Privatização da saúde no AM ajuda corrupção e sucateamento do sistema

“Assistimos, dia a dia, o avanço dessa doença provocada pelo coronavírus em todos os estados brasileiros. Mas sem dúvida nenhuma, a pior situação do Brasil ocorre no estado do Amazonas, especialmente na capital Manaus”

Vala comum aberta no cemitério de Manaus (Foto: Michael Dantas/AFP)

Lamentavelmente temos que continuar falando sobre o maior problema do mundo hoje, que é pandemia e o avanço do coronavírus.

No Brasil nós já iniciamos uma situação extremamente delicada. Assistimos, dia a dia, o avanço dessa doença provocada pelo coronavírus em todos os estados brasileiros.

Mas sem dúvida nenhuma, a pior situação do Brasil ocorre no estado do Amazonas, especialmente na capital Manaus, manchete de todos os meios de comunicação do Brasil e do mundo. São programas de televisão, de rádio e sobretudo a mídia impressa.

No mundo inteiro mostra-se cenas de horror acontecendo na cidade de Manaus, onde o sepultamento não acontece mais de forma individualizada. Já ocorre de forma coletiva. São abertas covas para no mínimo dez caixões cada uma.

Triste ver próximo ao cemitério filas de carros de funerária aguardando a vez para enterrar os mortos que estão levando. É muito grave. E o sistema de saúde já está colapsado há algum tempo.

E eu quero dizer que isso acontece na cidade de Manaus porque, assim como a saúde vive uma crise no Brasil inteiro, no estado do Amazonas nós temos um elemento a mais. Lamentavelmente foi a área da saúde com o foco maior de corrupção dos últimos tempos. E isso foi facilitado por uma política de privatização que já se aplica no estado do Amazonas há muito tempo.

A maioria dos médicos não são contratados por concurso público diretamente. Grande parte dos médicos hoje no Amazonas são contratados através das suas cooperativas. Essas cooperativas se estenderam para muito além dos profissionais médicos.

São cooperativas que são contratadas na área de análises clínicas, de serviços gerais. São unidades inteiras sendo contratadas pelo estado e isso serviu, nos últimos anos, como um canalizador do desvio de recursos públicos, o que é extremamente lamentável.

Agora um outro fator, que na minha opinião é uma das questões centrais na ineficiência no combate ao coronavírus no Brasil e obviamente no estado do Amazonas também, é a falta de dados mais concretos e de dados reais. Ou seja, a subnotificação da doença que ocorre por conta da falta de testes que verificam se pessoas estão ou não infectadas.

Tenho batido na mesma tecla desde o início. Essa deveria ter sido, desde a primeira hora, aliás, desde dezembro do ano passado, a preocupação número um do Ministério da Saúde, que deveria ter encontrado fórmulas – e isso é possível sim – de trazer exames e testar a população.

Trabalhamos com estatísticas falsas. E essas estatísticas, no fundo, são as que vão determinar a forma de reação da população, ou seja, se os números são graves e assustadores, a população fica mais em casa do que com números menores.

E hoje os números no Brasil, pelo menos comparativamente a alguns países do mundo, não são tão elevados, por conta, principalmente, dessa subnotificação.

No dia 14 de abril foi divulgado pelo portal covid-19 Brasil uma pesquisa que eu considero fundamental e elucidativa. A pesquisa mostra que, em dados baseados no dia 11 de abril, foram notificados 25 mil casos de covid-19 no Brasil.

Se aplicássemos as regras de teste, o Brasil deveria ter naquele dia não apenas 25 mil casos. Já no dia 11 de abril seriam 313 mil casos, sendo 125 mil no estado de São Paulo e 40 mil no estado do Amazonas. Ou seja, a falta de notificações nos coloca em uma situação muito difícil.

Primeiro, repito, números errados levam à adoção de políticas preventivas equivocadas, o que faz a gente trabalhar com números errados do passado e do presente e não trabalha com um cenário mais promissor para o futuro.

Então é lamentável que isso esteja acontecendo no Brasil. O Distrito Federal agora é a primeira unidade da federação que começa a testar massivamente a sua população e creio que nós precisamos levantar bem forte essa bandeira, essa palavra de ordem, essa necessidade e essa prioridade, que é ampliar o número de testes no Brasil.

Os nossos números são tristes. Enquanto países têm médias de mais de mil testes por milhão de habitantes, o Brasil continua testando apenas 296 por milhão de habitantes. Isso é muito ruim e sinaliza para dias piores ainda do que estamos vivendo hoje.

Mas também a palavra de ordem neste momento deve ser para que possamos preservar a vida e sermos solidários uns com os outros. Essa é a palavra de ordem: a solidariedade e a salvação de vidas que, lamentavelmente, estamos perdendo no Brasil.

A autora é ex-senadora da República e membro do Comitê Central do PCdoB

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