Projeto visa encontrar vestígios de um dos últimos ‘navios negreiros’ a vir para o Brasil

Brigue Camargo foi naufragado na costa de Angra dos Reis, após trazer cerca de 500 pessoas de Moçambique para o Brasil, em 1852

Mergulho arqueológico em busca do Brigue Camargo. Foto: AfrOrigens / Reprodução

Como forma de não deixar um dos piores crimes contra a humanidade cair no esquecimento, um grupo de pesquisadores trabalha para identificar os vestígios de um dos últimos navios negreiros a trazer escravos para o Brasil.

O trabalho de constatar a materialidade dos crimes cometidos durante o período escravagista parte do AfrOrigins Institute em colaboração com pesquisadores do Arquivo Nacional, da Universidade Federal Fluminense (UFF), da Universidade Federal do Sergipe (UFS) e George Washington University.

O navio em questão é o Brigue Camargo. Os arqueólogos acreditam ter encontrados os resquícios da embarcação naufragada de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.

A história remonta a 1851, quando o estadunidense Nathaniel Gordon ficou incumbido de transportar a embarcação de modelo ‘brigue’ de São Francisco para Nova York. Porém ele roubou o barco com a finalidade de ir até a costa africana, mais precisamente em Moçambique, para comercializar pessoas como escravos.

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Gordon conseguiu transportar cerca de 500 pessoas para o Brasil. No entanto, o país já havia proibido o tráfico de escravos pela Lei Eusébio de Queirós desde 1950.

Dessa maneira, ele se utilizou de um porto clandestino próximo da praia de Bracuí, em Angra dos Reis, e de uma rede criminosa de tráfico escravagista – na região hoje existe o Quilombo Santa Rita do Bracuí. Relatos apontam que esta rede já funcionava muito antes da lei entrar em vigor em toda a costa nacional.

Apesar de conseguir realizar o desembarque, em 1952, das pessoas que viriam a ser escravizadas nas plantações na região de Bananal, entre São Paulo e Rio de Janeiro, Gordon teve que fugir, pois patrulhas do Império brasileiro começaram a investigar.

Antes ele queimou e afundou o Brigue Camargo para esconder as provas de seus crimes. Voltou para os Estados Unidos e continuou com o comércio de escravos até que foi capturado e julgado em seu país, em 1962. Pelos crimes foi condenado à forca.

Vestígios

O presidente do Instituto AfrOrigens, arqueólogo Luis Felipe Santos, disse para a BBC News Brasil que: “O Camargo não foi um caso isolado de desembarque clandestino de africanos, mas estamos prestes a recuperar as provas materiais dos crimes que aconteceram naquela época.

A equipe de pesquisa mapeou a região provável do naufrágio e realizou mergulhos na foz do rio Bracuí. Com os mergulhos em que foram utilizados submarinos e equipamentos como sonares, foi realizado um mapeamento da localização do naufrágio.

A equipe agora se concentra no processamento dos dados colhidos. Os mergulhos arqueológicos, segundo Santos, já colheram evidências de vestígios do naufrágio e novas incursões serão realizadas ainda este ano para comprovar e documentar os restos do Brigue Camargo.

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No início de julho foi apresentado o seminário ‘O caso do navio escravagista Camargo’, no Arquivo Nacional (RJ), em que foram apresentados resultados da pesquisa. Na ocasião, a historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto, diretora do Arquivo Nacional, ressaltou a importância da pesquisa.

“Isso é algo a ser revisitado em 2023, para que a gente compreenda melhor não só como a escravidão se estruturou e tinha muitos defensores, mas como ela foi confrontada. A partir disso, promover reflexões sobre abolicionismo, liberdade e cidadania. A atividade de hoje marcou esses esforços de promover reparação histórica. Devemos investir nisso para que outros crimes contra a humanidade não voltem a acontecer. Afinal, ainda enfrentamos os ecos da escravidão no tempo presente.”

*Informações BBC, Agência Brasil e Aventuras na História. Edição Vermelho, Murilo da Silva

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