A ciência e a mediocridade de Bolsonaro

Precisamos urgentemente de pessoas que compreendam, respeitem e valorizem a ciência

Ilustração: Gilmar Fraga

O caso vem se desenrolando desde a semana passada. Após uma vida inteira ignorando e desrespeitando a ciência, com destaque para os dois últimos anos, quando propalou mentiras e barbaridades sobre a Covid-19 que causaram mortes, conforme indica a CPI da pandemia, e após desprezar a conferência da ONU sobre as mudanças climáticas (COP26), Jair retorna aos holofotes da ciência, mais uma vez de modo vexatório, como não poderia deixar de ser. Definido pelo decreto presidencial No 4.115 como “Grão-Mestre da Ordem Nacional do Mérito Científico”, o mesmo que nomeia o ministro da ciência e tecnologia como “Chanceler” da mesma Ordem, Jair tomou a decisão de condecorar os seus ministros da economia, da educação e das relações exteriores já que, a exemplo dele e do chanceler, fizeram por merecer um lugar na nobreza científica brasileira.  Bem que poderia ter incluído outros nomes, como seus filhos ou algum miliciano do seu círculo mais próximo de amizades. Pois não é para isso que servem as honrarias?

Mas fez pior que isso. A lista incluía diversos cientistas, esses sim merecedores da homenagem, no entanto o Grão-Mestre revogou a homenagem de dois deles por terem cometido o grave erro de serem cientistas e defenderem a verdade e a justiça antes dos interesses ideológicos e equivocados da autoridade maior da Ordem. Diante de tamanha absurda censura, vinte e um cientistas agraciados pela homenagem se recusaram a receber a medalha de mérito. Eis o impasse.

É de se pensar como a sociedade deveria reagir diante de mais essa peripécia presidencial. De fato, o caso pode ser analisado por diversos enfoques, da psiquiatria ao marketing da necropolítica, mas quero destacar um debate muito necessário aos dias atuais, que é o da educação científica. É certo que os tempos são duros, o negacionismo científico é um fenômeno global, e o fascismo campeia pelo mundo. O desafio de lidar com essa realidade reforça o argumento de que ao ensinar ciências precisamos ir muito além de ensinar os produtos da ciência, as ditas ‘verdades científicas’, pois isso parece ser insuficiente tanto para gerar interesse quanto respeito pela ciência. Por outro lado, compreender a forma como se constrói o conhecimento científico é fundamental para que o cidadão desenvolva uma visão adequadamente crítica e complexa das notícias que ouve e lê sobre as descobertas científicas. Não se trata de discorrer sobre os inúmeros métodos usados nas mais distintas áreas da ciência, mas de falar sobre a história, a filosofia e a sociologia da ciência, dessa construção humana cercada de valores e nuances que por vezes limitam o seu avanço, por outras alteram seus caminhos, e modificam as verdades estabelecidas até então.

Nesses quase dois anos de pandemia presenciamos exemplos concretos dos caminhos que a ciência percorre na busca pela solução de um problema, nesse caso uma questão de interesse global. Isso inclui desde as decisões e estratégias de pesquisa assumidas pelos(as) cientistas, até os interesses econômicos e políticos envolvidos, a negação científica, e quem sai beneficiado ou prejudicado pelas decisões tomadas sem respaldo científico.

Não há dúvida de que necessitamos que as pessoas estudem os tais “conteúdos” da ciência, que conheçam as bases científicas que explicam os fenômenos naturais e sociais que regem o mundo. Contudo, também precisamos urgentemente de pessoas que compreendam, respeitem e valorizem a ciência; que questionem avanços científicos e tecnológicos que geram mais desigualdades sociais e destruição ambiental; que não aceitem pseudoverdades científicas veiculadas de modo irresponsável ou até criminoso; que reajam contra os cortes orçamentários que impossibilitam o avanço da ciência no nosso país e nos condenam a ocupar um lugar cada vez mais periférico no mundo; que não aceitem que pessoas absolutamente incompetentes, sem formação técnica e ética minimamente adequadas, sejam nomeadas para cargos estratégicos para o desenvolvimento do país.

Se pudesse dizer algo aos educadores(as), pediria que considerassem dedicar em suas aulas mais tempo ao debate sobre os processos ligados à produção do conhecimento científico, o mundo da ciência e sua importância na sociedade. E se pudesse dizer algo aos estudantes, diria que, a despeito das dificuldades, procurassem aprender o máximo que puderem sobre as ciências, assim como desenvolverem-se enquanto pessoas livres, cultas, emancipadas e solidárias. Diria isso para que não corram o risco de se transformarem em adultos medíocres e infames, tão tolos a ponto de acreditarem que poderão subitamente tornar-se inteligentes e respeitáveis por meio de um reles decreto.

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