Evangélicos progressistas defendem rejeição a André Mendonça no STF

Indicado por Bolsonaro, o pastor presbiteriano poderá ser mais um ministro do STF com perfil reacionário, junto com Kássio Nunes Marques.

André Mendonça, então ministro da Justiça, durante devido no Palácio do Planalto, em Brasília

Uma frente de evangélicos lançou nesta terça (30) carta aberta pedindo que senadores não aprovem o pastor presbiteriano André Mendonça para uma das vagas no STF (Supremo Tribunal Federal), conforme indicação do presidente Bolsonaro. A sabatina está marcada para esta quarta (1º) na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado.

Mendonça é ex-ministro da Justiça e ex-advogado-geral da União de Jair Bolsonaro. No julgamento no STF que tratou da realização de missas, cultos e demais celebrações religiosas durante uma pandemia, ele defendeu as aglomerações sob risco de contaminação.

Carta aberta de Evangélicas e Evangélicos ao Senado Federal

Vimos publicamente com esta carta aberta, entidades evangélicas abaixo subscritas que possuem entre suas finalidades e objetivos essenciais a defesa do estado democrático de direito, da laicidade do estado, do equilíbrio entre os poderes e da independência do Poder Judiciário, e a garantia dos Direitos Humanos, solicitar a rejeição da indicação do senhor André Luiz de Almeida Mendonça ao cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), pelas razões que passam a expor:

Nos termos do Art. 101 da Constituição Federal, cumpre ao Presidente da República indicar integrantes do Supremo Tribunal Federal, que serão por ele nomeados após aprovação por maioria absoluta do Senado Federal. Tal modelo pressupõe a participação dos representantes eleitos pelo povo no sentido de aferir as credenciais do candidato indicado para compor o órgão supremo do Poder Judiciário brasileiro. A sabatina não está circunscrita tão somente à análise formal do perfil moral e do currículo acadêmico e funcional do indicado, mas, sobretudo, aferir a aderência dele aos valores fundantes da Constituição e sua capacidade de portar-se à altura das altas responsabilidades e deveres conferidos pela Carta Magna ao ocupante do cargo de Ministro do STF.

Neste ponto é importante notar que a indicação do Advogado-Geral da União André Mendonça se deu em decorrência de outra circunstância absolutamente estranha aos requisitos da carta constitucional, vinculada a uma particularidade do Presidente da República. Desde o início do processo, o Chefe do Executivo estabeleceu abertamente como requisito essencial ser “terrivelmente evangélico”1. Fato que fica comprovado pela forma como lideranças evangélicas que representam as elites político-econômicas do segmento hegemônico do evangelicalismo vêm deixando claro através de lobby direto e indireto junto ao Presidente da República e aos Senadores e Senadoras da República, como tem sido amplamente noticiado desde as discussões a respeito da indicação para o Supremo Tribunal Federal2.

O fator decisivo para que Mendonça fosse indicado a uma vaga no Supremo Tribunal Federal não decorreu de sua atuação como advogado, membro da Advocacia-Geral da União ou jurista de escol, mas do fato de ser “terrivelmente evangélico”. Tal constatação, apenas para ficar em um exemplo, assenta-se na performance de Mendonça no julgamento sobre a realização de missas, cultos e demais celebrações religiosas durante a pandemia de covid-19, realizada no STF em 07 de abril de 2021. André Mendonça citou a Bíblia para defender a liberação de cultos religiosos na pandemia, à revelia de sua própria tradição teológica que valoriza uma relação individual e subjetiva com Deus em detrimento da mediação “templos feitos por mãos humanas”, conforme confissão primeiro dos pais da igreja e mais tarde dos reformadores.

Nas palavras do próprio João Calvino: “por esta razão São Paulo concluiu que somos templos de Deus, por seu Espírito que habita em nós […]. E o mesmo apóstolo com idêntico sentido algumas vezes nos chama templos de Deus e outras, templos do Espírito Santo” (1967). Em sua fala de 15 minutos em plenário, o então Advogado-Geral da União argumentou que o julgamento no tribunal não seria “discussão política”, mas uma discussão de fé3. Mendonça, inflamado por uma performance pastoral, não se prendeu aos ritos comuns a uma sustentação oral na tribuna do STF. Em suas razões orais, Mendonça serviu-se de três trechos da Bíblia, argumentos de fundo teológico e absolutamente nenhum dispositivo da Constituição. Não poupou esforços para demonstrar ao Presidente da República e toda sua base ideológica e eleitoral que estaria disposto a instrumentalizar sua fé para servir aos interesses políticos do governo federal.

As numerosas referências bíblicas e de agradecimentos públicos aos líderes evangélicos4 revelam que o candidato apresenta uma clara e inequívoca plataforma cujo tipo de engajamento religioso coloca em risco inúmeras conquistas da cidadania brasileira. Não há dúvida de que as possíveis decisões institucionais do postulante, enviesadas por acordos confessionais, teológicos e morais escusos à razão democrática, como demonstra o histórico acima, poderão suscitar um retrocesso importante aos direitos civis e aos valores laicos garantidos na Constituição Federal.

Decerto, a presente carta não trata de mera crítica em torno da posição teológica e/ou ideológica de quem quer que seja, afinal, há (e sempre houve) outras representatividades religiosas presentes no Supremo Tribunal Federal. A pluralidade é sempre um pré-requisito da democracia, quando esta é efetiva e eficiente. No entanto, subvertendo as regras constitucionais, o que se pretende com a indicação de Mendonça é a criação de uma vertente evangélica na composição da Corte a fim de orientar decisões sobre os mais diversos temas, especialmente, as pautas das moralidades, das liberdades individuais, da educação e da segurança pública, no mínimo. Como parte das organizações que subscrevem esta nota são também do mesmo campo religioso do sabatinado, fica claro que não se trata de intolerância ou resistência religiosa à fé ou filiação espiritual de quem quer que valor basilar e central no protestantismo e no constitucionalismo ocidental: a laicidade do Estado, uma conquista dura e longa na tradição democrática ocidental e brasileira.

Ademais, insta salientar que o senhor André Mendonça representa tão somente uma pequena parcela do campo evangélico no Brasil. Uma parcela que não é representativa do ponto de vista da diversidade e pluralidade dos evangélicos e evangélicas de todo o Brasil que é, em sua maioria segundo dados do IBGE, negra, feminina e pobre – características bem distintas do candidato. Além disso, um Ministro “terrivelmente evangélico” não é, de forma alguma, uma característica requerida ou desejada dentro da maior e mais importante corte jurídica do país, que preza pela laicidade e segurança jurídica de seus cidadãos, que poderia ser colocada em risco à luz de um projeto reacionário contra, inclusive, muitos evangélicos e evangélicas que não concordam com esse projeto político-ideológico.

Portanto, a comunidade evangélica brasileira, representada por organizações e pessoas, apoiada por importantes instituições no campo da luta pela Democracia, pelos Direitos Humanos e por um Estado laico subscritas, apelam aos(às) Excelentíssimos(as) Senadores e Senadoras da República para que seja REJEITADA A INDICAÇÃO do Senhor André Luiz de Almeida Mendonça ao cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, uma vez configurados claros desvios dos requisitos constitucionais, dado que a indicação se dá por razões de filiação religiosa, fato admitido tanto pelo Presidente da República5 como pelo indicado, o que viola a garantia fundamental da separação entre Igreja e Estado, ameaça as liberdades públicas laicas e enfraquece os valores constitucionais. Subsidiariamente, pede-se o aprofundamento do debate convocando audiência pública para a ampla discussão com a sociedade civil sobre a indicação e os critérios e circunstâncias descritos.

Assinam:

– ABB (Aliança de Batistas do Brasil)

– Bancada Evangélica Popular

– Casa Galiléia

– Católicas Pelo Direito de Decidir

– Coalizão de Evangélicos Pelo Clima

– Coalizão Evangélica contra Bolsonaro

– Coletivo Abrigo

– Coletivo Esperançar

– Comuna do Reino

– Comunidade Cristã da Zona Leste

– Comunidade Head80

– CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs)

– Cristãos contra o Fascismo

– Evangélicos Pela Justiça

– EIG (Evangélicas Pela Igualdade de Gênero)

– Evangélicxs pela Diversidade

– FEED (Frente de Evangélicos Pelo Estado de Direito)

– Fórum Ecumênico ACT Brasil

– KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço

– Igreja Betesda de São Paulo

– Iniciativa Negra por uma nova política sobre drogas

– Instituto Vladmir Herzog

– Liberta (Movimento de Igrejas Libertárias)

– MNE (Movimento Negro Evangélico)

– MOSMEB (Movimento Social de Mulheres Evangélicas Brasileiras)

– NEPT (Núcleo de Evangélicos e Evangélicas do PT)

– Nós Na Criação

– O Reino em Pessoa

– Paz e Esperança Brasil

– Plataforma Intersecções

– Rede de Mulheres Negras Evangélicas

– Rede FALE

– REJU (Rede Ecumenica de Juventudes)

– Resistência Reformada

– Revista Zelota

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