Caos em Manaus leva funerárias a enterrarem os mortos à noite
Outro drama a ser enfrentado na capital é a falta de caixões. A Associação Brasileira de Funerárias solicitou ao governo federal um avião de carga para o transporte de duas mil urnas para a capital
Publicado 28/04/2020 17:47 | Editado 28/04/2020 18:09
Depois das valas comuns abertas nos cemitérios, o risco de colapso no sistema funerário em Manaus está cada vez próximo com enterros sendo realizados à noite em caixões empilhados.
Foi o que aconteceu nesta segunda-feira (27) no Cemitério Nossa Senhora de Aparecida, zona sul da cidade.
A imagem registrada (foto) pelo fotógrafo Chico Batata demonstra um cenário chocante. Foram utilizados refletores e máquinas pesadas para ajudar no sepultamento de alguns corpos dos 118 óbitos na cidade, nem todos vítimas do coronavírus.
Outro drama a ser enfrentado na capital é a falta de caixões. A Associação Brasileira de Funerárias solicitou ao governo federal um avião de carga para o transporte de duas mil urnas para a capital, revelou reportagem publicada no site da Band local.
Segundo a entidade, o estoque de caixões não está sendo suficiente se a média de mortes pelo coronavírus continuar crescendo.
A Associação avisou que se o setor alcançar o colapso os corpos terão que ser sepultados em sacos plásticos.
Antes da crise, a média era de 30 enterros por dia na capital. Esse número quadriplicou nesses dias de pandemia. No domingo (26), em 24 horas houve o recorde de 140 sepultamentos.
Segundo levantamento do BNC Amazonas, na segunda 31 pessoas morreram em domicílio e nove famílias optaram pela cremação, sendo realizados 109 sepultamentos.
Entre as causas de morte, dez apresentaram confirmação para a Covid-19, 30 foram registradas como causa desconhecida, mal definida ou indeterminada e outras 47 tiveram no atestado síndrome ou insuficiência respiratória, dentre outros fatores.
Nesta terça-feira (28), subiu para 4.337 os casos confirmados do novo coronavírus (Covid-19) no Amazonas. 2.899 são de Manaus (66,8%) e 1.438 do interior do estado (33,1%).
Apelo das autoridades
O prefeito da capital, Arthur Virgílio Neto, chegou a chorar ao comentar a situação de calamidade que vive a cidade.
Ele criticou duramente Bolsonaro pela sua postura negativista diante da pandemia. Ao ser indagado, por exemplo, sobre o número de mortes no país, o presidente respondeu: “Quem fala de …eu não sou coveiro, tá certo? Não sou coveiro.”
“Não sei se ele [Bolsonaro] serviria para ser coveiro. Talvez não servisse. Tomara que ele assuma as funções de verdadeiro presidente da República. Uma delas é respeitar os coveiros”, disse o prefeito à Folha de S.Paulo.
Em videoconferência nesta terça-feira (28) com o ministro da Saúde, Nelson Teich, o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC) voltou a apelar pela ajuda do governo federal.
“Nossas principais necessidades são aquelas já apresentadas aqui, sobretudo a questão dos respiradores. Temos tido reuniões constantes com o Ministério da Saúde para podermos avançar nesses itens. Ontem conversei com o general Pazuello, que me falou do plano que está sendo construído para o Amazonas para que possamos combater o coronavírus”, afirmou o governador.
Criticado pela sua morosidade e como se a vida pudesse esperar, o ministro da Saúde pediu três dias para resolver os problemas.
Protestos
Com 96% de ocupação dos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), ou seja, próximo do colapso de atendimento, o Amazonas enfrenta outros problemas.
Profissionais de saúde realizam protestos pelos salários atrasados e falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs).
Diante da negação dos problemas pelo governador, cerca de 200 profissionais de saúde realizaram manifestação na segunda-feira no Hospital e Pronto-Socorro (HPS) 28 de Agosto, no bairro Adrianópolis, zona centro-sul da capital.
Em nota emitida no final de semana, o Sindicato dos Médicos do Estado (Simeam) pediu intervenção federal na Saúde do Amazonas.
O Simeam questiona ainda a troca do secretário de Saúde, Rodrigo Tobias por Simone Papaiz, biomédica paulista que já foi secretária em Mogi das Cruzes e Bertioga.
“Ao contrário do Pará, que historicamente constrói de dentro para fora suas alternativas, o Amazonas segue a sina de importar soluções que, na maioria das vezes, não correspondem as nossas necessidades”, diz um trecho da nota em referência à secretária.
O Sindicato também suspeita das relações políticas mantidas por Simone Papaiz. “A nova titular da Susam tem ligações com políticos e empresas do setor de medicamentos, além de atuar firme na implantação de Organizações Sociais (OSs), modelo de gestão hospitalar que lidera casos de corrupção em várias cidades do País”, diz a nota.
Privatização
Em artigo, a ex-senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB) alertou para o problema. Segundo ela, a área de saúde do estado foi o maior foco de corrupção nos últimos anos, levando inclusive um ex-governador para a prisão.
Grazziotin explicou que essa onda de corrupção foi facilitada pela privatização do sistema.
“A maioria dos médicos não são contratados por concurso público diretamente. Grande parte dos médicos hoje no Amazonas são contratados através das suas cooperativas. Essas cooperativas se estenderam para muito além dos profissionais médicos”, afirmou.
Além dos médicos, existem cooperativas contratadas na área de análises clínicas e de serviços gerais.
“São unidades inteiras sendo contratadas pelo estado e isso serviu, nos últimos anos, como um canalizador do desvio de recursos públicos, o que é extremamente lamentável”, diz.