A Etiópia nos BRICS – e a união  com a China

A Etiópia é o segundo país mais populoso da África, com 114 milhões de habitantes e uma economia eminentemente agrícola, ainda com uma das menores rendas per capita do mundo.  Entretanto, nos últimos 20 anos, a Etiópia é um dos países que mais cresceu

Foto de encerramento da Cúpula de Joanesburgo reúne amigos do BRICS. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Penso que seria errado as pessoas no Ocidente presumirem que podem comprar a boa governança na África. A boa governança só pode vir de dentro; não pode ser imposta de fora. Isso também foi uma ilusão. O que a China fez foi explodir essa ilusão”.

Meles Zenawi (1955-2012), ex-Primeiro Ministro da Etiópia

A última reunião dos BRICS que ampliou em seis o número do agrupamento é algo de grande significado para o sistema mundial, como foi observado por vários autores. José Luis Fiori afirmou que “a incorporação dos seis novos membros do BRICS significa uma verdadeira ‘explosão sistêmica’ da ordem internacional”.[1] Por sua vez, Alain Léauthier e Franck Dedieua compararam, na revista francesa Marianne, a reunião dos BRICS com uma nova reunião de Yalta, aquela realizada em 11 de fevereiro de 1945 e que marcou o fim da Segunda Guerra Mundial. A revista cita a inclusão de novos membros poderosos como o Irã e a Arabia Saudita[2].

Aqui, vou me ater ao novo membro bem menos poderoso e que mereceu menos atenção: a Etiópia. É o segundo país mais populoso da África, com 114 milhões de habitantes e uma economia eminentemente agrícola, ainda com uma das menores rendas per capita do mundo. A Etiópia está vinvulada a casos históricos de fome e o governo enfrentou entre 2020 e novembro de 2022 uma guerra contra a Frente de Libertação do Povo Tigré (FLPT)  na região norte de Tigray.

 Entretanto, nos últimos 20 anos, a Etiópia é um dos países que mais cresceu no mundo. Um milagre econômico com duração de duas décadas não é trivial. Entre 2004 e 2017, o país cresceu a taxa de dois dígitos em todos os anos, com exceção de 2012 e 2013. Para 2023 e 2024, o FMI prevê um crescimento de 6,27% e 6,36% respectivamente. Acima da media mundial que deverá ficar em torno de 2,5%. Entre 1999 e 2019 a renda per capta cresceu a uma taxa média anual de 9,3%.[3]A  Etiópia chegou a anunciar que cumpriria as metas do milênio da ONU e se tornaria um país de renda média em 2025.

Etiópia – Variação do PIB (2000-2024)

Fonte: FMI

A razão do crescimento impressionante da economia da Etiópia está ligada, principalmente, a relação econômica estreita com a China, seu principal parceiro comercial e investidor,  e numa política de desenvolvimento orientada pelo Estado. O país possui um sistema financeiro pouco desenvolvido, o que o torna muito dependente de crédito externo. Daí o apoio inestimável da China, responsável por um quarto da dívida externa do país. Pequim tem financiado diversas obras de infra-estrutura, incluindo energia, estradas e ferrovias. Entre elas: a construção da ferrovia Adis Abeba-Djibouti, inaugurada em outubro de 2016, a primeira ferrovia eletrificada de alta velocidade que liga a capital da Etiópia até o porto de Djibuti. O porto de Djibuti é o maior da África e foi construída pela China Civil Engineering Construction Corporation (CCECC) com financiamento de US$ 2,5 bilhões do Export-Import Bank of China.[4] O porto é estratégico para a China, já que em Djibuti está localizada sua primeira Base Militar fora do seu território e ponto de escoamento da produção etíope – em torno de 90% das suas importações passam pelo porto – uma vez que o país não possui saída para o mar, dificultando seu comércio externo.

Outra política importante foi a criação Zonas Econômicas Especiais (ZEEs) onde foram construídos parques industriais. As ZEEs é parte do esforço de desenvolver um setor industrial voltado às exportações. Há dois parques industriais em completo funcionamento. O Parque Industrial Bole Lemi Phase 1 inciou suas operações em 2014 e atende a diversos investidores da China, Índia e Coreia do Sul. Já o Parque Industrial de Hawassa, construído pela CCECC em 2016, está concentrado na fabricação de vestuário e têxteis. O parque de Hawassa é o principal da Etiópia. Outros parques industriais também  foram ou estão sendo erguidos por construtoras chinesas[5]. A China também construiu estradas, metrô, sistemas de esgoto, um parque de energia eólica e ajudou a financiar a “Grande Barragem da Renascença Etíope”,  que será a maior central hidroelétrica da África quando concluída, aumentando a segurança energética para Etiópia e de toda região. Além disso, centenas de etíopes vão à China todos os anos para cursos de formação.

Em janeiro de 2021, o governo etíope anunciou o Plano de Desenvolvimento de Dez Anos da Etiópia (2021-2030). O Plano visa tornar o país em um “farol africano de prosperidade”, a partir da aceleração do investimento do setor público e privado[6]. Agora, que a Etiópia integra os BRICS é provavel que aumente o interesse dos investidores no país, o que pode também melhorar as condições políticas com seus vizinhos. Por exemplo, a “Grande Barragem da Renascença Etíope” vem sendo contestada pelo Egito por conta das consequencias sobre o fluxo de água no Rio Nilo. Na medida em que os dois países fazem parte dos BRICS é provável que as desavenças em torno dessa questão sejam resolvidas.

E o que o Ocidente, mais especificamente os Estados Unidos, oferece? Protestam porque o Banco Mundial está sendo excluído dos projetos de financiamento, assim como o FMI na renegocição das dívidas; lamentam que o financiamento chinês não vem acompanhado de condicionalidades relacionadas à adoção de políticas neoliberais e políticas pró-Ocidente. Enquanto isso, em junho deste ano, Washington cortou a ajuda alimentar concedida a Etiópia com o argumento de que a ajuda não chegava as pessoas necessitadas. Isso no momento que o Chifre da Africa enfrenta a pior seca das últimas quatro décadas.

Logo, não é surpreendente que a Etiópia, e os países africanos em geral, tem preferido estar mais próximo da China do que do Ocidente.


[1] Fiori, José Luís. “Novo BRICS saco                         de a geopolítica global”. Tutameia, 26 de agosto de 2023. Disponível em: https://tutameia.jor.br/novo-brics-explode-a-ordem-internacional/. Acesso em: 09 de setembro de 2023.

[2] Léauthier, Alain; Dedieu, Franck. “Élargissement des Brics : un nouveau Yalta… sans nous”  Marianne, 2 de setembro de 2023. Disponível em: https://www.marianne.net/monde/elargissement-des-brics-la-revanche-du-sud-global-face-aux-occidentaux Acesso em: 09 de setembro de 2023.

[3] The violence in Ethiopia imperils an impressive growth record. The Economist, 20 de novembro de 2021. Disponível em https://www.economist.com/finance-and-economics/2021/11/20/the-violence-in-ethiopia-imperils-an-impressive-growth-record. Acesso em: 02 de setembro de 2023.

[4] African Development Bank Group. “Ethiopia: Accelerating Reforms for Inclusive Growth and Structural Transformation” – Country Diagnostic Note, dezembro de 2021.

[5] “Parques industriais construídos pela China impulsionam ambição da Etiópia no setor manufatureiro e na criação de empregos” Xinhua Português, 30 de agosto de 2019. Disponível em: <http://portuguese.xinhuanet.com/2019-08/30/c_138350977.htm>. Acesso em: 07 de setembro de 2023.

[6] African Development Bank Group. “Ethiopia: Accelerating Reforms for Inclusive Growth and Structural Transformation” – Country Diagnostic Note, dezembro de 2021.

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