Morre o ex-premiê italiano Sílvio Berlusconi, aos 86 anos

Considerado o primeiro político outsider, Berlusconi montou um império através da corrupção. Foi um dos responsáveis pela volta da extrema-direita e do fascismo na Itália.

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Aos 86 anos, o ex-premiê e magnata italiano Silvio Berlusconi morreu nesta segunda (12). Dono de três mandatos como primeiro-ministro, o líder da extrema-direita estava hospitalizado desde a última sexta para tratar uma leucemia no hospital San Raffaele, em Milão.

Berlusconi foi diagnosticado com leucemia mielomonocítica crônica em abril, quando ficou internado por 45 dias. Os últimos anos não foram fáceis para a saúde do ex-dono do AC Milan. Passou por uma cirurgia cardíaca (2016), obstrução intestinal (2019), infecções pulmonares (2020) e infecções urinária (2022). Em 1997, retirou um tumor da próstata em 1997.

Atualmente, Berlusconi era senador e sua família dona de um império de mais US$6,9 bilhões (R$33,7 bi).

Atual primeira-ministra da Itália, a ultradireitista Giorgia Meloni disse que seu aliado foi um dos “homens mais influentes da história”. “Silvio Berlusconi era sobretudo um combatente, era um homem que nunca teve medo de defender suas convicções, e foram justamente essa coragem e determinação que o tornaram um dos homens mais influentes da história da Itália e permitiram que ele provocasse reviravoltas no mundo da política, da comunicação e empresarial”, afirmou a chefe de governo.

O início empreendedor

Dono de inúmeros apelidos, o Cavaliere (cavalheiro) emergiu na sociedade italiana como um homem de negócios. Filho da classe média milanesa, Berlusconi se tornou famoso nos anos 1960 por ser um empreendedor com “um charme natural”.

Em 1962, de vendedor de aspiradores de pó o italiano fundou uma construtora que criou o complexo urbanístico Milão 2. Envolto de corrupção, o condomínio nos arredores de Milão enriqueceu Berlusconi como nunca após vender 3,5 mil apartamentos.

O primeiro grande empreendimento da construtora de Sivlio Berlusconi, o Milano 2 Foto: Reprodução

Enricado, em 1973, o empresário fundou a Telemilano, um canal de TV a cabo criado inicialmente para passar nos apartamentos da Milão 2. Na época, as leis de transmissão de áudio-visual na Itália eram muito rigorosas e os canais veiculavam conteúdo quase que exclusivamente italianos e com temas considerados monótonos pela população.

Rapidamente e com muita propina, o italiano comprou outros dois canais e começou a transmitir programas americanos de entretenimento barato. A popularização das emissoras de Berlusconi teve ascendência gigantesca.

Em 1978, fundou a empresa Fininvest, hoje presidida pela primogênita, Marina Berlusconi, que até hoje controla os negócios da família: emissoras de TV na Itália e em outros países europeus, editora de livros e periódicos, além do clube de futebol Monza, que disputa a primeira divisão do Campeonato Italiano.

Em meio a operação Mãos Limpas surge um outsider

Em 1994, já conhecido como o magnata extravagante que subiu na vida, Silvio Berlusconi ingressa na política italiana. O catalisador deste processo foi a Operação Mãos Limpas, um escândalo de corrupção que envolveu agentes públicos e empresários.

O sentimento antipolítica, aquecido pela queda da União Soviética, dizimou três partidos importantes da Itália no século XX – a Democracia Cristã, o Partido Socialista Italiano e o Partido Comunista Italiano.

Foi na esteira deste processo que o excêntrico empresário, que havia revolucionado os meios de comunicação e dono do clube mais popular da Itália, o AC Milan, se colocou para disputar o cargo de primeiro-ministro do país, naquele mesmo ano.

A política italiana passava pela hecatombe dos Mãos Limpas ao passo que o empresário se vendia como uma figura moderna e mais semelhante ao povo, por ter um discurso menos refinado do que os políticos tradicionais.

Usando jingles como “força minha Itália”, cujo compositor era ele mesmo, Berlusconi prometia aos cidadãos a fantasia do mundo liberal: livre iniciativa, livre mercado, um milhão de novos empregos, impostos mais baixos e a redução do Estado.

Berlusconi é eleito premiê italiano em 1994 Foto: Reprodução

Em março de 1994, o partido Forza Itália, de Silvio Berlusconi, conquista as eleições legislativas e é chamado a formar um novo governo de coalizão com seus aliados de direita e extrema-direita, a Liga do Norte, de Umberto Bossi, e a Aliança Nacional, de Gianfranco Fini, respectivamente.

Berlusconi inaugurava a figura do político populista que chega ao poder com um discurso antissistema.

Naquele ano, Berlusconi permitiu que o Movimento Social Italiano (MSI) formasse o ministério pela primeira vez desde a queda de Benito Mussolini. O MSI foi um partido político formado no pós-guerra por integrantes do fascismo italiano. O movimento de Berlusconi rompeu o escudo anti-fascista que até então era consenso em todos os partidos do país.

Mais tarde, em 2008, foi ele quem nomeou a atual primeira-ministra da Itália, a ultradireitista Giorgia Meloni, para a pasta da Juventude. Na época, aos 31 anos, Meloni se tornava a ministra mais jovem do período republicano.

Escândalos de corrupção e sexual, além de muito racismo

A trajetória de Silvio Berlusconi é rodeada por casos de corrupção, escândalos sexuais e frases racistas. Ao todo, ele enfrentou 35 processos criminais, mas obteve apenas uma condenação definitiva.

Sua condenação ocorreu em agosto de 2013. A sentença de prisão de quatro anos por fraude fiscal — três dos quais foram abolidos por uma anistia — foi confirmada pelo Tribunal de Cassação. Ele cumpriu a sentença no ano seguinte na forma de serviço comunitário.

Em 2018, em campanha pelas eleições gerais, o então líder da Forza Itália declarou que pretendia deportar 600 mil imigrantes caso vencesse o pleito. A Europa vive uma crise imigratória sem precedentes devido a ingerência dos Estados Unidos e da União Europeia no continente africano e asiático.

Berlusconi é condenado em 2013, mas cumpre a pena domiciliar Foto: Reprodução

Confira abaixo os casos envolvendo o ex-premiê italiano:

Caso SME (1992-1994): Nesse período, Berlusconi foi acusado de envolvimento em um esquema de corrupção relacionado ao Banco Ambrosiano, que entrou em falência em 1982.

Caso Fininvest (1995-1998): Berlusconi foi investigado por supostas práticas ilegais relacionadas à sua empresa de mídia, a Fininvest. As acusações incluíam corrupção, evasão fiscal e lavagem de dinheiro.

Caso Mediatrade (2005-2007): Berlusconi enfrentou acusações de suborno em relação à venda dos direitos de transmissão de filmes do estúdio Mediaset, pertencente à sua empresa de mídia. O caso envolveu o empresário italiano Frank Agrama.

Caso Rubygate (2010-2014): Berlusconi foi acusado de abuso de poder e prostituição de menores nesse caso. Ele teria mantido relações sexuais com uma jovem marroquina chamada Karima El Mahroug, também conhecida como “Ruby”, quando ela era menor de idade.

Caso Unipol (2011): Berlusconi foi acusado de vazar informações confidenciais para a empresa de seguros Unipol, visando obter vantagens pessoais. As acusações incluíam abuso de poder e violação do sigilo de estado.

Caso Balotelli (2018): “Para mim, uma mulher que ande com um homem negro me dá vergonha”, disse Berlusconi, em um vídeo feito secretamente por Marysthell Polanco, e publicado nos altos do processo Ruby.

Cabo eleitoral da extrema-direita

Berlusconi coleciona também envolvimento e articulações políticas com a extrema-direita italiana. Como dito, em 1994, o então premiê recolocou os ex-companheiros de Mussolini na política, quando abraçou o MSI. A primeira coalizão do magnata foi justamente com a direita e a extrema-direita, lideradas por figuras como Umberto Bossi e Gianfranco Fini.

Berlusconi e a premiê fascista, Giorgia Meloni, em outubro de 2022 Foto: Reprodução

Em 2022, articulou com a Liga, partido de extrema-direita de Matteo Salvini, para derrubar o Movimento 5 Estrelas. Ainda no ano passado, surfando na onda anti-imigratória, o Forza Itália abandonou convicções históricas da sigla, como a defesa da União Europeia.

Em setembro de 2022, já eleito senador da Itália (após um período impedido pela Justiça de concorrer a cargos públicos), Berlusconi ajudou a formar a coalizão do atual governo de extrema-direita de Giorgia Meloni.

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