A dança e as letras de Paulo Guedes

O governo Bolsonaro vai na contramão da premissa dos investimentos, inclusive com o anunciado fim do auxílio emergencial a partir do próximo ano.

BRASÍLIA,DF,03.04.2019:PAULO-GUEDES-CCJ-REFORMA-PREVIDÊNCIA - O ministro da Economia, Paulo Guedes fala sobre a Reforma da Previdência em reunião da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), nesta quarta-feira (03). (Foto: Fátima Meira/Futura Press/Folhapress)

A afirmação do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que o Brasil vai “dançar com todo mundo” e seguir “trabalhando com todo mundo”, incluindo os Estados Unidos, independentemente do resultado das eleições presidenciais norte-americanas, é mais uma de suas proclamações vazias. Com sua tradicional prática de falar sem dizer nada, o ministro avaliou que a política internacional é uma “festa” à qual o Brasil chegou atrasado – e, por isso, teria de “dançar” com todos.

Segundo ele, a mudança de governo nos Estados Unidos não afeta a “dinâmica de crescimento” do Brasil. Guedes fez as afirmações em um evento de um banco privado, transmitido pela internet, um local apropriado para esse tipo de diagnóstico. Para ele, o Brasil depende de si mesmo para retomar a economia – e não das relações com parceiros comerciais, ou das oscilações no cenário global.

Guedes afirmou também que o Brasil poderá manter alguns dos estímulos dados durante a pandemia para ajudar na retomada do crescimento, citando o exemplo do auxílio emergencial e ressalvando que ele não pode impactar de forma mais permanente a inflação. “Esse esforço de transformar essa recuperação cíclica em uma onda de investimento para sustentar o nosso investimento é que é o nosso principal desafio”, enfatizou.

Esse é o ponto. O ministro aposta que com suas “reformas” o Brasil atrairá uma “avalanche” de investimentos privados, uma promessa antiga que serviu para argumentos a favor da “reforma” da Previdência Social e já havia servido, no governo de Michel Temer, para a “reforma” trabalhista e a Emenda Constitucional do teto dos gastos públicos. Os investimentos não vieram a e recuperação em “V” – a economia cai e sobe rápido, como o desenho da letra –, como prometeu Guedes, tem se mostrado frágil.  

Há, sim, uma recuperação muito rápida, mas ela se deve ao auxílio emergencial. O banco JPMorgan melhorou a projeção de desempenho do Produto Interno Bruto (PIB), mas isso não significa um crescimento sólido. A previsão é de contração de 4,7% e de crescimento de 2,5%, de acordo com relatório divulgado neste sábado. O banco norte-americano também revisou a estimativa para a inflação para 3,4%.

O grande problema é o investimento. Com o Estado imobilizado pela política do governo Bolsonaro chamada por Guedes de “desinvestimento”, não há garantias de que o país possa atrair o capital privado para o setor produtivo na proporção calculada pelo ministro. A “avalanche” dita por ele depende de muitos outros fatores, em especial políticas de Estado que garanta uma retomada do crescimento de forma sustentada.

O desafio para o Brasil é, em certa medida, o mesmo apontado pelo economista Paul Krugman em sua coluna no jornal The New York Times para os Estados Unidos no pós-governo de Donald Trump. De acordo com ele, estimativas razoáveis sugerem que o Estado deve gastar US$ 200 bilhões ou mais a cada mês até que uma vacina ponha fim à pandemia. O governo Bolsonaro vai na contramão dessa premissa, inclusive com o anunciado fim do auxílio emergencial a partir do próximo ano.  

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