EUA: Para nacionalistas brancos, Covid-19 veio na hora exata

Relatos de violência e assédio contra asiáticos vêm de todos os lados: sites de extrema-direita e redes sociais estão repletas de mensagens e teorias conspiratórias e racistas, especialmente contra chineses.

Asiáticos protestam em Massachussets: "Minha etnia não é um vírus".

A pandemia de Covid-19 colocou em evidência as debilidades do neoliberalismo, tornando-o repentinamente uma caricatura grotesca. Quem cantava de galo, tomou um grande baque – alto o bastante para evidenciar não somente a desigualdade social nos Estados Unidos, mas também a racial. Enquanto isso, os “haters”, personificados nos Nacionalistas brancos, estão bem atentos ao que se passa. E eles não estão sozinhos. A ala apocalíptica da direita religiosa também aproveita para, a seu modo, decretar o fim dos tempos.

Relatos de violência e assédio contra asiáticos vêm de todos os lados: sites de extrema-direita e redes sociais estão repletas de mensagens e teorias conspiratórias e racistas, especialmente contra chineses. Ressurge o mito do “perigo amarelo” – e com ele o poder do Orientalismo para fazer dos asiáticos alvos fáceis por seus gostos, interesses e cultura. A insistência do presidente Trump em chamar o Covid-19 de “chinês”, embora seja um aceno para sua base eleitoral, acaba se tornando um importante fator aqui, legitimando teorias racistas e conspiratórias da extrema-direita. Essa legitimidade é amplificada quando o governo federal pouco faz diante do aumento de crimes de ódio contra essas comunidades.

Essa é uma aposta alta. Esse nacionalismo branco não é apenas um movimento marginal, guiado por figuras exóticas e foras-da-lei. Eles são bem organizados politicamente e jogaram um papel importante para a eleição do atual presidente norte-americano.

Como resultado, a extrema-direita está mais bem posicionada para exercer influência do que a extrema-esquerda. Somados, os teocráticos cristãos e os nacionalistas brancos são suportados pelas oligarquias conservadoras; eles têm faculdades, escolas de Direito, mídia e, sobretudo, um exército paramilitar muito bem armado. E, desde a vitória de Trump, passaram a fazer parte da coalizão Republicana, influenciando até mesmo parte dos funcionários da Casa Branca.

Para esses grupos, a atual pandemia chegou em um bom momento, pois quando se trata de ocupar espaços, nacionalistas brancos são especialistas. No vácuo do Atentado de Oklahoma, há 25 anos, eles souberam como agir nas sombras. Na ocasião, fizeram excelente uso de tecnologia para criar sofisticados sites que recrutaram, radicalizaram e orientaram politicamente. Quando o sistema político e econômico pareceu frágil, eles souberam usar esses fatores para galvanizar movimentos radicais, chegando até mesmo a incitar revoluções e uma guerra civil.  

O assédio e a violência que temos visto contra asiáticos pode ser somente um pequeno terremoto anterior ao tsunami. Quando estamos todos em quarentena, eles estão em plena atividade, arquitetando danos reais à sociedade. Nacionalistas brancos, identificando os chineses citados por Trump como um sinônimo de “globalistas” (uma espécie de atualização para “judeus”), poderiam tranquilamente surgir prontos para ação.

Eu temo que esta pandemia possa se tornar o Incêndio do Reichstag do nosso tempo (nota do tradutor: referência ao acontecimento de 1933 que é tido como crucial para o estabelecimento do nazismo na Alemanha). Pode ser um tipo de evento aterrorizante que sirva como bode expiatório para o domínio de autocratas. Temos visto vários autoritários em ação pelo mundo usando a pandemia para ampliar seus poderes. Aqui nos EUA, Trump falou em nacionalizar indústrias e espera poder usar as medidas contra a Covid-19 para se apresentar como um tipo de “ditador benigno”. Se a direita nacionalista branca surgir ao passo em que a pandemia se esvair, gerando ondas de violência, o autoritarismo se verá livre para crescer.

Ativistas identitários de esquerda nos EUA têm uma certa dose de cinismo em relação à aplicação da lei e a governar. Mas a luta contra o movimento nacionalista branco deveria ser vista como uma luta PELO Estado, e não CONTRA o Estado. Deveríamos fazer da luta contra esses grupos uma bandeira pela responsabilidade e controle policial – não uma espécie de vale-tudo. Se falharmos nisso, temo que o autoritarismo se tornará cada vez maior.

Tradução e edição: Fernando Damasceno