Aumentou interesse da população na eleição dos conselhos tutelares

Houve registro de algumas irregularidades que serão acompanhadas pelo ministério de Direitos Humanos e pelos ministérios públicos

São Paulo (SP) 01/10/2023 – Ministro Silvio Almeida vota em São Paulo para o Conselho Tutelar, na Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Martin Francisco Ribeiro de Andrada, na Vila Mazzei (SP). Foto Paulo Pinto/Agencia Brasil

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania divulgou um boletim sobre as eleições dos conselheiros tutelares municipais de 2023, indicando um aumento geral no número de votos nas urnas eletrônicas. Neste domingo (1°), foram eleitos mais de 30 mil conselheiros tutelares, com uso de mais de 56 mil urnas eletrônicas, cedidas pela Justiça Eleitoral, pela primeira vez usadas em todo o país. 

O governo federal mobilizou esforços para incentivar a participação da população nesse pleito, mesmo sendo facultativo, com o objetivo de mostrar a importância do trabalho dos conselheiros tutelares na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes.

O secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do MDHC, Cláudio Augusto Vieira da Silva, comentou que esse aumento era esperado, mesmo sendo a eleição para conselheiros tutelares facultativa e muitas pessoas ainda não compreendem totalmente a importância e o funcionamento desses conselhos. Ele também mencionou que as chuvas fortes em algumas regiões do Brasil podem ter afetado a participação dos eleitores. O aumento começou em pelo menos 10% de participação.

De acordo com o balanço parcial do MDHC, o município de Joinville (SC) teve o maior aumento no comparecimento, com um aumento de 50% nas seções eleitorais em comparação com a última eleição de conselheiros tutelares em 2019. A apuração parcial também indicou que Palmas (TO) foi a primeira capital a concluir a apuração, com um aumento de mais de 10% no número de eleitores em relação a 2019.

Denúncias

No entanto, o secretário mencionou que houve problemas em alguns municípios, como Uberlândia (MG), Rio Largo (AL) e Santana do Ipanema (AL), onde ocorreram eleições indiretas irregulares, com vereadores e membros dos conselhos tutelares municipais escolhendo os novos conselheiros, o que é vetado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pela resolução 231 do Conanda.

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania informou que atuará para garantir eleições diretas, conforme previsto no ECA e na Resolução 231/2022 do Conanda. Além disso, envolvidos são investigados, e caso se comprovem candidaturas com práticas vedadas, serão cassadas, porque se considera que não tem idoneidade moral para ocupar um cargo tão importante.

O promotor João Luiz de Carvalho Botega destacou a importância de denunciar irregularidades, como abusos do uso da máquina pública, do poder religioso, do poder político e/ou poder econômico, e que tais condutas vedadas podem resultar na perda da vaga no conselho tutelar.

Além disso, foi enfatizado que o papel dos conselheiros tutelares é cuidar, fiscalizar e proteger os direitos das crianças e adolescentes, e não se envolver em questões políticas ou religiosas. A resolução do Conanda proíbe abusos de poder político, econômico e religioso durante a campanha para conselheiros.

Vieira também mencionou o fato do pleito ter sido marcado pela polarização entre candidatos e eleitores conservadores e progressistas nas últimas semanas. Abusos religiosos foram alvo do Ministério Público Federal, no Rio de Janeiro, conforme se espalhou informações falsas sobre candidaturas para prejudicá-las.

Ele entende que alguns candidatos a conselheiros não entenderam muito bem o papel a ser desempenhado e a função dos conselhos tutelares, mas, acredita que o país caminha para um entendimento maior dessas questões.

No domingo, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, ao votar em São Paulo, disse que o ministério responsabilizará os conselheiros que se distanciarem da missão que deveriam cumprir. “Eles são funcionários, agentes públicos e devem ser valorizados por isso, mas também têm que ter a responsabilidade que têm os servidores públicos. O Conselho Tutelar não serve para se fazer proselitismo, nem político, nem religioso. Simplesmente, [deve] ter em mente, como objetivo, o cuidado de crianças e adolescentes, conforme determina a lei”, reforçou.

Predominância conservadora

Lideranças comunitárias consultadas pelo Portal Vermelho confirmam que a eleição teve predominância de eleitos ligados a bancadas de direita e religiosos evangélicos. O presidente da Conam (Confederação Nacional de Associações de Moradores), Getúlio Vargas Júnior Conam, diz que houve um esforço de setores progressistas para divulgar nomes sérios, comprometidos com as lutas pelos direitos da infância.  

Ele acompanhou os resultados no Rio Grande do Sul e afirma que, na maioria das cidades a hegemonia de direita marcou o resultado. “Onde o voto era individual teve uma redução de danos, mas onde se votava em vários candidatos, houve montagem de chapas, o que não permitiu chance para outros candidatos”, diz ele. O processo eleitoral proibia formação de chapas, mas isso ocorreu informalmente por correntes de aplicativos de mensagens.

Nágyla Drumond, socióloga (UECE) e diretora nacional de mulheres da Conam, também observou este fenômeno de dominância conservadora em Fortaleza. Ela observa uma relação clientelista entre setores organizados e a população mais carente da periferia. Para ela, é preciso que os setores mais progressistas tenham consciência da importância de eleger conselheiros tutelares em áreas de dominância religiosa ou de crime organizado. “O povo é de carne e osso e todo dia precisa do mínimo do mínimo pra tocar a vida. Quem chega primeiro na hora da agonia sempre será lembrado na hora do voto”, diz ela, ressaltando que o que é oferecido para a pessoa carente, como benefício, muitas vezes é fruto de desvio de recursos públicos. 

Para ela, nem sempre estas pessoas estão vinculadas a um projeto ideológico, mas diretamente à construção de capital eleitoral. “Por mais que tenhamos que continuar teimando, o debate no pleito de ontem, não é entre o ECA e a Bíblia. O debate de ontem é sobre quem atua e quem não atua no cotidiano das cidades, dos bairros, comunidades e territórios”, diz ela, lamentando que setores mais conscientes da importância dos conselheiros muitas vezes estão distantes destas bases eleitorais. 

O ministério apontou que as eleições foram adiadas em algumas localidades. A maior delas foi o município de Natal (RN), onde houve problema de logística na distribuição das urnas eletrônicas. Já em dez microrregiões do Rio Grande do Sul, devido às fortes chuvas, em setembro, o adiamento em alguns municípios foi confirmado previamente.

Em Belo Horizonte (MG) e Maceió (AL), houve a transferência para urnas de papel e, com isso, a votação foi prorrogada até 18h30. A votação em cédula já estava prevista. Em Ceará-Mirim (RN), embora houvesse cinco candidatos, a urna foi programada para votar apenas em um.

Os municípios de São Paulo, Guarulhos (SP), Palmas (TO), Fortaleza (CE) e São Luís (MA) ofereceram transporte gratuito aos eleitores, conforme solicitado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

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