Lula diz que Campos Neto joga contra a economia e que juros são irracionais

Ao falar a jornalistas em Roma, presidente brasileiro faz crítica contundente à manutenção da Selic em 13,75% e diz que briga contra juros não é do governo, mas da sociedade

Lula durante coletiva em Roma. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Em entrevista coletiva nesta quinta-feira (22), em Roma, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou repudiar a manutenção da taxa básica de juros pelo Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, e disse que o patamar da Selic é irracional. O presidente também fez um balanço de sua passagem pela Itália e falou sobre temas como relações e comércio entre os dois países, crise climática, acordo Mercosul-União Europeia e guerra na Ucrânia.

“Eu acho que esse cidadão joga contra a economia brasileira. Ele não tem explicação. Não existe explicação aceitável de por que a taxa de juros está 13,75%. Não existe”, disse Lula, em referência ao presidente do BC, Roberto Campos Neto. 

“Nós não temos inflação de demanda. Você utiliza os juros para controlar a inflação. Quando você  tem uma demanda muito grande, você aumenta a taxa de juros para diminuir o crédito e diminui o consumo. Nós não temos isso no Brasil. Então, sinceramente, eu acho que esse cidadão está jogando contra os interesses da economia brasileira”, completou.

Leia também: Na Itália, Lula reforça papel do Brasil no enfrentamento à crise climática

Lula também argumentou que “é irracional o que está acontecendo no Brasil: você tem uma taxa de juros de 13,75% com uma inflação de 5%. Ou seja, cada vez que reduz meia a inflação aumenta o juros real no país. Não é possível ninguém tomar dinheiro emprestado para pagar 14% ao ano, às vezes 18% ao ano. Os bancos não estão emprestando dinheiro porque ninguém pode tomar dinheiro”. 

O presidente ressaltou ainda que a reação contra as decisões do BC não é apenas do governo. “Quem está brigando com o Banco Central hoje é a sociedade brasileira”, apontou, listando a Confederação Nacional das Indústrias (CNI), a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), o setor varejista do Brasil e os pequenos e médios empreendedores. “As pessoas que precisam de crédito para tocar a economia e tocar as suas atividades estão brigando com a taxa”, acrescentou. E ponderou que dada a configuração atual, de “autonomia” do BC, o Senado deve cobrar responsabilidade de Campos Neto. 

Questões internacionais

Sobre seu encontro com a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, de extrema-direita, Lula elogiou o fato de ser a primeira mulher a ocupar tal posto e disse que “para me encontrar com a primeira-ministra da Itália, a mim não importa o posicionamento político dela”. E acrescentou: “venho aqui para que a gente possa discutir o que é importante fazer para que os dois países possam ganhar. A gente pode construir parcerias na área empresarial”. 

Por outro lado, salientou que pelo mundo, a extrema-direita vem renascendo “com um discurso muito duro na política de costumes, na questão da família. E muitas vezes a esquerda fica um pouco inibida. Eu acho que nós precisamos defender com mais clareza as coisas que nós acreditamos. Eu acho que a esquerda no Brasil, na América Latina e no mundo precisa criar uma nova utopia”. 

Leia também: Papa Francisco recebe Lula e compara a paz mundial a flor frágil

Questionado sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia, o presidente disse que “a primeira coisa a fazer era convencê-los a parar a guerra. Quando parar a guerra, sentar para conversar. Sentar para conversar para dizer o seguinte: ‘Olha, eu não abro mão disso, eu não abro mão daquilo. Eu quero isso, eu quero aquilo’. Até que a gente encontre um denominador comum”. Ele disse ainda que  “estamos tentando detectar alguns países que não estão na guerra: Brasil, China, Índia, Indonésia, possivelmente México e Argentina, outros países da África. (Para) A gente criar algo. Não é fácil. Se fosse fácil já tinha resolvido”. 

No final da coletiva, Lula defendeu a liberdade de Julian Assange e criticou o silêncio da imprensa em relação à sua situação. “O que o Assange fez merece respeito e elogio de qualquer jornalista da face da Terra. Ele teve a coragem de divulgar que os Estados Unidos faziam espionagem (…). E por conta disso esse cidadão foi preso e vai ser extraditado para os Estados Unidos e a imprensa está calada. Então, é importante que os companheiros jornalistas possam, enquanto é tempo, a gente tentar pedir pelo menos para soltar o cara”. 

Crise climática

Lula e equipe se reúnem com presidente da Itália, Sergio Mattarella e autoridades. Foto: Ricardo Stukert

Ao fazer seu pronunciamento inicial antes de abrir aos questionamentos dos jornalistas, o presidente Lula falou sobre as relações entre Itália e Brasil, a questão ambiental e o acordo Mercosul-União Europeia. Ele declarou que um dos objetivos da viagem ao país foi “estabelecer uma nova relação com a Itália, depois de tantos anos de afastamento”. 

Do ponto de vista comercial, Lula salientou que “a gente pode ter um fluxo muito maior do que apenas 10,5 bilhões (de euros, valor obtido em 2022), por isso é importante essa aproximação e essa conversação que fizemos”. 

O presidente brasileiro também falou sobre a questão ambiental e a realização da COP-30 em Belém (PA), uma oportunidade para que, segundo ele, as pessoas vejam de perto “o que é a grandiosidade da Amazônia para a gente poder discutir com seriedade a questão climática, que não se trata apenas da preservação da floresta. Trata-se de explorar cientificamente a riqueza da biodiversidade para saber se essa riqueza da biodiversidade vai permitir que a gente crie condições econômicas para 28 milhões de brasileiros que moram na Amazônia brasileira”. 

Lula voltou a cobrar a doação, acordada por parte dos países ricos ainda na COP-15, de US$ 100 bilhões por ano para a preservação das florestas. “Esse dinheiro ainda não apareceu, e nós vamos sempre cobrar”, disse. Ele ainda destacou o fato de o Brasil ter 87% de energia elétrica renovável, enquanto o restante do globo fica em 27%, o que dá ao Brasil “autoridade moral para discutir com o mundo, de cabeça erguida, o que nós queremos para o futuro do Brasil”. 

Neste sentido, lembrou ainda que os países desenvolvidos, “que já desmataram as suas florestas, que há 200 anos estão industrializados, que portanto têm uma dívida histórica com o planeta, mais do que um país que começou a se industrializar agora, essa gente tem de pagar um pouco, sabe, aquilo que eles poluíram no passado, aquilo que eles emitiram de gás de efeito estufa no passado, para poder ter uma compensação e ajudar países mais pobres, sobretudo países da América Latina, países do continente africano, que precisam muito de investimento e de incentivo”. 

Leia também: Brasil busca transição energética em meio à crise climática e social

Lula também falou sobre o acordo Mercosul-União Europeia: “Essa proposta de acordo não está em conformidade com aquilo que é o sonho de países da América Latina, como o Brasil, que quer ter o direito de recuperar sua capacidade de industrialização. O Brasil já teve um Produto Interno Bruto [PIB] industrial de 30%, hoje o nosso PIB é apenas 10%”.

O presidente enfatizou, ainda, que “a carta adicional que a União Europeia mandou para o Mercosul é inaceitável […]. Os países ricos não cumpriram o Acordo de Paris, não cumpriram o Protocolo de Kyoto, não cumpriram a decisão de Copenhague, então é preciso que a gente tenha um pouco mais de sensibilidade, um pouco mais de humildade. Nós estamos preparando a nossa resposta para a União Europeia, para fazermos um acordo que favoreça os dois continentes”.

Ao falar sobre a guerra na Ucrânia e das iniciativas que o governo brasileiro tem tomado para tentar ajudar na construção de uma saída pacífica, o presidente declarou: “E eu estou de acordo com o Papa Francisco: é preciso ter gente envolvida em discutir a questão da paz. É preciso colocar os atores numa mesa de negociação. É preciso parar de atirar e é preciso tentar encontrar uma solução pacífica porque o mundo tem 800 milhões de seres humanos que vão dormir toda noite sem ter o que comer. E não é justo se gastar bilhões de dólares ou de euros com uma guerra desnecessária quando a gente poderia tentar estar vivendo num momento de paz, porque o mundo está precisando disso”.