Pesquisa revela hostilidade sofrida por adolescentes trans na escola

Os principais autores de transfobia são os profissionais de instituições de ensino, mostrando que o bullying não ocorre apenas entre crianças.


O ambiente escolar brasileiro é hostil para crianças e adolescentes trans – e os principais autores de transfobia são os profissionais de instituições de ensino. Essa é uma das conclusões da pesquisa inédita “Vivências reais de crianças e adolescentes transgêneres dentro do sistema educacional brasileiro“, que está sendo lançada em formato de e-book.

Foram entrevistadas 120 pais, mães e responsáveis que reconhecem ter uma criança ou adolescente transgênero, moradores de 62 cidades em 17 estados brasileiros. Entre as pessoas entrevistadas, 77,5% informaram que seus filhos, crianças e adolescentes, entre 5 e 17 anos, já foram vítimas de bullying transfóbico no ambiente escolar.

Entre os adultos autores das violências, que podem ser físicas, verbais, emocionais ou cyberbullying, 65% eram profissionais das instituições de ensino, sendo que 56% deles eram professores.

A pesquisa mostra, ainda, que 24% das famílias mudaram as crianças e adolescentes trans de escola em decorrência de bullying transfóbico sofrido na instituição. Outro dado indica que 98% dos pais, mães ou responsáveis não consideram o ambiente escolar brasileiro seguro para suas crianças e adolescentes trans.

“Os dados obtidos pela pesquisa reforçam o que é sabido entre as mais de 200 famílias que já foram acolhidas: o ambiente escolar brasileiro pode ser de terror para crianças e adolescentes trans”, destaca Thamirys Nunes, da área de proteção e acolhimento a crianças, adolescentes e famílias LGBTI+, e coordenadora da pesquisa.

Segundo ela, os resultados deixam claro que o bullying não é uma ação que ocorre apenas entre crianças e que é preciso a intervenção das instituições e da sociedade para dar fim a este tipo de violência.

“O bullying e a discriminação acabam fazendo com que pessoas trans desistam dos estudos. Não devemos usar o termo evasão, pois não se trata de desistência. Elas são expulsas do ambiente escolar”, observa Thamirys, que é ativista pelos direitos trans infantojuvenis, mãe de uma criança transgênero e autora do livro “Minha Criança Trans: relato de uma mãe ao descobrir que o amor não tem gênero”.

A pesquisa também esclarece um ponto que causa muita controvérsia: a hormonização de crianças. Os textos explicam que terapias hormonais no Brasil só são permitidas a partir dos 16 anos e cirurgias para afirmação de gênero somente a partir dos 18 anos. Terapias para bloqueio puberal, a fim de evitar o desenvolvimento de caracteres de gênero (pelos faciais e engrossamento da voz em meninas trans e crescimento de mamas e menstruação em meninos trans) só são realizadas em ambulatórios especializados do SUS (Sistema Único de Saúde) e seguindo protocolos de pesquisa, com rigoroso acompanhamento de equipe multidisciplinar. Para crianças e adolescentes, esse bloqueio só é realizado em duas unidades no país.

O estudo foi realizado com apoio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS).

A pesquisa foi realizada pela coordenação nacional da área de proteção e acolhimento a crianças, adolescentes e famílias LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis, Intersexo e outros) do Grupo Dignidade, ONG que atua há mais de 30 anos na promoção dos direitos da população LGBTI+.

Repercussão

Fundador e atual diretor executivo do Grupo Dignidade, Toni Reis destaca a importância do estudo. “Somente por meio da ciência, com trabalhos como este, é que conheceremos a verdade e a verdade nos libertará dos preconceitos foscos e muitas vezes discriminatórios que ocorrem com as crianças e adolescentes trans”, afirma.

“Os resultados da pesquisa corroboram nossos 30 anos de ativismo e militância LGBTI+, mostrando, nos retratos das realidades vividas e vivenciadas, a dificuldade da aceitação, o bullying na escola, o isolamento social por ser diferente do convencionalmente esperado.”

Claudia Velasquez, Diretora e Representante do UNAIDS no Brasil, destaca a relevância do estudo para identificar como o estigma e a discriminação têm impacto direto em um momento fundamental de formação das crianças e adolescentes trans.

“O ambiente escolar deveria ser um espaço de acolhimento, de segurança e de aprendizagem da convivência com a diversidade. É muito importante que profisisonais de educação e equipes de administração escolar conheçam esta pesquisa, reflitam sobre os dados apresentados e busquem implementar políticas que combatam qualquer tipo de discriminação e estigma contra as criancas e adolescentes trans pelas quais são responsáveis”, reforça.

“A escola é considerada um território sagrado para a UNESCO e deve ser sempre um espaço de inclusão, plural e aberto para a diversidade e o respeito a todos os estudantes. Nossa expectativa é que, conhecendo esses dados, possamos contribuir para a construção de programas e políticas que tornem a escola mais inclusiva e contribuam para acabar com o preconceito e a discriminação”, afirma a diretora e representante da UNESCO no Brasil, Marlova Jovchelovitch Noleto.

Ações propostas:

Trazer a colaboração de profissionais das áreas de educação, psiquiatria, psicologia, direito e pediatria, que analisam os achados e sugerem ações para o combate à discriminação às pessoas transgêneras no ambiente escolar;

Formação contínua da equipe docente e administrativa sobre diversidade sexual e de gênero, o respeito e facilidade de adoção do nome social em ambiente escolar;

Garantia de uso de dependências como banheiros e vestiários de acordo com o gênero de identificação dos estudantes, contratação de profissionais da população LGBTI+ para assegurar diversidade e representatividade nas instituições, entre outras medidas.

Acesse a pesquisa completa clicando aqui.

Autor