Os mistérios da monstruosa explosão de Beirute

Uma calamidade como a provocada pela monstruosa explosão é, sem dúvida, uma maneira de contribuir para a ingovernabilidade do pequeno e flagelado país dos cedros.

Explosão no porto de Beirute

existência de 2750 toneladas de nitrato de amónio num armazém no porto de Beirute pode justificar, segundo os especialistas, a extensão da catástrofe registada na tarde de 4 de Agosto e o seu trágico balanço parcial de 150 mortos, mais de cinco mil feridos e de 300 mil desalojados. O que parece mais difícil de explicar é o estranho cogumelo observado sobre o local na sequência das explosões, em vez das esperadas nuvens de fumo em dispersão, seguido por uma vaga gigantesca no mar e um abalo sísmico de 3,5 na escala de Richter – eventual causador de grandes estragos em redor, juntamente com o sopro do rebentamento. O que terá acontecido, de facto, em Beirute?

É muito mais fácil enunciar perguntas do que encontrar respostas, sobretudo num caso em que provavelmente estas não venham a ser dadas, pelo menos em termos de explicar o que efectivamente sucedeu. O Líbano sempre foi a terra mártir de muita violência e poucas explicações.

«Uma fonte confidencial israelita altamente informada disse-me que Israel causou a massiva explosão de ontem no porto de Beirute […] Israel visou um depósito de armas do Hezbollah no porto e planeou destrui-lo com um aparelho explosivo.»

Richard Silverstein, jornalista, Israel

As autoridades libanesas, especialmente o presidente Michel Aoun e o primeiro-ministro Hassan Diab, mantêm que a explosão ocorreu num armazém onde há seis anos estavam depositadas 2750 toneladas de nitrato de amónio confiscadas a embarcações que frequentaram o porto. As declarações oficiais focam o problema da incúria dos procedimentos adoptados, especialmente em termos de segurança da matéria explosiva, mas são omissas quanto à causa detonadora. Será talvez muito cedo para conhecê-la, mas o assunto anda diluído, como que perdido entre declarações e especulações.

O jornalista Richard Silverstein invoca as suas fontes nos serviços secretos israelitas para levantar a hipótese de Israel ter montado uma operação para destruir um depósito de armas do Hezbollah no porto de Beirute ignorando – ou não se preocupando com isso – o facto de existir um armazém com explosivos nas vizinhanças. A possibilidade faz algum sentido porque os «depósitos de armas» do Hezbollah marcam presença de vulto entre os pretextos usados por Israel para tentar impor a sua ordem militar na região, seja no Líbano1 ou na Síria2. E o jornal Al-Hadath fez questão de vincar, a propósito dos acontecimentos, que um armazém no porto de Beirute é utilizado para albergar armas iranianas transportadas para o Hezbollah3.

Multiplicação de cogumelos

Nada disto, porém, contribui para explicar a perfeita nuvem em forma de cogumelo observada na sequência imediata das explosões, habitualmente associada a fenómenos nucleares. Não são conhecidos dados resultantes de eventuais medições de radioactividade na zona, mas uma investigação séria dos acontecimentos, como é prometida pelas autoridades libanesas, não pode dispensar uma pesquisa nesse campo.

Um aspecto do cogumelo formado após a segunda explosão no porto de Beirute, no Líbano, em 4 de Agosto de 2020. Créditos

Acresce que outros fenómenos registados em consequência da explosão, a vaga gigantesca levantando automóveis que se encontravam estacionados na zona ribeirinha e o tremor de terra medido por uma instituição alemã (GFZ, Centro Alemão de Geociência), podem ser associados a rebentamentos nucleares.

A imagem do cogumelo poderia resultar, ainda assim, de uma caprichosa conjugação das nuvens de fumo por alguma causa conjuntural. No entanto, não é caso único nos tempos mais recentes.

Desde o início de Julho, contando com esta registada em Beirute, já são oito as explosões culminadas com espessas nuvens de fumo em forma de cogumelo na região do Médio Oriente, segundo o website Réseau Voltaire. Sete destruíram outros tantos pequenos navios de guerra iranianos no Golfo Árabe-Pérsico na segunda semana de Julho.

Que nova arma terá entrado em funções nas mãos de inimigos do Irão e do Líbano – país onde o Hezbollah integra a coligação governamental?

«Percebem que este inferno era suposto cair sobre nós como uma chuva de mísseis? O que vimos ontem no porto de Beirute foi muito maior [que a explosão de um depósito]. Tenho alguma experiência de explosivos. O efeito destrutivo [da explosão em Beirute] foi como o de uma bomba nuclear. […] deveríamos estar orgulhosos e com isso criaríamos um equilíbrio do terror»

Moshe Feiglin, Partido Likud, Israel

Donald Trump, no seu estilo, apressou-se a comentar, a propósito de Beirute, que se tratou de «um terrível ataque» com «um certo tipo de bomba». Logo os generais do Pentágono procuraram os seus contactos na comunicação social corporativa para dizerem que não sabiam do que o presidente estava a falar, para eles continua a ser válida a versão das autoridades libanesas de que a explosão foi provocada pelo armazenamento de nitrato de amónio.

Por uma vez os militares norte-americanos não acusaram o Hezbollah de ter cometido um atentado terrorista, mas isso está longe de significar uma suspensão na guerra de desestabilização em curso para tornar o Líbano ingovernável e criar condições para que o popular e poderoso partido xiita seja afastado do governo. Uma calamidade como a provocada pela monstruosa explosão é, sem dúvida, uma maneira de contribuir para a ingovernabilidade do pequeno e flagelado país dos cedros.

Em 2010 o Hezbollah apresentou imagens obtidas de drones israelitas que revelavam a intensa vigilância que estes exerciam sobre o percurso do primeiro-ministro Rafic Hariri e do local onde o mesmo foi assassinado. Créditos

Dois caminhos

Coincidência ou não, a explosão aconteceu na semana em que está prevista a divulgação da sentença de um tribunal internacional formado no âmbito das Nações Unidas para julgar os supostos autores do atentado que provocou, em 14 de Fevereiro de 2005, a morte do então primeiro-ministro libanês, o magnata líbano-saudita Rafic Hariri.

Um tribunal que tudo tem feito para se descredibilizar, no seu afã pré-determinado e montado por serviços secretos ocidentais de culpar o Hezbollah4.

Provavelmente a leitura da sentença será adiada. O que não invalidará o facto de existirem dois caminhos que remetem os acontecimentos de agora para circunstâncias a ter em conta no atentado de 2005.

O jornalista francês Thierry Meyssan demonstra, numa investigação publicada em 2010 pela revista russa Odnako, a improbabilidade da tese adoptada pelo tribunal e pelos serviços de investigação mobilizados pelas Nações Unidas segundo a qual o atentado que matou Hariri foi cometido através de um camião de explosivos conduzido por um suicida.

«Um dos sobreviventes do atentado, o ministro Bassel Fleyhan, foi socorrido num hospital e revelou sinais de ter sido exposto a radioactividade […] a investigação existe e remete, no campo das hipóteses, para um engenho explosivo transportado por um míssil de centímetros fabricado no domínio das nanotecnologias aplicadas ao nuclear»

A cena do crime é muito mais compatível, segundo o texto do jornalista, com uma explosão provocada por um engenho de tipo desconhecido transportado por um drone – de que existem filmagens tornadas públicas – e que, ao explodir, fez concentrar um volume invulgar de calor numa fracção de tempo mínima. Uma situação anómala que provocou, por exemplo, a fusão do relógio de ouro no pulso de Hariri enquanto o colarinho da sua camisa se manteve intocado.

Um dos sobreviventes do atentado, o ministro Bassel Fleyhan, foi socorrido num hospital e revelou sinais de ter sido exposto a radioactividade, uma circunstância que, estranhamente, não foi associada ao atentado pelas autoridades responsáveis pela investigação – muito apegadas à tese do kamikaze e das suas supostas ligações ao aparelho militar do Hezbollah.

O trabalho da revista Odnako não foi tido em conta pelo tribunal internacional; e antes que isso tivesse mesmo possibilidade de acontecer foi militantemente atacado por um dos jornais oficiosos do regime sionista de Israel, o Jerusalem Post. No entanto, a investigação existe e remete, no campo das hipóteses, para um engenho explosivo transportado por um míssil de centímetros fabricado no domínio das nanotecnologias aplicadas ao nuclear. Coisa de que muito se vem falando como alternativa ao uso das bombas nucleares clássicas.

Estes casos dão, no mínimo, que pensar.

Soldados israelitas junto de uma unidade de artilharia móvel na fronteira israelo-libanesa, em 28 de Julho de 2020. Apesar de o Hezbollah (que defende o sul do Líbano) negar as acusações de infiltrações feitas pelos militares israelitas, a possibilidade de um confronto transfronteiriço era dada como um perigo real CréditosAriel Schalit / AP Photo

Destroçar o Líbano

A circunstância de os Estados Unidos e Israel não conseguirem manipular o governo do Líbano nas suas estratégias contra o Irão, a Síria e até para obrigar Beirute a abandonar os seus legítimos direitos a recursos de gás natural em águas territoriais disputadas com Telavive, tem estado na base de uma «guerra branda» mas persistente. Washington está por detrás de todos os processos de desvalorização da lira libanesa, de crise bancária e energética que têm desestabilizado o país; e não deixa de estar por detrás, igualmente, dos protestos organizados segundo os métodos das «revoluções coloridas» que têm como objectivo fragilizar e manietar o governo. Finalidade última: expulsar o Hezbollah da maioria governamental.

O Hezbollah, apoiado pela comunidade xiita, que representa 33% da população, e até por sectores de outras origens religiosas, e mesmo seculares, tem sido o travão às ambições coloniais plenas de Washington e Telavive. O seu real poder político, conjugado com o efeito dissuasor do seu poderoso aparelho militar, têm permitido ao Líbano usar alguma voz própria que os inimigos do governo consideram necessário silenciar. Israel ainda não digeriu a derrota militar sofrida em 2006 na sua ofensiva contra o Líbano – e o Hezbollah tinha então um poder militar bastante inferior ao actual; Washington e Telavive não admitem, entretanto, que o governo de Beirute continue a rejeitar as demarcações das águas territoriais – que privam o Líbano de grande parte dos potenciais recursos de gás natural – feitas pelo embaixador Frederic Hof5 e tendenciosamente favoráveis ao lado mais forte.

«A explosão de 4 de Agosto no porto de Beirute pode ter sido provocada pelo efeito do calor extremo de Verão sobre uma quantidade avultada de nitrato de amónio a utilizar como fertilizante. Mas veio a calhar para quem pretende tornar o Líbano ingovernável»

Acontece ainda que o governo do Líbano, alvejado por todos os lados pelos seus «amigos naturais», tem vindo a aproximar-se do Irão, sobretudo na procura de produtos refinados com os quais possa combater a crise energética6. Para tal, Teerão estaria na disposição de receber pagamentos na frágil lira libanesa. Um pecado mortal.

A explosão de 4 de Agosto no porto de Beirute pode ter sido provocada pelo efeito do calor extremo de Verão sobre uma quantidade avultada de nitrato de amónio a utilizar como fertilizante. Mas veio a calhar para quem pretende tornar o Líbano ingovernável. Além dos efeitos trágicos directos, a destruição do porto de Beirute priva o país das instalações que asseguravam 80% das importações, sobretudo de produtos alimentares. A somar à bancarrota, a uma quebra de 32% da economia, aos efeitos das cruéis sanções norte-americanas, ao blackout energético, o espectro da fome avança sobre o pequeno país, sobrecarregado com uma vaga de refugiados da guerra da Síria que fez aumentar a população em 25%.

A explosão pode ter sido um acidente. Pode. Mas só haverá certezas depois de decifrar o enigma da perfeita nuvem em forma de cogumelo que assombrou o porto de Beirute naquela tarde.

Fonte: AbrilAbril

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