Augusto Aras encerra gestão na PGR receoso da blindagem à Bolsonaro

Nunca um presidente foi tão abusivo no exercício do poder, enquanto o procurador-geral ignorou quatro anos de crimes de responsabilidade. Agora, fica o receio de perder o foro privilegiado.

Antônio Augusto Brandão de Aras, ex-procurador-geral da República. Foto Marcelo Camargo ABr

O procurador-geral da República, Augusto Aras, conclui seu mandato, nesta terça-feira (26), carregando a medalha de ter sido o mais subserviente a Jair Bolsonaro, o presidente que o nomeou, quatro anos atrás. Conseguiu superar até mesmo o apelido de Geraldo Brindeiro, o engavetador-geral da República.

Como Brindeiro, Aras mostrou que, ainda que o presidente tenha cometido um crime gravíssimo, é seu cargo que define se a denúncia segue adiante ou morre na sua mesa. A decisão de punir um presidente por crime de responsabilidade acaba sendo política, caso se leve adiante um pedido de impeachment. Bolsonaro foi alvo de 140 pedidos desses, todos ignorados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira.

Quando Bolsonaro o nomeou em 2019 e o reconduziu em 2021, rompeu com a tradição de escolher o procurador-geral a partir da lista tríplice elaborada pela categoria. A situação gerou protestos de procuradores por todo o Brasil, mas pode se repetir com Luiz Inácio Lula da Silva que já disse que também não vai seguir lista tríplice. Dependendo do escolhido, Aras teme ser investigado por tudo que deixou de fazer em quatro anos.

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Ouvidos moucos

Em uma avaliação de sua gestão feita ao apagar das luzes, Aras destacou o amplo redesenho institucional que implementou no MPF, realocando forças de trabalho em todo o país e fortalecendo a luta contra a corrupção dentro do órgão. Durante seu período no cargo, a Procuradoria-Geral da República instaurou 222 investigações envolvendo cerca de 500 autoridades com foro privilegiado, o que Aras chamou de “30 anos em quatro”.

Ele celebra seu feito de deixar apenas 19 processos judiciais pendentes nas assessorias subordinadas a ele.”Trabalhamos diuturnamente para cumprir o dever constitucional do Ministério Público de servir e bem servir ao público, ao povo e a todos os brasileiros”, declarou.

No início de sua gestão, havia um número significativo de representações de inconstitucionalidade aguardando análise da PGR, totalizando 820 casos. Atualmente, existem apenas 27 representações aguardando exame.

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Sua gestão, no entanto, foi marcada por críticas devido ao arquivamento de pedidos de investigação contra o ex-presidente Bolsonaro, especialmente em questões como a pandemia de covid-19 e manifestações antidemocráticas. Aras argumentou que sua atuação visava não politizar sua posição, destacando que arquivou mais pedidos de apuração contra o ex-presidente Lula e seu governo do que contra Bolsonaro.

Aras também enfrentou embates internos com seus colegas na PGR, incluindo discussões acaloradas e até mesmo uma tentativa de luta corporal. Fala-se que figuras proeminentes do Ministério Público Federal fugiram para o setor privado ou Tribunais Regionais devido ao clima tenso na instituição instaurado por Aras. A blindagem de Bolsonaro era o maior motivo de brigas pelos corredores.

Um dos principais focos de sua gestão foi desmontar a estrutura das forças-tarefas, notoriamente conhecidas pela Operação Lava Jato. Aras, crítico da Lava Jato, buscou institucionalizar o combate à corrupção no MPF, o que resultou no fim das forças-tarefas em Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro. Aras afirmava que a operação deixou um “legado maldito”.

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Aras pediu para que o STF suspendesse o inquérito das fake news, assim como não via problema atuação de pastores lobistas no Ministério da Educação. Arquivou mais de 70 pedidos de investigação contra Bolsonaro. Também negou qualquer ilegalidade nas declarações do ex-capitão contra medidas de combate à covid-19 ou em falas racistas. Apesar das ameaças de Bolsonaro feitas a ministros do STF, em 2021, Aras ignorou os atos políticos ocorridos durante a comemoração do Dia da Independência. Restou apenas uma ação aberta pela PGR contra Bolsonaro: a interferência do ex-presidente na Polícia Federal, que já foi arquivada.

Futuro de Aras

A nomeação do novo procurador-geral agora dependerá do presidente Lula. O indicado precisará passar por sabatina no Senado antes de assumir o cargo. Até então, a PGR será liderada interinamente pela subprocuradora-geral Elizeta Maria de Paiva Ramos.

Segundo colunistas da imprensa, o ex-procurador-geral da República não esconde seu receio de procedimentos administrativos disciplinares (PADs) para apurar seus quatro anos de gestão, especialmente na pandemia. Aras não deve pedir aposentadoria logo depois de deixar o cargo, para não perder o foro privilegiado no Superior Tribunal de Justiça. 

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Ele chegou a escrever um livro sobre os supostos feitos do MPF na pandemia e entregou o primeiro exemplar a Lula. Se pretendia se cacifar para ser o escolhido, não deu certo.

Hoje, os nomes que despontam como os mais cotados para sucedê-lo na PGR são o vice-procurador-geral eleitoral Paulo Gonet e o subprocurador Antônio Carlos Bigonha. Se o presidente optar por Gonet ou Bigonha, Aras deixa claro que teme ser “perseguido” por Bigonha e coloca sua preferência por Gonet, que seria grato por ter sido designado por ele ao posto de vice-procurador-geral eleitoral.

Augusto Aras, que é natural de Salvador, Bahia, é doutor em Direito Constitucional e ingressou no MPF em 1987, sendo promovido a subprocurador-geral da República em 2011.

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