Pandemia e predominância de serviços desafiam as eleições deste ano

Vários fatores mostram necessidade de mudanças nas políticas públicas para que as cidades possam enfrentar problemas como fome, pobreza, desemprego e violência.

Entregadores vivem precarização - Foto: Raoni Maddalena

O Brasil realiza em 2020 a décima eleição municipal desde a entrada em vigor da legislação de 1979, que restabeleceu o multipartidarismo, após 14 anos de vigência do bipartidarismo imposto pela ditadura em 1965. Dois aspectos, pelo menos, tornam o embate eleitoral deste ano distinto dos demais realizados.

O primeiro, de evidência conjuntural, decorre da excepcionalidade da pandemia de Covid-19. O segundo, de natureza estrutural, consagra a emergência predominante das cidades de serviços, uma novidade em termos de oportunidades para remodelar profundamente o modo de administração pública atualmente vigente nos municípios do país

No que concerne à pandemia de Covid-19, destaca-se o despreparo, em geral, das autoridades públicas para o seu enfrentamento adequado. A começar pela incrível incapacidade de tomar medidas preventivas entre os meses de janeiro e fevereiro de 2020, quando já era conhecido o avanço da contaminação em vários países.

Conforme revela estudo apoiado pela Fapesp, a Covid-19 já tinha se disseminado pelo Brasil quando então as medidas de contenção começaram a ser adotadas pelas autoridades municipais. Desde 22 de fevereiro que mais de 100 linhagens distintas do novo coronavírus (SARS-CoV-2) estavam em circulação no país, possivelmente provenientes da Europa, mas as primeiras medidas, como o isolamento social, somente foram tomadas a partir de 13 de março, quase três semanas depois.

Lentidão, descoordenação e desorganização expressam o despreparo, em geral, das autoridades em relação ao enfrentamento da pandemia. Também certa irresponsabilidade na flexibilização atual da quarentena que, segundo a comunidade científica, pode gerar o segundo ciclo de contaminação viral entre os brasileiros.

Por tudo isso, o Brasil vive a sua maior queda na produção, renda e emprego, com estimativas de a recessão econômica impor o encolhimento do PIB em 10%. O resultado da contração na arrecadação fiscal de estados e municípios em meio à manifestação de problemas sociais em escala inédita (fome, pobreza, desemprego, violência e outros) colocará problemas gigantes aos atuais e novos prefeitos.

Nesses termos, a oportunidade para o preparo de outra pauta municipal que dialogue com a construção de uma sociedade pós-capitalista. Isto porque nos marcos do capitalismo atual não parece haver solução plena e satisfatória para o conjunto dos brasileiros.

Cidades de serviços

O segundo aspecto de novidade às eleições municipais deste ano diz respeito à transição para as cidades de serviços. Como se sabe, o Brasil realiza eleições locais desde o ano de 1532 e por isso conviveu com predominância das cidades agrárias até os anos de 1920, quando entre as décadas de 1930 e 1980 as novas cidades industriais assumiram o protagonismo.

Ao contrário das cidades agrárias, funcionais às determinações provenientes do meio rural, as cidades industriais estabeleceram dinâmica própria, cuja urbanização constituiu marca específica no modo de administração pública municipal. A complexidade e o agigantamento governamental se mostraram fundamentais para permitir minimamente o funcionamento das cidades com a gestão em novas bases da mobilidade, saúde, educação, moradia, ambiente, entre outros.

Tudo isso funcionando nos moldes do ritmo industrial, cuja produção e trabalho eram realizados distantes do local de moradia, o que exigia capacidade crescente de coordenação administrativa local. Ao contrário disso, dominava no antigo agrarismo o exercício do labor e da produção praticamente realizados simultaneamente à moradia e com implicações sobre o modo de vida no campo.

O aparecimento das cidades de serviços no Brasil se deu antecipado pela desindustrialização precocemente aberta desde os anos de 1990, quando da adoção do receituário neoliberal que consagrou o ingresso passivo e subordinado à globalização. As tendências das novas cidades vinham sendo estabelecidas, mas com a pandemia de Covid-19, elas foram aceleradas, com mudanças no local de trabalho e produção, não mais determinada como anterior e plenamente nas cidades industriais.

Resumidamente, o salto tecnológico que possibilita, em somente se tratando das modalidades de comunicação e informação, avanços consideráveis na prática do trabalho em casa (teletrabalho), no entretenimento, na educação e aprendizagem, entre outros. Também a difusão dos serviços de entrega, geralmente intermediados por trabalhadores de plataforma dos aplicativos e a ampliação das compras online demandam outro modo de administração pública nas novas cidades de serviços.

Isso representa apenas a ponta do conjunto de transformações que se encontra atualmente em curso. Para maiores detalhes, recomenda-se a leitura do recente livro Cidades e Dissoluções: passado e presente da urbanização disponível gratuitamente no sitio da Fundação Perseu Abramo.

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