Weber diz que criminalizar aborto castiga mulheres mais vulneráveis

Presidente do STF pautou e votou favorável à descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez. Um pedido de destaque suspendeu o julgamento

Ministra Rosa Weber (Foto: Fellipe Sampaio /SCO/STF)

Dias antes da sua aposentadoria, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, pautou e votou nesta quarta-feira (21) a favor da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez.

O julgamento virtual foi suspenso por um pedido de destaque do ministro Luís Roberto Barroso para que a ação seja julgada no plenário de forma presencial. Ainda não tem data definida.

A magistrada é relatora da arguição por descumprimento de receito fundamental (ADPF), protocolada pelo PSOL e pelo Instituto de Bioética (Anis), em março de 2017.

Weber julgou procedente ação pela qual se sustenta que os artigos 124 e 126 do Código Penal, que instituem a criminalização da interrupção voluntária da gravidez, não estão de acordo com as garantias individuais previstas na Constituição.

Ao defender a competência do STF para analisar o tema, Weber levantou outras questões como o direito à saúde, discriminação de gênero e justiça social.

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“Nesse quadro do impacto desproporcional da criminalização, ponto que foi objeto de exaustiva deliberação na audiência pública, fica evidente seu caráter punitivo social, vale dizer, sua natureza de imposição de castigo às mulheres, notadamente as mais vulneráveis”, disse a ministra.

“Ou seja, estão presentes nos contextos sociais de suficiência econômica, onde têm acesso ao aborto seguro, bem como naqueles de baixa ou hipossuficiência econômica, onde acessam o aborto clandestino e inseguro, da perspectiva sanitária, e ainda com a resposta mais extrema do Estado, a coerção penal”, completou.

Weber iniciou seu voto alegando que na democracia é papel do STF “controlar as leis e atos do poder público para garantir que elas estejam em conformidade com a Constituição”.

“Isso é importante porque a democracia não se resume à regra da maioria. Na democracia, os direitos das minorias são resguardados, pela Constituição, contra prejuízos que a elas (minorais) possam ser causados pela vontade da maioria”, diz.

De acordo com ela, a questão da criminalização da decisão, portanto, da liberdade e da autonomia da mulher, em sua mais ampla expressão, pela interrupção da gravidez perdura por mais de 70 anos em nosso país.

“Nós mulheres não tivemos como expressar nossa voz na arena democrática. Fomos silenciadas! Não tivemos como participar ativamente da deliberação sobre questão que nos é particular, que diz respeito ao fato comum da vida reprodutiva da mulher, mais que isso, que fala sobre o aspecto nuclear da conformação da sua autodeterminação, que é o projeto da maternidade e sua conciliação com todos as outras dimensões do projeto de vida digna”, afirmou.

Machismo

Nesse contexto, a magistrada destacou as atitudes machistas existentes em torno do assunto. “A criminalização perpetua o quadro de discriminação com base no gênero, porque ninguém supõe, ainda que em última lente, que o homem de alguma forma seja reprovado pela sua conduta de liberdade sexual, afinal a questão reprodutiva não lhe pertence de forma direta”, criticou.

Mortalidade

A ministra disse que é há um consenso em classificar o aborto como um problema de saúde pública das mulheres, uma vez que o procedimento inseguro é uma das quatro causas diretas da mortalidade materna.

“Como justificar a política criminal do Estado em torno ao aborto? Qual a sanção a ser imposta à mulher que toma decisão, em seu foro íntimo, que ocasiona violência consigo mesma? Como pensar a função de reeducação e ressocialização da mulher nesse caso? A mulher não se trata de pessoa a ser reintegrada socialmente, são mulheres que trabalham, que não raro já têm famílias e sustentam seus outros filhos”, afirmou.

Vida

A ministra também argumentou que a Constituição só garante direitos fundamentais, como à vida, aos “nascidos no Brasil”. Ou seja, a garantia de direitos só ocorre após o nascimento, e não desde a concepção.

“Essa conclusão resulta mais evidente quando se observa que não há referência em qualquer passagem do texto constitucional aos não nascidos, seja na condição de embrião ou de feto. Não basta ter vida, ela tem que ser digna em suas variadas dimensões”, observou.

Também afirmou que há falta de consenso a respeito de quando inicia a vida, mesmo para a área da ciência, “na qual dissensos razoáveis sobre a questão coexistem desde sempre”.

“Como afirmado, na audiência pública, pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), na exposição da doutora Helena Nader, o conhecimento científico permite falar sobre critérios para definição de vida em nível celular, mas não de vida humana. Lado outro, igualmente constata-se a inexistência de consensos sobre o início da vida humana no campo da filosofia, da religião e da ética”, disse.

Direitos reprodutivos

O Estado tem legítimo interesse (e deveres) na proteção da vida humana configurada no embrião e no nascituro conforme a legislação civil, por exemplo. “Todavia, essa proteção encontra limites no Estado constitucional, e a tutela desse bem não pode inviabilizar, a priori, o exercício de outros direitos fundamentais também protegidos pela legislação nacional e tratados internacionais de direitos humanos, incluindo-se os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres”.

As leis em questão:

Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:

Pena – detenção, de um a três anos.

Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante:

Pena – reclusão, de um a quatro anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência

O que é permitido

Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico: 

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

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