Pandemia, incertezas, medo: a vida dos agentes de organização escolar
Se as escolas estão vazias, qual função essencial os inspetores de alunos cumprem na total ausência de alunos?
Publicado 30/05/2020 11:51 | Editado 31/05/2020 22:01

A cidade de São Paulo tem 7.807 agentes de organização escolar (nova designação para inspetor de aluno) nas escolas da rede estadual de ensino. As escolas estão sem alunos, mas a maioria desses agentes é obrigada a ir trabalhar em plena pandemia do novo coronavírus. Por quê? Para quê? As escolas estão vazias. Que função essencial os inspetores de alunos cumprem na total ausência de alunos?
Sou professora de Biologia e meu marido é agente escolar. Como ele, os outros agentes – que são pais, que são mães, inclusive uma mãe que carrega seu bebê em fase de amamentação, ou ainda filhos e filhas com pais idosos em casa – pegam ônibus, metrô e trem nos horários de pico, para marcarem ponto em escolas sem alunos.
A pandemia superou qualquer crise sanitária dos últimos cem anos. Alguns agentes foram afastados por terem comorbidades e outros ficaram em teletrabalho. Porém, muitos – incluindo meu marido, incluindo a jovem mãe que tem que levar a sua bebê, estão trabalhando presencialmente.
Foi atribuída aos agentes de organização escolar a entrega das novas apostilas, para os alunos acompanharem as aulas online usando o aplicativo Centro de Mídias. A distribuição foi organizada com base em um calendário, dividindo os alunos em séries, para evitar aglomerações.
Só que as aglomerações não foram evitadas. Os agentes de organização ficaram sozinhos na maioria das escolas para fazer a distribuição. Em alguns casos, em dupla. Em outros, um único agente. Mas em nenhum caso tiveram apoio de agentes de saúde ou da ronda escolar para orientar pais e alunos, para organizar filas, para manter o afastamento.
O último dia de aulas presenciais nas escolas estaduais foi 22 de março. As apostilas chegaram às escolas no dia 27 de abril e foram distribuídas aos pais e alunos nos dias 28 e 29. Mesmo admitindo que os agentes de organização escolar tenham usado a quinta e a sexta-feira (dias 23 e 24 de abril) para organizarem as escala de distribuição, a segunda-feira (27) para receberem as apostilas e a terça e quarta-feira seguintes para distribuírem, o que precisaram fazer nas escolas de 23 de março a 23 de abril? O que precisam fazer nas escolas de 29 de abril até hoje?
Moro na Brasilândia, distrito com o maior número de mortes por Covid-19. A maioria dos agentes mora na periferia. Por que é que o meu marido precisa pegar dois ônibus no horário de pico para marcar ponto e, no final do dia, dois ônibus lotados para voltar? Temos um filho de 4 anos com doença cardíaca crônica. Por que é que a minha família, assim como as famílias de todos os agentes de organização escolar, precisa viver o permanente pavor do perigo real de contaminação?
Está visto que não é para cumprir a função para a qual foram contratos. O que fazem, então? Estão indo abrir os portões das escolas, que a isso são obrigados, para que alunos e pais de alunos vão lá perguntar: “Quando o meu filho vai receber a merenda?”; “O meu filho não tem computador, como faz?”; “Não consigo acompanhar as aulas. Tenho que fazer prova?”.
Para todas as perguntas, os agentes têm a única resposta possível: “Não sei”. Quem tem de responder a essas perguntas é o governo, é o secretário de Educação – isso se já tiver a resposta. E pode fazê-lo com anúncios (publicidade oficial) em rádios e TVs, em entrevistas coletivas, etc.
Muitos podem pensar: “Mas é importante. Se a escola tem computadores e outros materiais, é preciso ter alguma segurança. Alguém tem de abrir a porta para que possam ser entregues as compras da Diretoria de Ensino”. Certo? Errado!
Não é função do agente de organização escolar fazer segurança. Não tem treinamento, meios, nem conhecimento para tal função. Fico imaginando a jovem mãe, vendo os bandidos entrarem e respondendo: “Voltem daqui a meia hora que agora estou dando de mamar. Depois, escorraço vocês a tapa”.
A segurança das escolas estaduais é responsabilidade da Polícia Militar. Mais: as escolas estaduais têm caseiros – sendo grande parte deles policiais militares –, que moram dentro dos muros da escola ou numa casa vizinha. As escolas não estão abandonadas. São esses caseiros que têm todas as chaves e controles eletrônicos dos portões. São esses caseiros que recebem as aquisições da Diretoria de Ensino.
Então, repito a pergunta: por que é que as famílias dos agentes de organização escolar precisam viver o permanente pavor do perigo real de contaminação?