No Equador, Rádio Pichincha é contraposição ao discurso hegemônico 

Repórter do veículo, Bryan Paul Espinoza fala sobre papel da rádio na luta pela democratização da comunicação e pela soberania do Equador

Bryan Paul Espinoza, jornalista da Rádio Pichincha (LWS/ComunicaSul)

Em entrevista ao jornalista Leonardo Wexell Severo, da Comunicasul, o repórter da Rádio Pichincha, uma das mais prestigiadas e populares do Equador, Bryan Paul Espinoza, fala sobre sua participação nesse meio de comunicação alternativo e aponta que o veículo se constitui como “uma voz que permite a contraposição ao discurso hegemônico, não só dos meios de comunicação tradicionais, mas também das próprias linhas argumentativas ou ideológicas do governo, especialmente dos dois últimos, do ex-presidente Moreno e do atual, Guillermo Lasso”. 

Para o jornalista, o fato de a progressista Luísa González — candidata à presidência no Equador —  ter começado sua campanha nos estúdios da rádio “é um ponto muito alto”. 

Bryan reforça a opinião da candidata do movimento Revolução Cidadã (RC) de que Daniel Noboa, filho de um dos homens mais ricos do Equador, representa o continuísmo, um “Lasso 2.0”, com sua política de fome e desemprego.

Acompanhe a a íntegra da entrevista. 

Qual o significado da Rádio Pichincha na luta pela democratização da comunicação, num país onde a mídia está tão concentrada?

A Rádio Pichincha se constitui como a outra palavra, como se diz aqui, uma voz que permite a contraposição ao discurso hegemônico, não só dos meios de comunicação tradicionais, mas também às próprias linhas argumentativas ou ideológicas do governo, especialmente dos dois últimos, do ex-presidente Moreno e do atual, Guillermo Lasso.

Nosso objetivo é dar espaço às expressões de jovens, coletivos feministas, ambientalistas, defensores de animais, LGBTI, grupos de teatro, cultura, cinema e de música independente. Foram todas estas expressões que permitiram que a Rádio Pichincha se constituísse no canal que é. Um veículo para que as pessoas tenham voz, o que não podem fazer em um meio tradicional.

Acreditas que há um simbolismo na candidata Luísa González ter escolhido a Pichincha para iniciar sua campanha no segundo turno?

Claro. Na maior parte das vezes os grandes meios de comunicação não dão espaço ao contraditório, sobretudo aos dirigentes e militantes da Revolução Cidadã, ou dos correístas, como são conhecidos, por conta do enquadramento da informação que querem manter. O fato de Luísa ter começado sua campanha aqui é algo relevante, um ponto muito alto, não só para a rádio, mas também para as pessoas que a ouvem, para a sua audiência, o público que nos acompanha, que é a quem devemos prestar contas.

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Poderias fazer um breve resumo das candidaturas da oligarquia?

Além do próprio Noboa, que passou para o segundo turno, a maioria dos candidatos, como Jan Topic, dono de uma empresa de segurança [mercenários de elite] ou Xavier Ervas [que ostenta em sua “biografia” ter colocado o brócolis equatoriano como “produto premium” em vários países] são candidatos de altíssimo poder econômico. E, também, um enorme poder midiático. Ou Otto Sonnenholzner, que foi membro da Associação Equatoriana de Radiodifusores.

Nesta luta cotidiana por uma comunicação veraz, qual o inimigo a ser combatido?

Creio que estamos falando de Noboa, apontado por Luisa González como um Lasso 2.0. Eu compartilho desta opinião, porque ele é um empresário filho de Álvaro Noboa, que se não é o homem mais rico do Equador, é um dos três mais ricos. Suas empresas de bananas lhe deram um capital muito importante e é daí que vem Daniel Noboa. Assim, o poder de Noboa faz com que também seja comparado a Guillermo Lasso. Desta forma, mantém a mesmíssima linha de Lasso e segue seus traços de direita.

Como a família Noboa trata os trabalhadores, como se relaciona com os seus empregados?

Do que sabemos, há muita terceirização nas empresas de Noboa, não há filiação ao Instituto Equatoriano de Segurança Social (IESS), não garantem direitos trabalhistas, pagam salários miseráveis, mantêm contratos de cerca de três ou quatro meses e depois mudam de empresa, e assim seguem terceirizando, dando voltas e mais voltas para burlar a legislação e aumentando a precariedade laboral.

Durante o governo de Correa havia um compromisso com a democratização, com veículos públicos a serviço da população. Qual é a realidade atual?

Os meios públicos foram fundamentais para democratizar a cultura e as ideias no país, nas mais variadas áreas. Este período de oxigenação durou até 2019, no governo Moreno, com a liquidação da empresa pública de comunicação social, que não só incluía a Ecuador TV, mas também a televisão pública e a rádio pública.

Este foi um golpe muito forte para o jornalismo. No Equador passamos de um meio público, que dava voz aos cidadãos, que educava, como é um dos principais papéis da comunicação, a ser mercantil, mais um canal do governo, uma pequena empresa. As emissoras passaram a ter um objetivo comercial, quando o objetivo deveria ser construir e expandir a comunicação, fazendo com que chegasse a todo o território nacional um conteúdo de qualidade, permitindo o crescimento da população.

Como vês o trabalho da rádio daqui por diante?

Com rigor e respeitando o princípio da comunicação jornalística, que é ser para o povo, estar com as pessoas. Longe do cabo de guerra dos interesses políticos, dos interesses econômicos que querem dominar a comunicação. É necessário, portanto, confrontá-los dessa forma: com o verdadeiro sentido do jornalismo, longe dos interesses políticos e económicos que estão por detrás dos meios massivos, fazendo um trabalho público mais polido, voltado para a cidadania. O bom jornalismo é o que o povo merece, não caindo em provocações ou numa luta midiática centrada nos interesses deste ou daquele candidato, mas em ajudar a população a perceber os seus planos de trabalho, dando-lhe as ferramentas necessárias para perceber em quem vão votar neste segundo turno.

Porque há muito que educar com a nossa rádio e este é seu desafio e compromisso: sensibilizar as pessoas para que tenham em conta e reflitam sobre a situação atual do país.

Neste quadro de enfrentamento, quais os principais meios massivos de desinformação e manipulação?

Os meios hegemônicos, com maior poder econômico, atuam abertamente contra a candidatura de Luisa González. São a Teleamazonas – vinculada ao segundo principal banco do país -, a Ecuavisa e a TC Televisão, que antes pertencia ao Estado equatoriano. Os três estabeleceram uma só linha argumentativa, um discurso hegemônico de muito ódio para seguir polarizando o país, estigmatizando e satanizando o socialismo como corrente ideológica. E isso é muito nocivo para as pessoas.

O resultado é que acabam convidando para os seus programas apenas gente de uma linha de direita, extremamente conservadora. Foi isso o que fizeram para eleger Lasso e para isso estão trabalhando em favor de Noboa.

Esses meios hegemônicos tentam fazer acreditar e buscam implantar na cabeça de trabalhadores e empresários que o seu discurso reacionário é a verdade. Assim tentam fazer com que as pessoas olhem mal para um modelo que pode trazer progresso para elas e para o país.

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A grande mídia está fabricando uma polarização artificial e prejudicial contrária aos interesses nacionais?

Acredito que esta polarização entre correísmo e anti-correísmo prejudica não só a democracia, mas o Equador como um todo. Rompe com relações familiares, de amizade e até amorosas. Não é algo bom para um país que já está demasiado afetado, sangrando muito com a alta criminalidade, com a pobreza, com a desigualdade, com a falta de acesso à educação, à saúde, à segurança social, com uma elevada taxa de subemprego e desemprego. Acredito que já são problemas suficientes para termos de suportar lutas políticas que não fazem bem para as pessoas.

E há também milhões de equatorianos que se foram…

Pela gravidade da crise é que tanta gente se foi. Pessoas que saíram e não podem voltar, porque foram expulsas pelas condições econômicas e de insegurança. Devemos somar a isso exemplos na área jornalística, que é bom que se mencione, o autoexílio forçado de profissionais. São quatro jornalistas que tiveram de se exilar devido a ameaças contra a sua vida e de suas famílias. Uma delas, amiga minha, precisou nos deixar. Porque esse Estado não garante a vida para ninguém, nem para jornalistas, nem para candidatos presidenciais, nem para crianças assassinadas nas ruas. Esta é uma realidade que precisa ser mudada. E já.

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