Lula e papa convergem em proposta de paz na Ucrânia, diz Domenico de Masi

Lula ressalta relação afetiva com sociólogo italiano, que destacou convergências do brasileiro com lideranças como o Papa Francisco em relação ao fim da guerra.

O encontro de Lula com De Masi na Itália. Foto de Ricardo Stuckert.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu nesta terça-feira (20), em Roma com o professor emérito de Sociologia do Trabalho na Universidade La Sapienza de Roma, Domenico De Masi, na primeira agenda de uma visita à Europa. De Masi, um pensador alinhado à esquerda italiana e criador da teoria do ‘ócio criativo’, visitou o petista no cárcere, em Curitiba, por ocasião de sua prisão pela Operação Lava Jato.

Lula se reunirá com o presidente italiano, Sergio Mattarella, com o prefeito da capital italiana, Roberto Gualtieri, ambos em Roma, com o papa Francisco, no Vaticano, e com o presidente da França, Emmanuel Macron, em Paris. Ele também se encontrou de última hora com a premiê italiana Giogia Meloni, de extrema-direita. Ao fim da viagem, Lula terá passado 28 dias no exterior nos seus 6 primeiros meses de governo. Ele terá visitado 11 países no período. 

Em suas redes sociais, Lula publicou uma foto com o acadêmico, quem ele diz considerar como “um amigo”, e afirmou que tiveram um “bom encontro e conversa (…) falamos sobre o cenário político no Brasil e na Europa”.

O presidente brasileiro recordou as duas últimas vezes em que esteve com De Masi, incluindo uma visita que o sociólogo italiano fez a ele em abril de 2019, durante seu período na prisão em Curitiba. Eles também se encontraram pouco depois da libertação de Lula, quando o petista viajou a Itália, em dezembro de 2020.

“Nos encontramos em Curitiba, e também quando estive em Roma antes da pandemia”, lembrou o presidente.

Ao deixar a prisão de Curitiba, em 2019, De Masi declarou que a prisão não mudou em nada o prestígio de Lula no exterior. “O fato de estar mantido aqui como preso político não mudou em nada o prestígio dele lá fora. Lula continua sendo uma grande liderança do mundo, talvez a maior de todas”, declarou.

“Lula me disse que não vai trocar a sua dignidade por sua liberdade e me pediu para que cada um de vocês que estão aqui façam o mesmo para ele, a luta da esquerda é uma luta de longo prazo, mas ao fim deste caminho haverá uma esquerda muito maior”.

Convergências

Ao deixar o encontro com Lula, De Masi defendeu a proposta de Lula de mediação da guerra na Ucrânia, que deve ser tema do encontro do presidente com o papa Francisco, nesta quarta-feira (21), no Vaticano. Lula procura aliados em todo o mundo para intermediar um acordo para convencer Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky a sentarem-se à mesa de negociações para o fim do conflito.

“Lula me falou da sua ideia e de paz e da importância da colocação de alguns países em relação ao conflito, como Índia e Brasil, de não se alinharem ao envio de armas para Ucrânia. É uma posição mais fácil para esses países gerirem ações de mediação. Lula está alinhado à ideia do papa, tem o mesmo ideal em relação à paz”, afirmou De Masi ao enviado de O Estado de S. Paulo.

Segundo o sociólogo, Lula defendeu a decisão de não enviar equipamentos militares para a Ucrânia, mesmo após pedidos do governo Zelenski. A ideia é que países do Sul Global e não alinhados, a exemplo também da Índia, possam preservar laços com os dois lados e uma posição favorável a negociações de paz.

Essa posição, no entanto, se choca frontalmente com o apoio que países da União Europeia dão à defesa da Ucrânia, seja com ajuda financeira ou bélica, como a própria Itália. No entanto, o número de países alinhados no esforço para acabar com a guerra só cresce, envolvendo países da América do Sul, da África e da Ásia, questionando o fomento da guerra pelos países europeus e EUA.

O italiano também comentou o encontro de última hora de Lula com a primeira-ministra de direita Giorgia Meloni. Ele pontuou que na Itália e no Brasil há diferenças de organização e unidade entre os campos da direita e da esquerda – e disse esperar que a esquerda se organize em seu país.

Segundo De Masi, não restam dúvidas das firmes posições de esquerda e de direita sustentadas por Lula e Meloni, sobretudo na economia, mas embora cada um tenha suas ideias diferente, “há muitas coisas em comum” que tratar.

Ócio criativo

O sociólogo De Masi nasceu em Rotello, em 1938 e é um dos mais prestigiados acadêmicos europeus, autor de livros como “Ócio criativo” (Editora Sextante), “O futuro do trabalho” (Editora José Olympio), “Desenvolvimento Sem Trabalho” e “A Emoção e a Regra”. 

É dele o conceito de “ócio criativo” (“Il Lavoro Creativo”), de 2000, no qual defende que os períodos de lazer são uma parte essencial do trabalho, mas que as empresas continuam a operar segundo o velho modelo de trabalho, que associa o tempo de trabalho à produtividade, o que não necessariamente é verdade no mercado moderno.

“Existe um ócio alienante, que nos faz sentir vazios e inúteis. Mas existe também um outro ócio, que nos faz sentir livres e que é necessário à produção de ideias, assim como as ideias são necessárias ao desenvolvimento da sociedade”, afirma De Masi, em uma de suas obras. 

Seus pensamentos influenciaram muito as novas gerações de CEOs de startups que se tornaram grandes players de tecnologia no mundo, ao articular em sua teoria o equilíbrio entre trabalho, lazer e criatividade.

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