Metalúrgicos em risco: acordo Mercosul-UE pode fechar milhares de empregos

Mercosul tende a incrementar a exportação de commodities, especialmente produtos agrícolas. Já a UE despejaria na América do Sul mais e mais bens industrializados, com alto valor agregado

Mesmo com avanços nos termos de negociação, o acordo para uma área de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE) ameaça milhares de empregos nos países sul-americanos, especialmente no Brasil. Se as tarifas de importação forem isentas – ou mesmo reduzidas –, certamente haverá estímulo às trocas comerciais entre os dois blocos, mas de modo desigual.

Curiosamente, numa espécie de golpe retórico, Robson Braga, presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), já chegou a dizer que o acordo Mercosul-UE será o “passaporte para o Brasil entrar na liga das grandes economias do comércio internacional”. De acordo com estimativas da entidade patronal, mais de 778 mil empregos podem ser gerados no País em dez anos, caso o Brasil confirme a previsão de elevar suas exportações, nesse período, em 23,6%.

A euforia está longe de se sustentar. Especialistas apontam para o risco de um “pacto neocolonial”: o Mercosul tende a incrementar a exportação de commodities, especialmente produtos agrícolas. Já a UE despejaria na América do Sul mais e mais bens industrializados, com alto valor agregado.

“O acordo entre UE e Mercosul tem o gosto de vinho velho em garrafa velha”, ironizou, recentemente, o economista André Roncaglia, colunista da Folha de S.Paulo. Com base em dados da plataforma DataViva (Cedeplar/UFMG), Roncaglia deixa claras as “assimetrias” atuais entre os dois blocos: “65% da pauta de exportações brasileiras à UE são alimentos e minérios (com preço médio de US$ 0,64), enquanto 70% das importações vindas da UE são máquinas, produtos químicos, veículos e autopeças (com preço médio de US$ 3,10)”.

Um dos setores mais vulneráveis é o automotivo. Todas as montadoras instaladas no País são multinacionais estrangeiras, que veem vantagens competitivas tanto na produção como na comercialização de veículos em território brasileiro. Essa combinação atraiu dezenas fabricantes e fornecedoras ao Brasil, gerando hoje centenas de milhares de empregos, diretos e indiretos.

A isso se somou o que os críticos mais maledicentes chamam de “protecionismo brasileiro” – os decibéis dessa turma são bem mais modestos para falar do protecionismo de qualquer outro país, seja os Estados Unidos, seja a China, seja qualquer um. O fato é que hoje, para um carro produzido na União Europeia ser vendido no Brasil, a alíquota é de até 35%, no caso de veículos a combustão – somente os elétricos são isentos.

E se o acordo Mercosul-UE for aprovado tal como está previsto, com impostos para importação de veículos substancialmente reduzidos – ou até zerados.

Para o consumidor, pode ser um trunfo. Para a indústria nacional, nem tanto. “Essa simples diminuição (na alíquota de importação) já seria um impacto grande entre os veículos médios e grandes no Brasil”, declarou ao UOL Cássio Pagliarini, da Bright Consulting. Isso porque a alíquota está acima da média no Brasil, o que estimulou a instalação de plantas em diversos estados.

Pagliarini lembra que, conforme a OMC (Organização Mundial do Comércio), 23% é uma espécie de teto razoável para “uma barreira comercial. Com a alíquota zerada, a pressão sobre o mercado brasileiro será instantânea. Fábricas podem fechar, por falta de competitividade, e milhares de postos de trabalho serão extintos.

“A participação de carros importados no mercado nacional é interessante até 10% ou 15%. Passando disso, o risco é a União Europeia aumentar sua capacidade de produção a um ponto que fique mais competitivo importar do que fabricar aqui”, resume o consultor. “Nesse caso, o País acaba perdendo na dependência e no fechamento de postos de trabalho.”

As montadoras fabricam cerca de 2,5 milhões de carros anualmente no Brasil, embora tenham capacidade para produzir 4,5 milhões. Cerca de 500 mil veículos são exportados. Se a demanda local por esses carros cair – em benefício de automóveis de origem europeia –, a crise no emprego metalúrgico será inevitável.

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