TSE deve avaliar apropriação eleitoral do 7 de Setembro por Bolsonaro

Jurista e lideranças políticas questionam discursos do presidente, pedindo voto, e visibilidade eleitoral desigual durante o evento cívico.

Bolsonaro participa do Desfile cívico-militar de 7 de Setembro de 2022 e comemoração do Bicentenário da Independência do Brasil. Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Lideranças intelectuais e políticas questionaram o modo como o presidente Jair Bolsonaro transformou a comemoração do 7 de Setembro em oportunidade de palanque político, colocando a serviço de sua campanha TV Brasil, Forças Armadas, desfiles e palanques. Além de pedir voto, ele aproveitou para mais uma vez atacar a democracia e o sistema democrático, além de desequilibrar o poder econômico entre as campanhas.

Este ano, ao contrário de outros desfiles da Independência, os chefes dos poderes Legislativo e Judiciário, até mesmo Arthur Lyra, presidente da Câmara dos Deputados e aliado de Bolsonaro, não compareceram ao evento. Interpreta-se estas ausências como cautela para não se envolver em eventuais misturas entre questões públicas e privadas, questões de estado e questões eleitorais.

A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) criticou o fato deo presidente ter transformado uma data cívica em comício. “Pedindo voto e mentindo. Mais uma vez mostra que não faz ideia de seu papel como chefe de estado. O governo do dinheiro vivo, do ódio, das armas”, indignou-se.

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A presidenta nacional do PT e coordenadora da campanha de Lula-Alckmin, Gleisi Hoffmann falou em “apropriação indébita” do Bicentenário da Independência do Brasil. “Ele roubou do povo a comemoração para fazer sua campanha. Apequenou o 7 de setembro. Usou um palanque para se auto elogiar e atacar Lula. Desprezível, quis se colocar acima do país!”

O candidato e ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, já havia sinalizado no dia anterior que Bolsonaro estaria usurpando o 7 de setembro para algo pessoal. “Ele poderia ter tido a grandeza de fazer uma festa para o povo brasileiro. Mas não, tomou para benefício dele”.

Até o jornalista Reinaldo Azevedo, opositor de Lula, criticou a desigualdade de condições dos candidatos. “Transmitir ininterruptamente os ‘atos’ de 7 de Setembro corresponde a abrir espaço para a campanha eleitoral de Bolsonaro. E os outros?” 

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Para ele, a transmissão ao vivo dos atos golpistas maximiza alcance da agressão de Bolsonaro às instituições e cria um fator de desequilíbrio na cobertura, referindo-se principalmente à Agência Brasil e à rádio Jovem Pan. “Se Lula ou outro discursarem no dia 10, terão igual privilégio, ou isso é só para quem prega golpe de estado?”

Jornalistas também questionaram a exposição de Bolsonaro como candidato à reeleição, em detrimento dos adversários. Bolsonaro estaria se aproveitando da mídia e da cobertura do 7 de setembro para se promover eleitoralmente. 

“A vontade do povo se fará presente no próximo dia dois de outubro. Vamos todos votar, vamos convencer aqueles que pensam diferente de nós, vamos convencê-los do que é melhor para o nosso Brasil. Podemos fazer várias comparações, até entre as primeiras-damas”, disse o candidato, em referência direta e inadequada ao processo eleitoral.

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Opinião de jurista

Esta também é a análise do ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Carlos Ayres Britto, em entrevista ao UOL. Na opinião do jurista, o discurso de Bolsonaro e até mesmo o da primeira-dama, Michelle, ferem a Constituição. “Não há chefe da nação. A nação é que é chefe de todo mundo”, afirmou Ayres Britto. 

Embora o evento do Bicentenário da Independência seja de interesse de toda a nação, independente de opções ideológicas, durante o discurso, Bolsonaro voltou a fazer referência às eleições como uma “luta do bem contra o mal”. Estimulado pelo presidente, após sua fala, apoiadores gritaram ataques baixos ao candidato adversário.

“Há indícios de que o presidente se apropriou do 7 de setembro para fins eleitorais”. “Ele falou do dia 2 de outubro ao final do discurso. ‘Até a vitória’, ele afirmou. O que configura um pedido de voto. Não se pode tapar o sol com a peneira”, disse Ayres Britto, falando em falta de “paridade de armas”. 

“O TSE vai ter que apreciar e usar de isenção, de tecnicidade no equacionamento jurídico desse caso. Comprovar se configura um ilícito eleitoral”, defendeu o jurista. 

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Ao citar o STF (Supremo Tribunal Federal), Bolsonaro não emendou em críticas aos ministros, mas sugeriu crítica ao dizer que “todos sabem” o papel da Corte atualmente. “Tenho certeza, nessa Esplanada, aqui a origem das leis que mudam o nosso país, muito feliz em ter ajudado chegar até vocês a verdade. Também ter mostrado para vocês que o conhecimento também liberta. Hoje, todos sabem quem é o Poder Executivo, todos sabem o que é Câmara dos Deputados, todos sabem o que é o Senado Federal, e também todos sabem o que é o Supremo Tribunal Federal”, disse, fazendo uma pausa para que os apoiadores vaiassem cada uma das instituições.

Ayres Britto também criticou o modo como a primeira-dama, Michelle, mistura política com religião, numa afronta à Constituição. “No artigo 19, a Constituição proíbe aliança com religião. Princípio da laicidade. O discurso da primeira-dama foi um discurso confessional. É preciso que o Tribunal Superior Eleitoral analise com bastante critério tudo isso”.

“O que está em jogo é nossa liberdade, é o nosso futuro, e a população sabe que ela que nos dá um norte para nossas decisões”, declarou o presidente, mais uma vez fazendo referência eleitoral. “Todos do Brasil, compareçam às ruas de verde e amarelo para festejar a terra onde vivemos —uma terra prometida, aqui é um grande paraíso, ninguém tem o que temos”, completou o presidente, utilizando-se da transmissão oficial da TV Brasil.

O uso da TV pública pelo presidente já foi contestado por parlamentares de oposição, que argumentam que ele estaria usando uma estrutura pública em benefício próprio.