Reforma administrativa torna servidores presa fácil, alerta consultor

Além de acabar com a estabilidade, sujeitando servidores a pressões políticas, a reforma permite a extinção de órgãos públicos por decreto presidencial.

O consultor legislativo Vinícius Amaral - Foto: Reprodução/TV Senado

Com a reforma administrativa enviada por Jair Bolsonaro ao Congresso Nacional, servidores serão presa fácil para políticos que queiram instrumentalizar o serviço público. A avaliação é de Vinícius Amaral, consultor legislativo do Senado Federal que atua na área de orçamento.

Para Amaral, a proposta não avança em direção às melhores práticas da gestão pública. Em vez disso, retrocede em relação a questões como a estabilidade dos servidores públicos, que existe para protegê-los da pressão política e retaliações de chefes de ocasião. A reforma administrativa foi enviada sob a forma de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) na quinta-feira (3).

Caso prevaleça o texto do governo, devem conservar a estabilidade somente as carreiras chamadas de típicas de Estado, ou seja, aquelas que exercem atribuições exclusivas do Estado, como o poder de polícia e fiscalização. Entram aí auditores fiscais, advogados públicos e delegados, por exemplo.

O consultor legislativo, no entanto, questiona a definição do que seria uma carreira de Estado. “A pergunta é: O que é uma carreira típica de Estado? Essa definição, que é crucial, o governo não trouxe até agora. Já existe hoje uma enorme desigualdade entre as carreiras, essa desigualdade vai se aprofundar. Saúde e educação são obrigações constitucionais de Estado. Como a gente pode dizer que não são carreiras típicas de Estado?”, questiona.

Amaral afirma ainda que é ilusório pensar que a atividade das carreiras apontadas como típicas de Estado estará protegida se retirada a estabilidade de outras carreiras que assessoram seu trabalho.

“É ilusório imaginar que mesmo essas hipotéticas carreiras típicas de Estado estariam protegidas nesse cenário. Ninguém trabalha sozinho no serviço público, as carreiras precisam umas das outras para funcionar, desempenhar seu papel. Você pode simplesmente inviabilizar uma carreira típica de Estado afetando as outras carreiras da qual elas dependem. Ou você dá proteção para todo o fluxo de trabalho do serviço público, ou não tem proteção alguma”, comenta.

Extinção de órgãos por decreto

A reforma também permite que o presidente da República extingua órgãos públicos com um simples decreto, sem necessidade de autorização do Congresso, um poder gigantesco centralizado em uma única pessoa.

“Essa é uma medida que é quase ditatorial, o governante de plantão ter o poder de simplesmente extinguir órgãos de estado sem que ninguém possa fazer nenhuma oposição a ele. O fato hoje de que certas alterações precisam passar pelo Congresso é um freio ao enorme poder que existe no chefe do Executivo. Eliminar esse freio é voltar ao tempo da ditadura, onde o chefe do Executivo podia fazer alterações por meio de decreto-lei”, afirma.

Proposta não enfrenta distorções

Por fim, Vinícius Amaral alerta que a reforma sequer resolve o problema para o qual alegadamente foi desenhada: melhorar e racionalizar os gastos no serviço público. A PEC deixa de fora as categorias “sangue azul”, que ganham altos salários – promotores, magistrados e militares.

“O ponto fundamental a que essas carreiras todas [militares, juízes e promotores] estivessem sujeitas é justamente o maior controle da maneira como as despesas são aprovadas. Também passa pelo processo de aprovação de reajuste, criação de cargos, pagamento de salários. É preciso fechar essas brechas, e é nessas carreiras que estão concentradas a maior parte delas. É no judiciário e no Ministério Público que estão os maiores problemas com teto remuneratório e o governo não enfrenta esse problema. São distorções que deveriam ser imediatamente corrigidas”, diz.

Regras para reajustes

Com relação aos reajustes da forma como são concedidos hoje, Amaral destaca que a Constituição Federal traz regras rígidas para o controle de despesas de pessoal. No entanto, ao longo do tempo e em meio a pressões de categorias, esses controles foram sendo afrouxados.

Segundo ele, a reforma administrativa não soluciona essas brechas. Como exemplo, ele cita a possibilidade de conceder reajustes por Medida Provisória (MP), aumentos parcelados e a ausência de compensação fiscal.

No caso dos reajustes por MP, Vinícius Amaral explica que, em tese, o Congresso Nacional deveria dar o aval para que não fosse uma decisão ao bel prazer do presidente da República. No entanto, embora precise de aprovação posterior do parlamento, a MP entra em vigor no momento em que é publicada. Ou seja, para derrubá-la, é preciso barrar o aumento já em vigor.

“É um problema enorme. Quando você faz um reajuste por MP, é praticamente irreversível. O salário já está sendo pago. O Congresso fica na posição de tirar o reajuste que já está sendo pago”, explica. Outra questão que deveria ser corrigida, diz, é o reajuste parcelado, que gera risco fiscal.

“É um reajuste por dois, três anos, sendo que ninguém consegue prever a situação da economia. É uma péssima prática, que deveria ser vedada. A Constituição veda, mas não de forma expressa. O texto constitucional exige que todo reajuste seja previamente incluído no orçamento. Quando você parcela, acaba não passando no orçamento. Você cria uma bomba que às vezes, inclusive, vai explodir em governos futuros. Existem algumas vedações na LRF [Lei de Responsabilidade Fiscal], de que não pode dar reajuste nos últimos meses de mandato. Mas é muito fraca, fácil de burlar”.

Por fim, Vinícius Amaral ressalta que a LRF prevê que a criação de toda despesa permanente, incluindo despesa com pessoal, deve prever uma receita para compensá-la. A regra, no entanto, nunca foi cumprida e a PEC não resolve o problema. “Absolutamente jamais foi cumprido. Não existe nenhum projeto de reajuste que tenha seguido essa regra. Permite que se criem despesas que, na verdade, não são proporcionais à capacidade de pagamento de pessoal”.

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