Governo reconhece sentença da OEA e corrige causa da morte de Herzog

Ao Vermelho, presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo saudou o fato do estado brasileiro iniciar o cumprimento de sentença pelo assassinato do jornalista pela ditadura militar.

(Foto: Acervo)

O governo federal brasileiro publicou no Diário Oficial da União a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que condenou o Estado brasileiro pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog sob tortura por agentes do DOI-Codi em São Paulo, ocorrido em 25 de outubro de 1975. A portaria assinada pelo ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, foi divulgada no final de setembro, após cinco anos e meio da determinação do tribunal.

A sentença da CIDH e a correção da causa da morte de Herzog marcam um avanço significativo na busca por justiça e reparação pelos crimes cometidos durante o regime militar no Brasil, assim como questiona a Lei de Anistia que permitiu a impunidade para os torturadores. Além disso, reforçam a responsabilidade do Estado em relação aos danos materiais e morais causados às vítimas dessa época sombria da história brasileira, além de obrigar o governo a retomar as investigações e punições.

O presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo (SJSP), Thiago Tanji, saudou o cumprimento da sentença pelo estado brasileiro. No próximo dia 24 de outubro ocorre a cerimônia do Prêmio Vladimir Herzog, quando esta decisão do governo será lembrada e celebrada. O Prêmio destaca obras jornalísticas que tenham os direitos humanos como centro da pauta.

“É essa reconstrução que o Brasil tanto necessita. A gente tem que se reencontrar com a verdade e, para isso, é necessário relembrar do nosso passado violento e realizar também não só os esclarecimentos, mas também as punições para as pessoas que infelizmente cometeram esses crimes e ficaram impunes”, afirmou ao Portal Vermelho.

O sindicalista lembrou que a memória de Herzog é muito presente e significativa para os jornalistas, em geral. Assim que se soube do assassinato, o Sindicato fez uma grande assembleia no que hoje se chama Auditório Vladimir Herzog. “Isso deu início as grandes manifestações ecumênicas que culminaram com uma rachadura, o início de um ponto final à ditadura, em 1975”, avalia ele.

Para ele, é muito importante que haja uma mudança de conjuntura em que o governo brasileiro reconheça os crimes cometidos no passado sob a tutela do Estado, especialmente, “depois de a gente ter sobrevivido, durante quatro anos, sobre um governo que não só negava tudo o que aconteceu na ditadura, mas exaltava seus crimes”. Principalmente, quando caso envolvido é o da tortura e morte de Herzog, “talvez um dos casos mais emblemáticos, entre tantos outros que aconteceram nos porões da ditadura”.

Consequências do reconhecimento

Além de reconhecer a condenação, a sentença da CIDH estabelece que o Estado brasileiro adote medidas para reconhecer a imprescritibilidade das ações emergentes de crime contra a humanidade, ou seja, não haverá prazo limite para buscar justiça em casos desse tipo. A decisão também impõe o pagamento de US$ 180 mil à família de Vladimir Herzog como forma de reparação.

Um importante aspecto da sentença é a retificação da causa da morte de Vladimir Herzog. O juiz Márcio Martins Bonilha Filho, da 2ª Vara dos Registros Públicos em São Paulo, determinou a retirada da informação de suicídio da certidão de óbito do jornalista, substituindo-a por “lesões e maus-tratos no extinto DOI-CODI”. Esse processo de retificação do Registro Civil das Pessoas Naturais busca restabelecer a verdade sobre os fatos relacionados aos atos do Estado Civil, corrigindo erros e omissões.

A Justiça acolheu o pedido da Comissão Nacional da Verdade, responsável por esclarecer violações de direitos humanos durante o regime militar, que investigou o caso a pedido da viúva de Vladimir Herzog, Clarice Herzog.

Vladimir Herzog foi chamado para prestar esclarecimentos ao DOI-Codi em 25 de outubro de 1975 e, pouco depois, o órgão divulgou a versão de sua morte por suicídio. No entanto, essa versão foi posteriormente desmentida, e o jornalista foi reconhecido como vítima de prisão, tortura e morte por responsabilidade do Estado brasileiro.

Pressão internacional

A investigação do caso Vladimir Herzog tramitou na OEA desde 2009, com o governo brasileiro alegando anteriormente que era impossível punir os responsáveis devido à Lei de Anistia de 1979, que beneficiou também agentes do Estado acusados de violações dos direitos humanos.

Em junho de 2018, a OEA condenou o Estado brasileiro pela morte de Herzog e determinou a realização de “um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional pelos fatos do presente caso, em desagravo à memória de Vladimir Herzog e à falta de investigação, julgamento e punição dos responsáveis por sua tortura e morte”.

A decisão do governo brasileiro de publicar a sentença e reconhecer sua condenação pela CIDH ocorre após encontros entre Ivo Herzog, filho do jornalista Vladimir Herzog, e autoridades governamentais, incluindo o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, representantes dos ministérios de Relações Exteriores e de Direitos Humanos, além do Supremo Tribunal Federal (STF), no final de setembro.

Esta é a segunda vez que a Corte Interamericana condena o Brasil por violações ocorridas durante o regime militar, destacando a necessidade de adequação do direito interno brasileiro à Convenção Interamericana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, em relação à aplicação da Lei de Anistia.

Agora, o Ministério dos Direitos Humanos enfrenta o desafio de implementar os demais requisitos da sentença da CIDH, o que inclui a retomada da investigação e do processo penal para identificar, processar e, se for o caso, punir os responsáveis pela tortura e morte de Vladimir Herzog, reconhecidos como crimes contra a humanidade pela corte internacional.

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