STF condena os três primeiros golpistas com penas que chegam a 17 anos

Julgamento pode servir como jurisprudência quando Bolsonaro enfrentar a Justiça pela organização dos atos que culminaram no 8 de Janeiro

Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou nesta quinta (14) os primeiros três réus envolvidos na tentativa de golpe no dia 8 de janeiro.

Por maioria de votos, o STF condenou os golpistas por crimes de associação criminosa, golpe de Estado, abolição do Estado democrático de Direito, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

Os crimes foram imputados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) nesta quarta (13) e quinta. O subprocurador da República Carlos Frederico Santos disse que os acusados agiram contra a democracia ao participarem dos atos de vandalismo. Santos afirmou que o julgamento dos acusados representa “novo marco” na democracia brasileira.

“Buscou-se derrubar um governo que foi legitimamente eleito através do sufrágio universal, a pretexto de ter ocorrido fraudes nas eleições”, afirmou.

O ministro relator Alexandre de Moraes aceitou a denúncia da PGR para os três primeiros casos julgados nesta semana.

Aécio Lúcio Costa Pereira, 51, foi condenado a 17 anos de prisão, sendo que 15 anos e 6 meses devem ser cumpridos em regime fechado e 1 ano e 6 meses em regime aberto. Ex-funcionário da Sabesp (companhia de saneamento de São Paulo), Aécio Lúcio foi preso em flagrante dentro do Congresso pela Polícia do Senado.

Posteriormente, Thiago de Assis Mathar, 43, foi condenado a 14 anos de prisão, sendo que 12 anos e seis meses em reclusão. De São José do Rio Preto (SP), Mathar foi acusado pela PGR de furar o bloqueio policial e entrar no Palácio do Planalto.

Por último, Matheus Lima de Carvalho Lázaro, 24, de Apucarana (PR), que preso no Congresso Nacional, foi condenado também a 17 anos de prisão.

Os ministros também aplicaram multa de R$ 30 milhões para todos os três condenados por danos morais coletivos a serem pagos de forma solidária.

Como votaram os ministros

Nos três julgamentos, o voto do ministro-relator Alexandre de Moraes prevaleceu sob os demais colegas da corte. Moraes considerou clara a intenção do grupo de derrubar o governo democraticamente eleito em 2022, ao pedir intervenção militar.

Para o ministro, trata-se de um crime de execução multitudinária, ou coletiva, em que todos contribuíram para o resultado a partir de uma ação conjunta. O relator também disse estar comprovada a materialidade dos atos a partir de elementos como o interrogatório do réu, os depoimentos de testemunhas, pelas conclusões do interventor federal e pelos laudos elaborados pela Polícia Federal.

“Todas as condutas dessas pessoas que, como ficará demonstrado ao longo do voto, tramaram contra o Estado Democrático de Direito, contra um governo democraticamente eleito, contra esse Supremo”, afirmou.

O ministro afirmou que o “terraplanismo” e o “negacionismo obscuro” de algumas pessoas “faz parecer que no 8 de janeiro tivemos um domingo no parque”.

Em seguida, o ministro-revisor Nunes Marques proferiu o voto mais destoante do julgamento. Em seus votos, Marques absolveu os golpistas dos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

Indicado por Bolsonaro, o ministro defendeu que o fracasso dos golpistas na tentativa de virada de mesa estabelece que os reús não tinham chance de sucesso na intentona.

Assim, Nunes Marques acabou isentando o réu de crimes contra a democracia. Ele defendeu a condenação apenas por dano ao patrimônio público e depredação, com pena de 2 anos e meio de detenção em regime aberto.

O voto dele gerou inconformidade entre seus pares que, ao blog da jornalista Daniela Lima, da Globo News, afirmaram que “ele está dando uma autorização para fazerem tudo de novo”.

Cristiano Zanin votou pela condenação a 15 anos de prisão dos réus que tiveram a maior condenação e 11 anos para o menor. Em seu voto, ele disse que, durante os atos, houve um “contágio mental que transformou os aderentes em massa de manobra”, em que “os componentes da turba passam a exercer enorme influência aos outros, provocando efeito manada”.

“No caso em análise estamos a falar de crimes praticados objetivando a destituição de um governo legitimamente eleito e ainda aniquilar o Estado democrático de Direito, além de outras práticas criminosas”, disse.

Edson Fachin seguiu integralmente o voto de Moraes, assim como Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Rosa Weber.

Outro indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, o voto do ministro André Mendonça suscitou uma discussão que opôs ele aos ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Gilmar Mendes.

Mendonça argumentou que não via capacidade para o acusado Aécio Pereira ter praticado o crime de “tentativa de Golpe de Estado”, uma vez que ele não teria esse poder todo. Mendonça alegou que só seria uma tentativa “idônea” se praticada por quem teria a suposta capacidade de derrubar um governo.

Com essa alegação, Mendonça divergiu do voto de Moraes, pois defendeu que Pereira deveria ser absolvido pelo crime de “tentativa de golpe de Estado” e condenado pelo crime de “abolição violenta do Estado Democrático de Direito”.

A discussão entre Mendonça x Moraes

A discussão no plenário do STF se deu após o ministro André Mendonça afirmar em voto que não conseguia entender como o Palácio do Planalto teria sido invadido.

“Eu não consigo entender e carece de resposta como o Palácio do Planalto foi invadido da forma como foi invadido. Vossa Excelência, ministro Gilmar, sabe o rigor de vigilância e cuidado que deve haver lá”, disse Mendonça.

O ministro Alexandre de Moraes, então, pediu a palavra e disse que a fala do colega era “absurda” e insinuava que o governo teria participado de uma conspiração contra si mesmo.

“Vossa Excelência falar que a culpa é do ministro da Justiça é um absurdo quando cinco comandantes estão presos. Quando o ex-ministro da Justiça fugiu para os Estados Unidos e jogou o celular dele no lixo e foi preso, e agora Vossa Excelência vem ao plenário do Supremo Tribunal Federal, que foi destruído, [falar] que houve uma conspiração do governo contra o próprio governo”, rebateu Moraes.

Irritado, Mendonça tentou interromper o colega, para dizer que não estava defendendo nenhum dos presos. “Não coloque palavras na minha boca. Tenha dó, Vossa Excelência”, disse Mendonça.

Julgamento pode servir como referência para Bolsonaro

O rigor da pena dada aos três primeiros réus na tentativa de golpe no dia 8 de janeiro pode servir de prenuncio para uma eventual responsabilização do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Dos 11 ministros da Corte, nove seguiram o entendimento de que aquele evento foi uma tentativa de reverter o resultado das urnas de 2022, estabelecendo no país um regime de exceção.

Os julgamentos que seguirão na Ação Penal iniciada nessa semana têm atores com participação diferente. Existe aqueles que serviram como “massa de manobra”, como se referiu o ministro Zanin aos golpistas do fatídico ataque aos Três Poderes, mas há também aqueles que organizaram a narrativa desde antes da eleição.

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