Perseguição judicial pode impulsionar ainda mais Cristina Kirshner na Argentina

O lawfare poderá ter efeito parecido com a condenação de Lula, que acabou dando visibilidade internacional ao caso, além de abrir uma disputa sobre a legitimidade dos processos contra ela.

Cristina Kirshner em Puerto Madero, em 2007 Foto: Presidencia de la Nación Argentina

Enquanto Pedro Castillo era destituído da Presidência do Peru, a cientista política Ana Prestes comentou, nesta tarde, a intensificação do golpismo judicial no continente, expresso também na condenação da vice-presidenta da Argentina, Cristina Kirshner. “Há anos, vem se aprofundando na América Latina esse tipo de disputa política através do palco do Poder Judiciário”, resume ela. A perseguição judicial, conhecida conceitualmente como lawfare, já atingiu presidentes do Paraguai, do Brasil, do Equador e da Bolívia, para citar os casos mais importantes.

A condenação foi declarada nesta terça-feira (6), quando a liderança de esquerda foi considerada culpada de administração fraudulenta na ação que ficou conhecida como “Causa Vialidad”, a que estava em estágio mais avançado entre as que a envolvem. Ainda cabe recurso à decisão.

A pena foi fixada em 6 anos de prisão, com inabilitação perpétua para exercer cargos públicos. Ela foi inocentada do delito de associação criminosa, mas é alvo de inúmeros processos. A acusação atual se refere ainda ao mandato de seu marido e antecessor, Néstor (1950-2010), que também foi governador de Santa Cruz.

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Como tem foro especial por ser vice-presidenta e líder do Senado, ela precisaria sofrer um processo de impeachment no Parlamento. Isto, no entanto, só pode ocorrer quando forem esgotadas todas as instâncias de apelação. Antes de tudo isso, Cristina pode até ser candidata a sucessão de Alberto Fernández, embora tenha negado, hoje.

Mas, Ana diz que, o que vem se sucedendo em relação a Cristina, tende a ser visto por analistas como um tiro no pé do macrismo, o governo neoliberal de Maurício Macri que antecedeu o atual governo de esquerda. A condenação chega no momento em que ela ainda usufrui da solidariedade popular pela tentativa de assassinato, em setembro.

Ainda nesta terça, apoiadores se uniram em defesa dela na frente do tribunal de Comodoro Py, embora a sessão tenha sido remota.

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Espírito lavajatista

Não é possível deslocar da política argentina uma liderança da dimensão de Cristina, depois desses fatos ocorridos, acredita a socióloga. “Muitos dizem que essa situação, inclusive, favorece e fortalece Cristina. As eleições de 2023 podem vir a refletir esse processo”.

Toda essa perseguição judicial poderá ter efeito parecido com a condenação do presidente Lula. Na opinião dela, a prisão acabou dando enorme visibilidade internacional ao caso, além de abrir toda uma disputa no país sobre a legitimidade dos processos contra ele.

Ela pondera que esta condenação não encerra uma etapa, como quer fazer crer a oposição ao governo, “mas começa toda uma ebulição política, que se acirrará em 2023”.

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Ana considera que o clima é de muita conflagração na Argentina. Especialmente, com os flagrantes de juízes e promotores se reunindo em festas, restaurantes e viagens com empresários e apoiadores macristas. “Cristina faz essa denúncia e desafia esse estado de coisas”, observa.

Ela compara a situação dos argentinos como o início de um clima encerrado no Brasil, com a debacle da Operação Lava Jato e seu lawfare contra o petismo no Brasil. Os argentinos sentem por lá, o “espírito lavajatista do tempo”, que os brasileiros sentiram por aqui. “Uma instrumentalização do judiciário para realização de disputas políticas”.

Máfia judicial

A vice-presidenta define ontem os que a condenaram como “um estado paralelo e uma máfia judicial”, mais que um lawfare. “E a confirmação da existência de um sistema paraestatal onde são tomadas decisões sobre a vida, o patrimônio e a liberdade dos argentinos, que está fora dos resultados eleitorais”.

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Cristina Kirchner também fez referência a um vazamento ilegal de supostas mensagens privadas trocadas em um grupo na plataforma Telegram por quatro juízes, um promotor, o ministro da Justiça da cidade de Buenos Aires e diretores do Grupo Clarín que compartilharam, em outubro, uma viagem a casa de campo do empresário britânico Joe Lewis, na Patagônia. 

Ela também faz as ligações entre esses e outros altos-funcionários do Judiciário que também frequentam a fazenda do ex-presidente e adversário Mauricio Macri, em Liverpool. De quebra, suspeita da grande imprensa argentina, por participar desses convescotes da elite que a condena.

“Este é o país que temos hoje e este é o Poder Judiciário que a República Argentina tem hoje”, disse Cristina Kirchner.

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