Caminhada turística negra é perseguida pela polícia durante três horas

Agências de viagens exigem resposta da Ouvidoria da Polícia e do Ministério Público. Parte da apresentação sobre a história negra em São Paulo foi registrada pelos policiais, assim como a tentativa de enquadrar os agentes.

Policias vigiaram e constrangeram turistas negros durante caminhada que conta a história da população negra na cidade de São Paulo. (Divulgação da Black Bird)

No domingo (25), a Caminhada São Paulo Negra, projeto-turístico cultural, virou caso de polícia. Policiais militares acompanharam de moto e cavalaria o tour durante todo o trajeto de três horas. “Éramos 12 pessoas fazendo um walking tour e fomos monitorados, vigiados e filmados”, relatou Guilherme Soares Dias, sócio-fundador da empresa de turismo e cultura negra Black Bird .

Em nota de repúdio, a Black Bird pediu desculpas aos turistas e exigiu posicionamento da Secretaria de Turismo do Estado de São Paulo e também da Polícia Militar. A nota foi assinada ainda pelas agências de viagens Diaspora.Black, Brafrika Viagem, Bitonga Travel, Rede de Afroturismo, Rota da Liberdade e Sou Mais Carioca.

No percurso, os facilitadores Guilherme Soares Dias e Heitor Salatiel, narram marcos históricos e memórias de personalidades negras da cidade. Desde 2018, quase mil pessoas já participaram da Caminhada, conhecendo e valorizando espaços e memórias da história negra da cidade.

Segundo ele, os policiais chegaram na primeira parada na Praça da Liberdade, região central de São Paulo, dizendo que tinham recebido um ofício de que haveria uma manifestação. Ouviram parte do discurso que contava sobre a história negra do bairro da Liberdade e passaram a monitorar todo o trajeto.

“Perceberam que não fazíamos uma manifestação, nem representávamos perigo, mas decidiram nos coagir durante todo o percurso.Eu fiquei nervoso, esqueci parte das falas, me questionei se estávamos fazendo algo de errado”, afirma Dias.

Ele questionou o porquê da atitude policial, se outros walking tours tradicionais não são monitorados. Os decretos da Prefeitura permitiram reuniões pequenas. Os museus estão abertos, os shoppings e tantos outros lugares de aglomeração também. “Encontramos uma candidata nas eleições fazendo bandeirada e levando muito mais pessoas consigo do que nosso tour. Estávamos todos de máscara, éramos apenas 12, repito, e a céu aberto”, observou

Entraram na Casa Preta Hub, no Anhangabau, e os policiais esperavam do lado de fora. Passaram por dentro do metrô Anhanguabau como estratégia para evitar a “escolta”, pois não poderiam entrar de moto na área atravessada. Mas, ele conta que, por rádio, os policiais de fora se comunicavam com os do metrô.

“Até a cavalaria foi chamada, enquanto recitávamos Carolina Maria de Jesus”, riu o guia turístico. No último ponto, no Largo Paissandu, os organizadores foram abordados novamente com enquadramento policial. Perguntaram da manifestação e exigiram assinatura num documento com RG e nome, ao qual Dias recusou com apoio dos turistas.

“Não dá para achar que isso é normal. Lembra a lei da vadiagem que não permitia que pretos andassem em bando pós-escravidão. Não vão nos criminalizar mais uma vez”, protestou.

A próxima caminhada será nos dias 8 e 20 de novembro.

“Escolta” paga pelo contribuinte

Em entrevista à Rede Brasil Atual, a integrante da Marcha de Mulheres Negras de São Paulo, Maria José Menezes, disse que não se pode ser ingênuo sobre a atitude dos policiais. A ação, segunda ela, foi premeditada, com o intuito de patrulhar e constranger as pessoas. O esforço dispensado na ação, como o tempo gasto pelos policiais, também revela que essa atuação contou com o respaldo do comando da polícia.

“Foi algo muito premeditado. Eles disponibilizaram todo o tempo para patrulhar, vigiar e constranger o grupo de pessoas negras que estavam fazendo o tour pela cidade. É um total desrespeito conosco, com todas as nossas ações. Inclusive com o nosso direito de transitar, nos informar e participar de uma atividade cultural”, denunciou.

Segundo o advogado do programa de Enfrentamento à Violência Institucional da ONG Conectas Direitos Humanos, Henrique Apolinario, um aspecto particular da gravidade do caso é o interesse dos policiais nas mensagens que estariam sendo transmitidas. “Demonstra que a PM se sente em liberdade de monitorar espaços onde ela acha que pode ser criticada. A gente vê isso crescendo em reuniões políticas e também nas redes sociais”, criticou.

Ele orienta que as pessoas que passarem por este tipo de situação devem procurar a Ouvidoria de Polícia e o Ministério Público. Caberá a esses órgãos exigir a apresentação de um relatório da ação policial, bem como monitorar seus eventuais desdobramentos.

Com informações da Rede Brasil Atual

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