Lula fez dez propostas em cúpula da América do Sul

Lula propõe a criação de moeda comum para a região, seguindo a tendência internacional das contestações da hegemonia do dólar nas transações financeiras globais

Brasília (DF) 30/05/2023 O presidente Lula, com Fernandez (Argentina), e Boric (Chile) à esquerda, e Arce (Bolívia) e Petro (Colômbia) à direita, no palácio do Itamaraty. Foto Rafa Neddermeyer/ Agência Brasil

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva propôs nesta terça-feira (30), na cúpula de países sul-americanos promovida pelo Brasil, a criação de uma moeda comum para fins comerciais entre os 12 países da região. A proposta faz parte de uma série de dez medidas sugeridas pelo presidente para impulsionar a integração regional.

Antes de sugerir as medidas, o presidente deixou claro que as iniciativas eram apenas sugestões e que os temas ainda seriam discutidos ao longo do dia pelos mandatários sul-americanos. Entre as questões para análise, estão medidas para ampliar a integração dos países da região na área energética, em acordos comerciais e na mobilidade de estudantes e pesquisadores.

Segundo o brasileiro, a iniciativa de uma moeda comum seria uma forma de aprofundar a identidade sul-americana na área monetária. A proposta de Lula não é trocar o real ou as moedas nacionais dos demais países, de uso corrente pela população, mas instituir uma apenas para pagamentos de importações e exportações.

Leia também: Brasil reúne 12 governos sul-americanos, após oito anos de isolamento

Lula já afirmou que “sonha” com a criação de uma moeda para fins de comércio exterior como o euro, da União Europeia, pelos países dos BRICS. Além disso, os bancos centrais de Brasil e China começaram a cooperar, neste ano, para que o comércio e investimentos entre ambos sejam feitos driblando o uso do dólar. Através de casas de compensação, a conversão seria feita direto do real para o yuan, sem necessidade de fazer a troca das divisas pelo dinheiro norte-americano.

“Nenhum país poderá enfrentar isoladamente as ameaças sistêmicas da atualidade. É apenas atuando unidos que conseguiremos superá-las. Nossa região possui trunfos sólidos para fazer face a esse mundo em transição. O PIB somado de nossos países neste ano deverá chegar a 4 trilhões de dólares. Juntos somos a quinta economia global”, destacou Lula.

A ideia vem sendo discutida pela escassez de dólar e impactos no comércio da política monetária de parceiros comerciais importantes, como a Argentina. Desde janeiro, o presidente argentino, Alberto Fernández, discute com Lula a questão.

Os dois países já estabeleceram bases para transações assim no passado, mas o mecanismo não vingou. Os bancos centrais argentino e brasileiro assinaram um convênio para criar o sistema de pagamentos em moeda local em 2008.

Leia também: A polêmica sobre a Venezuela e o lugar do Brasil no mundo multipolar

A proposta faz parte de uma oportunidade que surge da geopolítica internacional. Desde a crise imobiliária nos EUA, em 2008, vários países começam a discutir a hegemonia do dólar na economia internacional, algo que se acentua com a guerra na Ucrânia.

Em recentes viagens à cúpula do G-7, no Japão, e à China, Lula discutiu o tema. O tema é delicado pelo modo como confronta Washington, e encontra eco em Pequim e Moscou. Além disso, Lula disse que espera ver essa discussão avançar no Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), instituição financeira presidida por Dilma Rousseff.

Integração regional

A retomada da Unasul (União das Nações Sul-Americanas), como mecanismo de diálogo, também foi proposta por Lula. Desta vez, a regra de decisões tomadas em consenso, deve ser flexibilizada, para que possam avançar por meio de maioria de votos.

Com isso, Lula sugeriu indicação de um representante presidencial de confiança para formar um comitê de diálogo a fim de tomarem decisões, no prazo de 120 dias, a respeito das propostas discutidas nesta terça-feira. Chamado de Grupo de Alto Nível, essa comissão de assessores presidenciais deverá apresentar um desenho institucional para a cooperação entre os países. 

Leia também: Lula sugere reforma da Unasul para cooperação continental

O presidente brasileiro fez ao todo dez propostas aos pares sul-americanos. Lula compartilhou as seguintes propostas:

  • Moeda comum: criação de uma “unidade de referência comum para o comércio, reduzindo a dependência de moedas extrarregionais” e mecanismos de compensação mais eficientes.
  • Economia: colocar a poupança regional a serviço do desenvolvimento econômico e social, mobilizando os bancos de desenvolvimento como a CAF, o Fonplata, o Banco do Sul e o BNDES;
  • Regulação: implementar iniciativas de convergência regulatória, facilitando trâmites e desburocratizando procedimentos de exportação e importação de bens;
  • Atualização da cooperação: ampliar os mecanismos de cooperação de última geração, que envolva serviços, investimentos, comércio eletrônico e política de concorrência;
  • Infraestrutura: atualizar a carteira de projetos do Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN), reforçando a multimodalidade e priorizando propostas de alto impacto para a integração física e digital, especialmente nas regiões de fronteira;
  • Meio ambiente: desenvolver ações coordenadas para o enfrentamento da mudança do clima;
  • Saúde: reativar o Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde, a fim de permitir adotar medidas para ampliar a cobertura vacinal, fortalecer o complexo industrial da saúde na região e expandir o atendimento a populações carentes e povos indígenas;
  • Energia: lançar a discussão sobre a constituição de um mercado sul-americano de energia, que assegure o suprimento, a eficiência do uso dos recursos da região, a estabilidade jurídica, preços justos e a sustentabilidade social e ambiental;
  • Educação: criar programa de mobilidade regional para estudantes, pesquisadores e professores no ensino superior, algo que foi tão importante na consolidação da União Europeia;
  • Defesa: retomar a cooperação na área de defesa com vistas a dotar a região de maior capacidade de formação e treinamento, intercâmbio de experiências e conhecimentos em matéria de indústria militar, de doutrina e políticas de defesa.
Autor