Combate à corrupção sofreu “desmanche sem precedentes” sob Bolsonaro

Transparência Internacional acusa Governo Bolsonaro de dificultar investigação e institucionalizar corrupção com orçamento secreto

Bolsonaro e o ex-juiz da Lava Jato, Sérgio Moro, aliados no mesmo governo acusado de "desmanche sem precedentes" do combate à corrupção.

O Índice de Percepção da Corrupção divulgado pela Transparência Internacional, nesta terça-feira (31), revela que os marcos legais e institucionais de combate a corrupção sofreram um “desmantelamento sem precedentes” sob o governo de Jair Bolsonaro (PL).

Segundo a organização não governamental, o mandato de Bolsonaro (2019-2022) foi marcado “pelo uso de esquemas corruptos para favorecer aliados políticos e acumular apoio político na legislatura, por desinformação e ataques ao espaço cívico”. O orçamento secreto seria o “maior esquema de corrupção institucionalizada conhecido no Brasil” e o governo Bolsonaro responsável pela “degradação sem precedentes do regime democrático” do país nos últimos quatro anos.

“Apesar das repetidas alegações de que conduzia um governo livre de corrupção, o ex-presidente Jair Bolsonaro, ministros de seu gabinete, aliados e até familiares foram sujeitos a investigações de corrupção”, menciona o texto. Para a entidade, Bolsonaro utilizou o mandato, desde o primeiro dia de governo, para se blindar e blindar a família de investigações sobre denúncias de corrupção “fartamente comprovadas”.

Como se não bastasse, a avaliação atribui ao governo de extrema direita a criação do “maior esquema de corrupção institucionalizada conhecido no Brasil, o orçamento secreto”, com o qual “milhões de reais foram destinados a favorecer aliados políticos, com sérios impactos nas políticas de saúde, educação e infraestrutura”.

Destaque mundial e estagnação

O índice apontado pela ONG situa o Brasil em patamares de corrupção acima da média dos próprios vizinhos e do resto do mundo. Com um índice de 38 – a ONG usa uma escala de 0 (muito corrupto) a 100 (sem corrupção) – o Brasil ficou em 94° lugar no ranking de 180 países e indica estar estagnado no combate à corrupção.

A média na América Latina e também mundial é de 43. O país repetiu a pontuação da escala de 2021, a terceira pior nota da série histórica, e de 2020. Até 2015, a percepção internacional coloca o Brasil na 69a. posição. 

O relatório com dados de 2022, também elenca as dificuldades criadas contra a imprensa e o acesso do jornalismo a dados oficiais para impedir a fiscalização sobre o governo. A Transparência Internacional acusa “intimidação, difamação, notícias falsas e ataques diretos contra organizações da sociedade civil, jornalistas e ativistas”.

A Dinamarca obteve uma pontuação de 90, acima dos 88 do ano passado, o que coloca o país no topo do ranking. A escala mostra que mais de dois terços dos países avaliados tiveram uma nota abaixo de 50 conforme o avanço da pandemia, da guerra e do aquecimento global. Entre os países com pior desempenho no ranking, estão Venezuela (14 pontos), Sudão do Sul e Síria (13), e Somália (12).

O papel de Aras

A “peça central”, de acordo com a Transparência, foi a indicação de Augusto Aras para o cargo de procurador-geral da República, que “não apenas desarticulou o enfrentamento à macrocorrupção, mas foi também responsável por uma retração histórica nas funções de controle constitucional dos atos do governo”.

“Muito mais do que frear processos específicos, ele [Bolsonaro] neutralizou o sistema de freios e contrapesos da democracia brasileira, desmontando os três pilares que o sustentam: jurídico, político e social. Com isto, sua blindagem foi muito além da delinquência passada. Ele garantiu impunidade para cometer novos e muito mais graves crimes”, diz o documento.

O documento aponta que o estímulo à corrupção afeta o sentido de democracia de um país e também favorece o recrudescimento da violência. Ele lembra que, frequentemente, o crime organizado se aproveita do clima de corrupção para comprar a conivência de agentes públicos para seus crimes com propina. Essa violência se volta justamente contra as classes médias, populações vulneráveis e o meio ambiente. 

Governo Lula

A Transparência Internacional apela ao governo Lula para que encontre formas de “abordar os atuais obstáculos à luta contra a corrupção”. A ONG aponta que foi “durante as gestões de Lula e da sua sucessora, Dilma Rousseff, que o Brasil fez progressos significativos no combate à corrupção”.

Entre as propostas feitas ao novo governo, as principais apontadas pela Transparência Brasil já foram anunciadas, desde o governo de Transição, no final do ano passado:

Devolver a autonomia a instituições como a Polícia Federal, Receita Federal e a Controladoria Geral da República (CGU);

Respeitar a lista tríplice para a indicação do próximo procurador-geral da República;

Não fazer uso de mecanismos como o “orçamento secreto”;

Respeitar a Lei de Acesso à Informação, reavaliando sigilos indevidos impostos pela administração de Jair Bolsonaro;

Remover do cargo funcionários de alto escalão do governo que estejam sob investigação ou processados por corrupção e delitos relacionados;

Fortalecer estruturas de investigação de crimes ambientais.

“Ao adotar padrões transparentes e éticos, e ao reabrir o governo para a participação e escrutínio social, o novo governo poderá ter um impacto positivo na região e além dela, especialmente no Sul Global”, diz o texto.