Biden quer aumentar endividamento e o mundo teme calote dos EUA

Um calote seria catastrófico para a economia dos EUA, mas o impasse político persiste com os republicanos tomando os trabalhadores como refém.

A cultura do endividamento nos EUA não vem de baixo, mas é um exemplo dado pelo próprio governo. A bolha imobiliária que explodiu em 2007 mostrou como os americanos dão uma dívida como hipoteca para emprestar mais. O mesmo ocorre com o governo dos EUA, sem que se saiba quando o calote virá, sem que o mercado cobre ajuste fiscal de um país tão rico.

Os Estados Unidos atingiram seu limite de endividamento em 19 de janeiro. Desde então, o Tesouro dos EUA implementou uma série de medidas para evitar um calote, mas é apenas uma questão de dias, ou semanas no máximo, antes que elas se esgotem e o governo dos EUA não consiga pagar o que deve. Todos tratam essa possibilidade como um problema político e não financeiro, sempre acreditando que os americanos vão emprestar mais para pagar o que devem.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o presidente republicano da Câmara dos Representantes dos EUA que estavam otimistas na semana passada já estão se reunindo de novo, nesta segunda-feira (22), após a viagem ao G7. Era para a Casa Branca entrar em acordo com os republicanos neste final de semana, mas as conversas azedaram.

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Tanto Biden quanto Kevin McCarthy tentam avançar nas negociações para aumentar o teto da dívida de US$ 31,4 trilhões do país, que tem sido objeto de um impasse de meses. O Tesouro dos EUA fica sem dinheiro para pagar as contas do governo já em 1º de junho.

“Vamos nos unir porque não há alternativa”, disse Biden a repórteres na Casa Branca. “Para ser claro, esta negociação é sobre os contornos do orçamento, não sobre se vamos ou não [pagar nossas dívidas]”, acrescentou Biden. “Todos os líderes [do Congresso] concordaram: não vamos inadimplir.”

Agora, a maioria republicana que controla a Câmara por 222 a 213, insiste que os democratas concordem com cortes de gastos para os níveis do ano fiscal anterior. O acordo aumentaria o limite de dívida auto-imposto do Congresso, uma medida utilizada regularmente, já que o governo gasta mais do que arrecada em impostos.

Reféns de republicanos no Capitólio

Com isso, a maioria de oposição aproveita a pressão sobre a dívida para aplicar seus pacotes de maldades contra o trabalhador americano. Enquanto os democratas brigam para aprovar programas e benefícios sociais, os republicanos aproveitam o novo cenário para exigir mais dos trabalhadores para que mereçam tais benefícios.

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A última proposta da Casa Branca manteria os gastos militares e outros – que incluem educação, pesquisa científica e proteção ambiental – constantes do atual ano fiscal para o próximo. Os republicanos insistem que os gastos gerais discricionários caiam, pois ainda preferem os gastos militares.

A Casa Branca havia anunciado anteriormente que Biden estava encurtando sua viagem ao G7 em Hiroshima – incluindo o cancelamento de uma visita à Austrália para se encontrar com o grupo Quad de aliados da Ásia-Pacífico – devido ao impasse.

Os progressistas têm pressionado o presidente a considerar a possibilidade de invocar uma cláusula na 14ª Emenda que obrigaria o governo a continuar emitindo novas dívidas caso ficasse sem dinheiro. Mas Biden tem sido abertamente cético de que a medida funcionaria.

“Estou analisando a 14ª Emenda, se temos ou não autoridade”, disse ele durante uma coletiva de imprensa com repórteres em Hiroshima, Japão, no fim de semana. “Acho que temos autoridade. A questão é: poderia ser feito e invocado a tempo que não poderia – não seria apelado e, como consequência, passaria da data em questão e ainda não pagaria a dívida.” Depois que os negociadores entram em acordo, levará tempo para traduzi-lo em texto legislativo.

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Os democratas acusaram os republicanos de fazer reféns, mas é sabido que o Congresso sempre usou prazos de teto da dívida para chegar a acordos orçamentários no passado.

O plano republicano não especifica quais gastos seriam cortados, mas algumas figuras do partido disseram que protegeriam programas militares e de veteranos. Os democratas disseram que isso forçaria cortes médios de 22% em programas domésticos como educação e aplicação da lei, um número que os principais republicanos não contestaram.

Biden propôs aumentar os impostos dos ricos para reduzir os déficits orçamentários, mas os democratas do Senado não apresentaram uma proposta própria.

A Câmara chegou a aprovar um projeto de lei que concordava em aumentar o teto da dívida em US$ 1,5 trilhão em troca de US$ 4,5 trilhões em cortes de gastos para programas como saúde para comunidades de baixa renda, energia renovável e transporte.

O projeto de lei é considerado morto ao chegar ao Senado dos Estados Unidos controlado pelos democratas, e Biden afirmou que o vetaria. Mas sua aprovação na Câmara é considerada uma vitória para McCarthy, que desde então pediu aos democratas que “façam seu trabalho” para aprovar o projeto e evitar um calote.

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“O presidente Biden nunca forçará as famílias de classe média e trabalhadora a arcar com o ônus dos cortes de impostos para os mais ricos, como faz este projeto de lei. O presidente deixou claro que este projeto de lei não tem chance de se tornar lei”, disse a secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, em comunicado após a votação.

E se…?

Especialistas alertam para um cenário ‘cataclísmico’ se a maior economia do mundo não cumprir suas obrigações de dívida, um evento sem precedentes. 

Especialistas alertaram que uma possível inadimplência teria impactos terríveis na economia dos Estados Unidos: poderia fazer com que a classificação de crédito dos Estados Unidos caísse, levando a taxas de juros mais altas e a uma possível recessão.

“Temos cerca de um mês até que os EUA deixem de pagar sua dívida. Sejamos claros – isso não é um novo gasto”, twittou o senador da Virgínia Mark Warner. “Trata-se de pagar contas que já contraímos. Não podemos desencadear uma catástrofe econômica sobre o povo americano”.

O economista-chefe da Moody’s, Mark Zandi, disse a um painel do Senado dos EUA que o plano republicano “aumentará significativamente” as chances de recessão ao reduzir o emprego, desacelerar o crescimento econômico e “aumentar significativamente” a probabilidade de uma recessão.

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Zandi disse ao Comitê de Orçamento do Senado que o crescimento do PIB dos EUA seria de 1,61% em 2024 se o plano republicano fosse aprovado, em comparação com 2,23% de outra forma, e levaria a 790.000 empregos a menos.

O impasse já está assustando os investidores: na quinta-feira, o governo federal pagou os juros mais altos de todos os tempos por uma emissão de dívida de um mês. Os investidores elevaram os rendimentos de até US$ 650 bilhões em títulos do Tesouro a níveis recordes.

Isso exigiria que o governo dedicasse uma parcela crescente das receitas ao pagamento de juros de sua dívida, em vez de usos mais produtivos, sem ação para reduzir os déficits orçamentários anuais.

No pior cenário, os EUA entram em moratória. Tal situação seria “um cenário cataclísmico” e seria seguida por uma recessão da ordem da crise financeira de 2008, dizem economistas.

Nesse cenário, o governo federal teria que cortar imediatamente seus gastos. À medida que esses cortes avançassem na economia, o impacto no crescimento seria esmagador, como avaliam agências de risco.

Além disso, os mercados financeiros estariam em turbulência, as taxas de juros subiriam ainda mais e a força do dólar cairia.

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Se o impasse político se prolongar, as taxas de juros subirão ainda mais, dissuadindo as pessoas de tomar empréstimos ou investir. Isso ecoaria por todo o mundo.

Mesmo que os EUA não cumprissem suas obrigações por apenas alguns dias, ainda haveria consequências para a economia pela quebra de confiança.

As taxas de juros dos títulos e títulos do Tesouro vão subir e isso acabará levando a uma carga tributária maior para os americanos.

Também pode alimentar pedidos de alternativas ao dólar americano, que há décadas é a moeda sem paralelo nas finanças internacionais. Isso já vem ocorrendo por outros motivos, o que se torna um agravante para o dólar.

Qualquer rebaixamento desencadearia uma cascata de implicações de crédito e rebaixamentos da dívida de muitas outras instituições financeiras, corporações não financeiras, municípios, provedores de infraestrutura , transações financeiras estruturadas e outros emissores de dívida, alertou a Moody’s.

Com informações de agências internacionais

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