Polícia Federal abre inquérito para investigar crime de genocídio contra povo Yanomami
Ministro Flávio Dino afirma que investigação da PF vai atingir vários níveis. Segundo ele, o governo Bolsonaro praticou o desmonte dos órgãos de fiscalização e saúde na região.
Publicado 25/01/2023 16:28 | Editado 26/01/2023 13:11
A Polícia Federal abriu, nesta quarta-feira (25), inquérito para apurar a ocorrência de crime de genocídio, omissão de socorro e desvio de recursos que seriam destinados ao povo Yanomami. A abertura do processo foi solicitada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino.
O ministro recebeu relatório do Ministério dos Povos Indígenas que aponta a ligação direta do avanço do garimpo na região nas mortes de 99 crianças (de 1 a 4 anos de idade) que foram contaminadas por mercúrio. Doenças como desnutrição, diarreia e malária foram registradas nos atestados de óbito de 570 crianças. Somente em 2022 foram apresentados 11.530 casos de malária no Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami.
Ao acompanhar o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em visita à comunidade no ultimo domingo, o ministro da Justiça disse não ter dúvida de que há indícios de crime de genocídio. Esse crime se caracteriza pelo extermínio sistemático, deliberado ou parcial, de um grupo étnico e da tentativa de destruição de sua cultura.
“Não tenho nenhuma dúvida técnica de que há indícios fortíssimos de materialidade do crime de genocídio. Genocídio não é só matar. Violar a integridade física e mental também é uma forma de genocídio”, afirmou o ministro.
Em ofício enviado à Polícia Federal, o ministro Flávio Dino aponta que o governo do ex-presidente Bolsonaro praticou o desmonte dos órgãos de fiscalização na região. “Mortes por desnutrição ou por doenças tratáveis, pouco ou nenhum acesso aos serviços de saúde, medidas insuficientes para a proteção dos ianomâmis, além do desvio na compra de medicamentos e de vacinas destinadas à proteção desse povo contra a Covid-19, conduzem a um cenário de possível desmonte intencional contra os indígenas ou genocídio”, diz o documento assinado por Flávio Dino.
A Lei nº 2.889, de 1 de outubro de 1956, define e pune o crime de genocídio que tem “a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso”.
Em reportagem publicada no jornal O Globo, nesta quarta-feira (25), juristas avaliaram que para pessoas sejam julgadas por crime de genocídio, será preciso confirmar que houve dolo. Os especialistas explicam que a tipificação penal só será concreta se ficar provado que houve uma atuação deliberada para que a situação chegasse a esse ponto, inclusive por omissão, disseram.
Segundo a reportagem, “para que exista condenação por extermínio, investigações precisarão mostrar que houve intenção ou omissão direta para se chegar à situação de crise humanitária.”
“A polícia terá que apurar quem era responsável por cada ato que tenha resultado na crise humanitária, numa investigação que pode começar em funcionários que atuavam dentro da terra indígena e chegar até ao ex-presidente Jair Bolsonaro”, aponta O Globo.
O Código Penal também prevê que qualquer crime possa ser cometido por omissão. “Nesse caso, então, é necessário apurar se a omissão foi de fato relevante para o resultado de crise humanitária”, aponta o jurista Matheus Falivene, doutor em Direito Penal pela USP.
Durante entrevista coletiva no Palácio da Justiça, em Brasília, na segunda-feira (23), o ministro da Justiça esclareceu que a investigação pretende atingir vários níveis de poderes. “Não existem zonas de perseguição ou de imunidade. Eu determino investigação de fatos e não de pessoas”, disse o ministro.
Assim, ele citou que podem ser investigados desde dirigentes de saúde indígena a ex-presidentes de órgãos como a Funai. Ou, ainda, agentes públicos de alto escalão e ex-ministros, por exemplo.
“Quem definirá isso será a Polícia Federal, mas os fatos mostram que houve omissão da alta administração federal”, garantiu o ministro.
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Omissão
Quando veio a tona informações sobre a crise humanitária nas terras Yanomamis, o governo Lula dispensou 43 militares da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Ainda na segunda-feira, o ministro disse que os principais responsáveis pelo drama humanitário vivido pela população Yanomami, na região, são o garimpo ilegal e a retração de ações de saúde.
Com isso, ele reafirmou que é preciso combater fortemente o crime organizado na região. Segundo Dino, o garimpo ilegal causa violação grave de direitos humanos, poluição dos rios e nega o acesso dos povos originários a fontes naturais de alimento.
“Precisamos investigar a fundo a ação do garimpo ilegal na região e, também, essa retração nos serviços oferecidos pela Saúde. Alguém mandou isso ocorrer? Foi uma medida intencional? Ou se trata de negligência, imperícia ou imprudência?”, questionou Flávio Dino.
Em outra publicação em seu perfil no Twitter, o ministro declarou que para além da imediata ajuda humanitária e da retirada dos invasores garimpeiros nas terras indígenas, é urgente que a sociedade e os setores público e privado se perguntem quem está comprando o ouro e todos os produtos da floresta extraídos ilegalmente”.
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