Com um milhão de casos, a Covid-19 avança para o interior dos EUA

Com mais de 57 mil mortos pela doença, o dobro de dez dias atrás, americanos protestam contra a quarentena incentivados por Trump

Novaiorquinos são enterrados às pressas em valas comuns

Nesta terça-feira (28), os EUA atingiram o número simbólico de um milhão de casos confirmados de Covid-19, número que não ocorreu em nenhum outro dos 185 países com a pandemia. O número crescente revela que o presidente Donald Trump apressou-se em anunciar a reabertura econômica do país, quase duas semanas atrás.

Desde 11 de abril, os EUA já ultrapassavam a Itália, considerada o epicentro da doença, mas romper a barreira do milhão causa um efeito psicológico na população já em choque.

Os EUA registraram nesta terça 1.002.498 casos e 57.266 mortes por Covid-19. O segundo colocado é a Espanha, com 232.128 diagnósticos e 23.822 mortes. No mundo, são 3.074.948 infectados e 213.273 vítimas no total.

A subnotificação pela baixa testagem numa população de mais de 300 milhões significa que os governos agem às cegas, totalmente no escuro. No mundo todo ocorre o mesmo. Os poucos países que conseguiram uma ampla testagem têm maior taxa de sucesso no controle da pandemia.

Volta à “normalidade”

No dia 16 de abril, Trump então anunciou as diretrizes para a reabertura econômica, deixando na mão dos governadores a decisão sobre os prazos para a retomada das atividades. Em diversas regiões, como Nova York e Califórnia, a curva dos casos e mortes começou a cair nos últimos dias, mas estados do meio-oeste e do sul do país, com populações menores e mais pobres,  ainda não chegaram no pico da curva e enfrentam situações graves.

As diretrizes da Casa Branca estabelecem critérios para a reabertura gradual dos estados, como capacidade mínima hospitalar, diminuição sustentada de casos de Covid-19 por um período de pelo menos 14 dias e o alto nível de testagem da população, algo que tem sido inviável. A preocupação é que haja uma segunda onda de transmissões com o relaxamento precoce das medidas de isolamento.

Pesquisadores da Universidade Harvard, por exemplo, afirmam que é preciso ter 500 mil testes diários para alcançar um bom nível antes da reabertura, e os EUA hoje fazem cerca de 145 mil por dia.

Nos estados governados por políticos republicanos, do partido de Trump, começaram iniciativas de suspensão do isolamento social há dias, como medida para a retomada da economia. São estados como Texas, Tennessee, Carolina do Sul e Geórgia, no sul do país, justamente os que começam a ter crescimento no contágio.

Já governadores democratas, como os de Nova York, Michigan e Califórnia, todos muito ricos, populosos e industrializados, dizem que vão seguir o processo de reabertura norteados pela ciência e especialistas em saúde pública, enquanto tentam ampliar a quantidade de testes. São estados onde a pandemia começou primeiro e começa a arrefecer.

Interesses eleitorais

O presidente se preocupa com o impacto que os danos econômicos da pandemia terão sobre sua campanha à reeleição. São 26 milhões as pessoas que pediram acesso ao seguro-desemprego nos EUA, desde março, e mais de 70% tiveram sua renda reduzida com a crise.

Em seu comportamento vacilante e, muitas vezes, sobrepondo-se aos conselhos de seu time de especialistas, Trump segue entusiasta da reabertura econômica e chegou a sugerir que as pessoas ingerissem desinfetante como forma de matar o vírus –depois, o presidente recuou e disse que estava sendo sarcástico. Houve registro de casos de intoxicação por detergente no país.

O objetivo do republicano é tentar imprimir um verniz de normalidade aos EUA o quanto antes, para tentar evitar maior impacto na eleição presidencial marcada para 3 de novembro.

Pesquisas recentes mostram que sua popularidade caiu ao menos 6 pontos desde o meio de março e que o democrata Joe Biden, seu adversário na corrida à Casa Branca, lidera em estados considerados chave para a eleição americana, como Pensilvânia e Wisconsin.

Cenário reversível

Antes da pandemia, o presidente Trump parecia pronto para a reeleição. Agora, com a economia paralisada e um número recorde de americanos pedindo seguro-desemprego, os republicanos estão cada vez mais preocupados que a pandemia possa custar-lhes a Casa Branca.

Os fatos, no entanto, não são tão contundentes. Embora Joe Biden esteja na frente em alguns estados (Flórida, Michigan, Pensilvânia e Wisconsin), essa liderança é apenas metade daquela que tinha Hillary Clinton na mesma fase da campanha em 2016.

A maioria dos americanos está focada em proteger suas famílias, não na política. Quando a temporada de campanha recomeçar, a pandemia pode não ser um trunfo político de Biden. Há que observar quanto do maior trauma dos americanos no novo século vai ser atribuído a Trump.

Milhares de candidatos estão enfrentando um cenário de campanha totalmente diferente, em que táticas tradicionais ficaram totalmente obsoletas. Se as redes sociais e as fake news de Trump já alteraram profundamente a dinâmica eleitoral no mundo, a pandemia tornou eventos públicos e o contato interpessoal totalmente inviável.

O ex-vice-presidente Joe Biden iniciou sua campanha em abril de 2019, pegando o trem e apertando as mãos. Agora ele passa os dias principalmente dentro de casa, descobrindo como funciona uma campanha virtual. Ele também está hospedando um podcast.

Enquanto isso, os briefings do presidente Trump sobre a pandemia de coronavírus se tornaram verdadeiras manifestações políticas de alta visibilidade eleitoral.

Com informações de agências internacionais