De Olho no Mundo, por Ana Prestes

A cientista política e especialista em relações internacionais, Ana Prestes, destaca em suas notas desta segunda-feira (27), a retirada da Argentina das negociações no Mercosul. Segundo o presidente argentino, ele optou por priorizar a proteção dos mais pobres e das empresas argentinas locais durante a pandemia.

O presidente da Argentina, Alberto Fernández - Foto: Reprodução/Facebook.

Uma notícia bem importante hoje é o abandono por parte da Argentina das negociações de acordos comerciais dentro do Mercosul. O anúncio foi feito pelo Paraguai que hoje preside o Mercosul. Uma das principais regras do Mercosul e um dos seus pilares é que tratados comerciais com terceiros só podem ser fechados se todos os países do bloco estiverem de acordo. O presidente argentino, Alberto Fernández, argumenta que a pandemia do coronavírus impossibilita a Argentina de seguir nas negociações. A decisão não atinge tratados fechados com a Associação Europeia de Livre Comercio (Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein) e com a União Europeia (27 países). Mas pode afetar acordos em fase de negociação com Canadá, Coreia do Sul, Cingapura, Líbano e Índia. A batida em retirada das negociações por parte da Argentina é resultado de um conflito intra-bloco durante a pandemia do coronavírus. O Governo de Fernández diz que optou por priorizar a proteção dos mais pobres e das empresas argentinas locais durante a pandemia. E, segundo ele, faz isso “em contraste com as posições de alguns parceiros, que propõem uma aceleração das negociações para acordos de livre comércio (citados acima).” Deste modo, Fernández demarca ainda mais uma fronteira entre ele e Bolsonaro, Marito e Lacalle Pou. Sem a assinatura dos quatro, qual acordo terá validade?

E a primeira ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, anunciou o fim da transmissão comunitária do novo coronavírus em seu país. O anúncio de eliminação do vírus veio com o afrouxamento das medidas mais duras de restrições do convívio social. A partir de amanhã (28) alguns serviços não essenciais e atividades escolares voltarão a funcionar. Grande parte da população, no entanto, ainda está orientada a ficar em casa e evitar interações sociais. A primeira ministra disse: “nós estamos abrindo a economia, mas nós não estamos abrindo a vida social das pessoas”. Durante toda a crise, a Nova Zelandia teve pouco menos de 1500 casos e 19 mortes. O diretor de saúde do país, Ashley Bloomfield disse: “eliminação não quer dizer que não teremos mais casos, mas sim que nós saberemos de onde nossos casos estão vindo”. A Nova Zelândia foi um dos países que adotou medidas mais duras e mais previamente, quando ainda tinham em torno de uma dezena de casos. Fecharam logo as fronteiras, colocaram em quarentena todos que chegaram de fora do país, determinaram o isolamento social e fechamento quase completo das atividades econômicas, fizeram ampla testagem e mapa da rota dos infectados e os contatos por eles estabelecidos.

E a Europa parece ter chegado a algum nível de consenso sobre sua recuperação econômica pós-pandemia. Segundo o primeiro-ministro português, António Costa, o plano aprovado no final da semana passada (25) “é certamente mais que um estilingue, mas ainda é preciso ver se chega a uma bazuca”. A previsão de encolhimento da economia do bloco é de mais de 4% e com especial destaque para o segundo trimestre do ano, quando os países foram mais atingidos pelo vírus, vide Itália e Espanha. Mesmo sem uma definição precisa de valores, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse que tratam-se de trilhões de euros. Um detalhe importante do desfecho foi a posição da França. Quem lê estas notas lembra que eu sempre dizia que estavam Itália, Espanha, Portugal e outros países do sul europeu de um lado e Alemanha, Holanda, Áustria e outros do norte do outro, no cabo de guerra para a definição de uma ajuda mais robusta (sul) ou menos (norte). A França nunca era muito clara sobre de qual lado ficaria na batalha. Pois Macron resolveu ficar ao lado dos países do sul e passou a “apoiar firmemente” as transferências orçamentarias requisitadas por estes.

Os EUA estão chegando perto de 1 milhão de casos registrados de infectados pelo novo coronavírus e o mundo chegará a 3 milhões nas próximas horas. Já são 206 mil mortes registradas em todo o planeta, sendo um quarto, 54 mil, nos EUA.

E não é que alguns americanos levaram a sério a sugestão de Donald Trump de injetar desinfetante caseiro para acabar com o vírus? No caso, as pessoas estão ingerindo desinfetante e reportagens mostram que na cidade de Nova Iorque aumentou o número de chamadas de emergência por ingestão de desinfetante.

Berlin e Stuttgart na Alemanha foram palco de protestos contra o isolamento social. As manifestações foram dispersas por policiais e as pessoas devem sofrer sanções por violação das regras da quarentena.

E o El País traz hoje uma linda fotorreportagem sobre as crianças abaixo de 14 anos que puderam sair às ruas em todo o país após 6 semanas de isolamento social bastante rígido. Está no link: https://brasil.elpais.com/brasil/2020/04/26/album/1587896904_810893.html?utm_source=meio&utm_medium=email#foto_gal_3

E a tão propalada compra da Embraer pela Boeing parece ter desandado mesmo. A fabricante norte-americana desistiu da negociação de 4,2 bilhões de dólares que daria origem a uma nova empresa na área da aviação comercial. Agora, a Embraer deverá receber algum socorro do governo para sobreviver ou será comprada por outra estrangeira. A empresa acabou de investir 1,75 bilhão para desenvolver três novos modelos de aviões que estão sendo pouco demandados por conta da pandemia, segundo matéria do Estadão. Não são tempos fáceis para o mercado aéreo.

A pandemia do coronavírus criou um novo termo nas atuais relações internacionais que é a dos “refugiados sanitários”. Um exemplo bem próximo é o fato de que todos os dias nas últimas semanas cerca de 150 a 200 paraguaios residentes no Brasil chegam à Ponte da Amizade, que une Brasil e Paraguai em Foz do Iguaçu, depois de abandonarem São Paulo e outras cidades brasileiras onde trabalhavam. Mas não é fácil o reingresso deles em seu país. As medidas sanitárias e de controle estão bastante rígidas. O Paraguai tem sido mais duro em suas medidas contra a pandemia, desde a primeira quinzena de março o país está em quarentena total e sem dia para terminar. Uma reportagem do jornal paraguaio ABC Color traz a informação de que a cada dia aumenta a rejeição a brasileiros e paraguaios provenientes do Brasil e que tentam entrar no Paraguai. Nas cidades fronteiriças, segundo a jornalista Tereza Freytes, há um verdadeiro pânico em relação a pessoal que chegam do Brasil. “Hoje temos 170 pessoas na ponte. Quando essas pessoas entrarem no Paraguai, outras 150 ou 200 chegarão. Todos os dias acontece isso” diz Tereza, que não pode se aproximar dos “refugiados sanitários” por ordem expressa das autoridades paraguaias e do próprio jornal em que trabalha. As notícias são de que o presidente paraguaio Mario Abdo Benítez está bastante incomodado com Bolsonaro e as autoridades brasileiras que defendem a abertura irrestrita da fronteira com o Paraguai.

O último dia 25 de abril foi dia de lembrar a Revolução dos Cravos em Portugal e também os 75 anos da primeira conferência das Nações Unidas em São Francisco nos EUA que produziria a carta de fundação a ONU. Em Portugal foram feitos vários registros emocionantes em vídeos das pessoas cantando a canção “Grandôla, Vila Morena”, símbolo da revolução, pelas janelas. Sobre a fundação da ONU, sempre bom lembrar que graças a uma brasileira, Bertha Lutz e outras líderes latinoamericanas, o texto da carta que deu origem ao organismo multilateral traz a preocupação com a igualdade de direitos entre homens e mulheres.

Repercutiu muito em toda a imprensa internacional a saída de Sergio Moro do ministério da justiça do governo Bolsonaro. Internacionalmente Moro é bastante conhecido por causa de Lula. É tido em todo o mundo como o juiz que perseguiu Lula.

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