Veto do parlamento francês a acordo com Mercosul revela protecionismo europeu

Parlamento francês resiste a exportações brasileiras usando como argumento o meio ambiente, enquanto defende sua própria produção agrícola

Assembleia adota resolução contra projeto de acordo UE-Mercosul

A Assembleia Nacional da França vetou por 281 votos contra 58, nesta terça-feira (13), o acordo entre a União Europeia e o Mercosul, dias antes do desembarque do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na capital francesa. O texto revela a resistência política dos europeus às exportações agrícolas brasileiras e deve impedir o fechamento do acordo comercial até o final do ano.

A dificuldade que o tratado terá para ser ratificado fica evidente na unanimidade entre partidos de todos os espectros ideológicos da França. Os europeus são, historicamente, resistentes a acordos que reduzam a taxação de produtos agrícolas estrangeiros, enquanto defendem os caros e limitados produtos europeus. 

Apesar do caráter claramente protecionista, os deputados utilizam argumentos ambientalistas para rejeitar o acordo. Até mesmo partidos da extrema-direita que tradicionalmente não se alinham a pautas ambientais trouxeram esta retórica. Os ambientalistas, por sua vez, acharam pouco e exigiram uma resolução ainda mais dura.

Em Brasília, na segunda-feira, a presidenta da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse após conversas com o presidente Lula que tentaria fechar o acordo até dezembro de 2023. No entanto, para que o acordo comercial entre em vigor, todos os parlamentos europeus teriam que ratificar o tratado. 

Denúncia da reserva de mercado

Todos vaiaram o representante do governo de Emmanuel Macron, o ministro do Comércio Exterior, Olivier Becht, quando este defendeu o acordo. Ele, no entanto, não se furtou a denunciar a reserva de mercado que o parlamento tenta manter e o erro que isto representa.

“O tal protecionismo solidário que vocês defendem matará nossa economia”, disse Becht, enquanto os parlamentares gritavam. “O protecionismo é uma inflação imposta sobre as famílias mais pobres”, declarou, ecoando a explosão de preços dos alimentos em toda a Europa.

Ele também mostrou que esta resistência ao acordo com o Mercosul também prejudica os produtores da França ao dificultar que sua produção seja escoada em exportações para a América do Sul.

Nem por isso, segundo Becht, o fechamento do acordo implicaria em liberalidade em relação à questão ambiental, demonstrando que a argumentação dos parlamentares não procede. Ele deixou claro que o governo não apoia uma abertura sem limite e insistiu que o governo Macron vai exigir medidas ambientais por parte do Mercosul, algo que se discute desde 2019.

Segundo o ministro, entre as condicionantes informadas ao governo Lula, em maio, a França exige que todos os países da América do Sul façam parte do Acordo de Paris. Todos assinaram, mas Equador, Colômbia, Venezuela e Suriname não ratificaram. Outro critério era o de colocar regras aos produtores do Mercosul que sejam equivalentes às normas existentes na agricultura europeia.

Dois deputados, todavia, foram explícitos em revelar o que está por trás da rejeição. Sebastien Jumel, deputado da Esquerda Democrática, se posicionou contra todo e qualquer tipo de acordo de livre comércio. “Hoje, a França importa metade do frango consumido, dois terços dos peixes e metade dos legumes. Hoje, ela não tem soberania alimentar”, criticou. “27% dos pesticidas usados no Brasil não proibidos na Europa”, alertou.

O deputado Julien Dive, do partido de direita Les Republicans, alertou que o acordo é “desfavorável ao futuro do planeta” e aos produtores agrícolas da França. “Esse acordo é um risco imenso ao modelo francês”, completou.

Também houve aqueles que supostamente estão preocupados com a dependência do Brasil de commodities agrícolas e aqueles que estão temerosos do desmatamento da Amazônia.

Rechaço

Na resolução aprovada em Paris, fica clara a rejeição ao acordo pelos termos utilizados. Os deputados obrigam o governo de Macron a expressar a oposição da França junto à Comissão Europeia, “diante da ausência de critérios de sustentabilidade e rastreabilidade para os produtos mais sensíveis em termos de combate às mudanças climáticas e proteção da biodiversidade”. Suspensão do acordo por violação do Acordo de Paris não estaria prevista no tratado. Exigem inclusive que acordos comerciais fatiados também sejam impedidos. Também exige uma enorme burocracia para que o acordo seja aprovado em muitas instâncias por unanimidade.

Na avaliação dos deputados, “o acordo provavelmente aumentará o desmatamento importado” e “facilitará a entrada no mercado europeu de produtos alimentícios tratados com pesticidas e medicamentos veterinários proibidos pela regulamentação europeia, ou derivados de práticas de reprodução proibidas pela mesma regulamentação”.

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