200 mil vidas ceifadas e 3,5 milhões de casos.

E a China? No país dirigido por Xi Jinping, são 83 mil casos e 4,5 mil mortes (5,5% em relação ao NC) – no momento em que escrevi essa arenga. Somados todos os países citados (excluindo a China), temos o escabroso número de 1,6 milhões de casos e 137 mil mortes. A população desses países não chega a 8% da população mundial, enquanto a China sozinha responde por 18% da mesma população, e tem “apenas” 4,6 mil mortes. O número de casos novos na China praticamente só existe quando chegam pessoas de fora e os óbitos pela Covid-19 praticamente deixaram de acontecer nos últimos dias. Calcula-se que são 200 mil mortes no mundo no momento.

Chineses chegam à Itália para prestar apoio no combate ao coronavírus

O país orienta não só contornou momentaneamente a pandemia em seu território, como agora auxilia dezenas de países do mundo com médicos e equipamentos – ato de solidariedade em conjunto com Cuba e a Rússia que não verificamos pelo lado das potências capitalistas, inclusive porque elas têm de administrar seus graves problemas internos.

Não foi meu propósito aqui debater as razões do sucesso chinês no enfrentamento à pandemia – foi principalmente para trazer as comparações acima com outros países -, mas farei breves considerações sobre o tema. Eu li dezenas de artigos para ver as explicações de como esse país conseguiu tamanha proeza para enfrentar essa situação e obter o êxito que os países “civilizados” não alcançaram. Falam da influência do confucionismo que teria repercutido no senso de disciplina dos chineses; falam da estruturação do partido comunista que seria organizado em cada bairro e em cada um deles orienta o povo para enfrentar os problemas que surgem (seriam cerca de 90 milhões de militantes); falam num governo centralizador que se impõe ao povo para cumprir as regras.

O chamado “socialismo com características chineses” que modela toda a China de hoje, por acaso não seria a razão desse sucesso? Por acaso a ênfase na coisa pública não ajudou decisivamente que acontecessem respostas prontas que amparam o público ? Não fica patenteado as vantagens de um governo central prestigiado pelo seu povo, quando foi necessário redefinir linhas de produção específicas para o combate ao coronavirus?

Estaria assim demonstrada a superioridade do “ socialismo com características chinesas” sobre o capitalismo ocidental, onde as regras são definidas pela “mão invisível” do mercado?

Agora, raciocine comigo, amigo e amiga: não impressiona você o fato de um país de dimensões continentais e da maior população do mundo, dirigido pelo Partido Comunista, ter conseguido superar esse perrengue, e por outro lado a gente constatar que os países capitalistas, ditos desenvolvidos, estarem a chorar milhares e milhares de mortos, tendo que enterrá-los sem velórios, sem que os familiares possam vê-los, e onde os médicos têm a dura missão de escolher quem vai para o respirador e quem vai morrer asfixiado?

Por fim, nesta mesma viagem, conheci um simpático canadense num bar de Ho-Chi Minh, antiga Saigon, aquela cidade onde os americanos saíram escorraçados pelos guerrilheiros vietnamitas. Gregor é funcionário de uma multinacional e circula pelas metrópoles da Ásia. Estava fazendo um curso de mandarim, pois passaria um período em Shangai. Ele é defensor com ressalvas do modelo da democracia burguesa ocidental e crítico dos sistemas políticos da China e Vietnam. Eu disse a ele que não podemos querer impor o modelo ocidental de sociedade e democracia aos demais povos – que isso seria uma visão arrogante e autoritária. No final da conversa ele disse que depois de tanto tempo visitando a China a trabalho, nunca ouvira de um só chinês questionamentos ao governo. Para ele, a questão não era por conta de receio ou medo, mas porque os chineses sabem que vivem um progresso tão extraordinário por conta da revolução tecnológica, que fica difícil questionar.

Então, a resposta para o sucesso da China pode ter como carro chefe o progresso tecnológico e outras razões adicionais que se agregam? Tem tese pra tudo. Qual é a sua?

Autor

Um comentario para "China, países ocidentais e coronavírus"

  1. augusto2 disse:

    Muito bom artigo.
    Conclusão final que o autor não avança mas que eu avanço porque nao sei ficar em cima do muro:
    ”A religiao do mercado e o deus dinheiro (maximo para o individuo) nao vao salvar o planeta, vao destrui-lo”
    Os sistemas politicos -e eleitorais- ditos democráticos se tornaram um brinquedo nas maos da plutocracias ocidentais… e isso não tem volta exceto por revoluçoes sangrentas. E a brincadeira deles somos peoes palhaços.
    E por último, existe vida fora do ocidente, sistemas politicos diferentes que de algum jeito vem do povo, aceitos pelo povo e para ele montados e geridos. Por exemplo, a China.
    Eles são superiores e seu sistema tambem.
    Engulam isso.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *