Controle de preços da Petrobras empurra inflação para dentro da meta

Mercado continua se surpreendendo e tentando encontrar explicações em ações do Governo Lula para inflação mais comportada e reforçam tendência de revisão de estimativas para baixo

O carrinho de supermercado do povo em 2010 e em 2022. Foto: Ricardo Stuckert

O mais recente corte nos preços da Petrobras se soma ao alívio em alimentos, bens industriais e no câmbio para reforçar um cenário mais favorável à inflação neste ano. Com isso, economistas de consultorias financeiras procuradas pelo jornal Valor Econômico passarama projetar um IPCA dentro da tolerância da meta perseguida pelo Banco Central em 2023, após dois anos de estouro. 

Alguns movimentos de índices surpreendem o mercado, que tenta entender que fatores favorecem uma queda de preços maior que as taxas internacionais, apesar do desemprego estar diminuindo. Mas todos concordam que o esforço do governo é evidente.

O centro da meta de inflação para este ano é de 3,25%, mas ela pode ir até 4,75%, considerada apertada por economistas menos conservadores. A projeção mediana do mercado ainda está em 5,1%, pelos dados do BC, mas um mês atrás estava em 5,8%. A projeção mínima recuou um ponto percentual no período, de 4,8% no fim de maio para 3,8% no fim de junho.

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Juros altos

No Relatório de Inflação (RI) do segundo trimestre, divulgado na semana passada, o próprio BC informou que, de acordo com seus modelos, a probabilidade de a inflação ficar acima do limite superior em 2023 passou de cerca de 83% em março para 61% agora. O Governo critica as projeções pessimistas do BC, que insiste em manter uma alta taxa básica de juros, apesar do movimento claro da inflação, admitido até mesmo pelo mercado financeiro.

A última vez que a inflação encerrou o ano dentro do intervalo da meta foi em 2020, quando o IPCA fechou em 4,5%, para uma meta centrada em 4%, mas com tolerância até 5,5%. Não foi uma medida provocada pelo governo, mas pelo choque da pandemia e a queda do consumo.

Tanto que, em 2021, o alvo caiu para 3,75%, mas a inflação saltou para 10,1%, quase o dobro do teto da meta (5,25%). No ano seguinte, o IPCA desacelerou para 5,8%, mas a meta também foi reduzida, para 3,5%, com limite até 5%.

É importante registrar que a inflação tem se mantido controlada mesmo diante do crescimento da demanda, o que revela a leitura equivocada do mercado e do Banco Central sobre as motivações inflacionárias. O objetivo da política monetária é exatamente aumentar o desemprego para tentar conter uma suposta pressão de demanda sobre os preços.

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Medidas governamentais

Preço de combustíveis tem enorme impacto em toda a cadeia produtiva dependente do modal rodoviário.

O esforço feito pelo governo Lula para sustentar o consumo em meio a uma política monetária fortemente recessiva, está surtindo efeito, como admitem setores do mercado. O consumo das famílias e do governo cresceram no primeiro trimestre do ano, respectivamente, 0,2% e 0,3% em relação ao período anterior. As medidas de manutenção do Bolsa Família, a antecipação do 13º salário dos beneficiários do INSS e os recentes programas de renegociação de dívidas dos indivíduos, subsídios para compra de carros e ampliação do valor recebido no bolsa família para cada filho adicional, estão e continuarão sustentando um crescimento do consumo.

A previsão do banco BNP Paribas para o IPCA em 2023, que chegou a ficar ao redor de 6%, está agora em 4,7% – dentro, portanto, do limite da meta.

Pesou para a nova projeção do BNP Paribas o alívio nos preços dos alimentos. Além da safra recorde no Brasil, eles têm sido beneficiados por uma normalização dos estoques de soja e outros grãos pelo mundo. Os custos de produção agrícola, sobretudo fertilizantes, também estão menos pressionados do que o esperado.

O comportamento dos preços dos bens industriais também tem melhorado acima do esperado, conforme as cadeias produtivas vão se reorganizando, após a pandemia e apesar da guerra na Europa.

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Assim, a avaliação do BNP Paribas é que o alívio em alguns preços que não necessariamente integram os núcleos – itens com menor impacto primário da inflação – acabam causando choque, e influenciando a taxa devido à dimensão do movimento.

Economista do Banco Fator, também consultado pelo jornal, espera IPCA de 4,7% ao fim do ano e reconhece a chance de ir a 4,5%, com os preços dos serviços fazendo a diferença. 

Curiosamente, os economistas observam que o preço de serviços cai, conforme aumenta o desemprego. Foi o que aconteceu a partir de 2016, quando esses preços caíram de 10%. Dessa vez, a taxa de desocupação está em 8,3%, tem ficado nesse patamar no período mais recente e, mesmo assim, a inflação de serviços está caindo.

A BRCG também espera 4,7% para o IPCA em 2023, mas avalia que são os preços administrados que devem fazer a diferença, referindo-se à gasolina e gás natural, mesmo que haja medidas de reoneração de tributos pelo governo federal.

A Petrobras anunciou na última sexta-feira redução dos preços nas refinarias do gás de cozinha (GLP) em 3,9% e da gasolina em 5,3%.

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Movimento inesperado

Depois do anúncio, entre outros motivos, o J.P. Morgan ajustou sua projeção de IPCA em 2023 de 5,2% para 5,1%. Mais uma instituição que não esperava corte nos preços no atacado, uma vez que os preços domésticos já parecem estar abaixo do equivalente internacional. No entanto, o preço dos combustíveis fez seu papel. Essa dinâmica em preços administrados dá um viés de baixa para a atual projeção da consultoria. 

A MB Associados também considera “bastante possível” que a inflação termine este ano dentro da meta, ainda que próximo do teto da banda. O preço dos alimentos só não fará sua parte se houver algum risco climático, pois o cenário conjunto de câmbio e inflação de alimentos serão importantes para trazer a inflação para baixo.

A MB ainda projeta que, mesmo que a inflação fique acima do teto da meta para este ano, trata-se de uma mudança de perspectiva muito grande em relação ao que se tinha antes. A consultoria lembra que se falava de inflação para este ano de 6% ou 6,5% e agora fala-se em 4,5% a 5%. É uma mudança muito grande e favorável em seis meses na opinião deles.

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As consultorias discordam sobre os índices para 2024, que podem começar o ano perto do centro da meta ambiciosa imposta pelo BC.

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