Novas evidências de espionagem da CIA contra presidentes da esquerda latino-americana
Uma empresa espanhola espionou as reuniões de Rafael Correa com ex-presidentes da Argentina, Brasil e Uruguai, assim como de Julian Assange com advogados
Publicado 19/07/2023 17:56 | Editado 21/07/2023 19:22
Uma empresa espanhola contratada para fazer a segurança da Embaixada do Equador, em Londres, se virou contra seu contratante, vendendo informação sigilosa a seu respeito para a Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA).
As revelações divulgados pelo jornal espanhol El País, a partir de documentos de uma investigação, chamam a atenção por serem mais uma evidência de espionagem da CIA sobre conversas envolvendo os presidentes Lula e Dilma Rousseff, além de outros líderes latino-americanos. Os espionados eram todos governantes de esquerda da América do Sul.
As espionagens da empresa ainda envolviam as reuniões com Julian Assange, fundador do WikiLeaks, que à época era refugiado do Equador em Londres. As descobertas sobre o monitoramento das reuniões do ex-presidente Rafael Correia com personalidades latinas foram denunciadas por peritos designados pela defesa do próprio Assange à Justiça. É por causa de revelações como essa, que o australiano Assange é perseguido pelo governo dos EUA, com ameaça de prisão podendo chegar a 175 anos.
Espionagem contínua
O ex-militar David Morales, dono da empresa de segurança UC Global, SL, teria espionado para a CIA os encontros em 2018 do ex-presidente do Equador Rafael Correa (2007-2017) com os ex-presidentes de esquerda da Argentina (Cristina Kirchner), Brasil (Lula e Dilma Rousseff) e Uruguai (José Mujica), de acordo com relatórios de uma investigação de três anos contra o ex-militar por vários crimes.
Os especialistas designados pela defesa de Assange descobriram uma pasta chamada América do Norte/EUA/CIA/Romeo/Brasil/Argentina/março 2018/Venegas Chamorro/Viaje. A pasta diz respeito aos detalhes dos encontros de Correa (apelidado de Romeu) com vários ex-presidentes da América Latina. Na viagem, Correa foi acompanhado por seguranças da UC Global, SL para sua escolta.
Morales ordenou que seus trabalhadores espionassem as reuniões do fundador do Wikileaks com seus advogados, mas também as filhas do ex-presidente do Equador, especialmente quando deixou o cargo, para passar informações a seu sucessor e adversário político, Lenín Moreno. Moreno era o candidato de Correa à sucessão mas o traiu e a toda a esquerda ao promover uma perseguição ao ex-presidente, que teve que se exilar na Bélgica.
Empresa de confiança
No computador de Morales apreendido pela polícia após sua prisão em 2019, numa tentativa de fuga, o nome da CIA aparece várias vezes em um disco rígido com as operações da empresa. Ele vendia para quem pagasse mais, mas acabou não tendo a confiança de contratantes como Lênin Moreno, que teria vazado informações de sua empresa.
Correa rescindiu o contrato com a empresa, em maio de 2019, quando alguém de suas escoltas confessou que Morales havia pedido que relatassem informações sobre suas reuniões e atividades pessoais e políticas. Correa apresentou uma denúncia contra Morales que foi admitida para tramitação na Justiça Nacional espanhola.
Morales ainda ameaçou chantagear um diplomata equatoriano para manter o contrato em Londres. Para isso, mostrou imagens íntimas e comprometedoras do diplomata a vários agentes do governo. Esta revelação consta de depoimentos do processo de Assange contra Morales.
Obsessão da CIA
A propósito, foi o mesmo site WikiLeaks de Assange que divulgou em julho de 2015 uma lista classificada pela Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos como “ultrassecreta”, a qual revelava que, além da própria presidente Dilma Rousseff, 29 telefones do governo – incluindo o de ministros, diplomatas e assessores – foram espionados pela agência de inteligência. Até o telefone via satélite instalado no avião presidencial, com o qual Dilma se comunicava com o mundo, era grampeado pela NSA.
Assange levantou suspeitas sobre eventuais informações privilegiadas dos Estados Unidos, obtidas por meio de grampos, que possam beneficiar empresas norte-americanas nas concessões que seriam feitas pelo governo federal na área de infraestrutura.
“Se a presidente Dilma Rousseff quer ver mais investimentos dos EUA no Brasil na esteira de sua recente viagem ao país, como ela afirma, como ela pode assegurar às empresas brasileiras que as companhias norte-americanas não têm uma vantagem proporcionada por esta vigilância. Até que ponto ela pode realmente garantir que a espionagem foi encerrada – não apenas sobre ela, mas sobre todas as questões brasileiras”, ressaltou Assange no comunicado.