Nos quatro anos de Bolsonaro, trabalho infantil aumentou 7% no Brasil 

Entre 2019 e 2022, tendência de queda que vinha desde 2016 foi revertida. No ano passado, país tinha cerca de 1,9 milhão de crianças e adolescentes nessa situação

Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado

Nos quatro anos do governo de Jair Messias Bolsonaro (PL), que em várias oportunidades defendeu abertamente o trabalho infantil, esta prática saltou 7% no país. Nesse mesmo período, de 2019 a 2022, a população dessa faixa etária (dos 5 aos 17 anos), diminuiu 1,4%. Ao todo, o Brasil somava, em 2022, 1,9 milhão de crianças e adolescentes submetidos a essa situação, o que corresponde a 4,9% de toda a população brasileira dessas faixas. 

Os dados foram divulgados nesta quarta-feira (20) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo a pesquisa, “em 2022, entre aqueles que estavam em trabalho infantil, 1,4 milhão estavam ocupados em atividades econômicas, enquanto 467 mil produziam para consumo próprio” 

As atividades econômicas envolvem algum trabalho na semana de referência que seja remunerado com dinheiro, produtos ou mercadoria ou, ainda, sem remuneração, quando ajudam na atividade econômica de familiar ou parente. 

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Ainda de acordo com o IBGE, a produção para consumo próprio gera bens e serviços para uso exclusivo dos moradores do domicílio. Algumas atividades relacionadas ao consumo próprio são o cultivo, a pesca, a caça, a criação de animais, ou construção e reparos no próprio domicílio. 

“Dos 38,4 milhões de pessoas de 5 a 17 anos no país, 2,1 milhões realizaram atividades econômicas ou produção para consumo próprio ou as duas coisas simultaneamente. É importante ressaltar que nem todo trabalho realizado pelas pessoas dessa faixa etária é considerado trabalho infantil”, explica a coordenadora de Pesquisas por Amostra de Domicílios do IBGE, Adriana Beringuy.

Vale destacar ainda que em 2022, 756 mil crianças e adolescentes exerciam as piores formas de trabalho infantil, que envolviam risco de acidentes ou eram prejudiciais à saúde. 

Inversão de tendência

Esse crescimento foi na contramão do que havia sido detectado em anos anteriores. De 2016 a 2019, o contingente em situação de trabalho infantil diminuiu 16,8% — no mesmo período, essa população caiu 4,1%. Porém, saiu de 1,758 milhão em 2019 para 1,881 em 2022. 

Segundo levantamento feito pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre 1992 e 2015 houve uma queda de 68% no trabalho infantil, o que corresponda a cerca de 5,7 milhões de crianças e adolescentes a menos nessas atividades. 

Do total de crianças e adolescentes nessa situação, 23,9% tinham de 5 a 13 anos; 23,6% tinham 14 e 15 anos e 52,5% tinham 16 e 17 anos de idade. Entre os adolescentes com 16 a 17 anos em situação de trabalho infantil, 32,4% trabalhavam durante 40 horas ou mais por semana.

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Também foi constatado que a grande maioria é do sexo masculino (65,1%), ante 34,9% do sexo feminino e o rendimento das meninas, R$ 639, foi equivalente a 84,4% do rendimento dos meninos, R$ 757, nessa situação.

No recorte racial, prevalece a situação de maior vulnerabilidade da população negra também nessa faixa etária. “A proporção de pretos ou pardos em trabalho infantil (66,3%) superava o percentual desse grupo no total de crianças e adolescentes do país (58,8%). Já a proporção de brancos em trabalho infantil (33%) era inferior à sua participação (40,3%) no total de crianças e adolescentes”, aponta a pesquisa. 

Além disso, o rendimento das crianças e adolescentes pretos ou pardos em trabalho infantil (R$ 660) era equivalente a 80,8% do rendimento das crianças e adolescentes brancos (R$ 817) nessa situação.

Outro dado trazido pelo levantamento é que cerca de 76,6% dos adolescentes de 16 e 17 anos trabalhando em atividades econômicas estavam na informalidade, o equivalente a 810 mil trabalhadores infantis informais, o maior percentual de informalidade para esse grupo desde o início da série histórica, em 2016, segundo o IBGE. 

No que diz respeito à frequência escolar, cerca de 97,1% da população de 5 a 17 anos eram estudantes, mas a proporção caia para 87,9% entre as crianças e adolescentes dessa faixa etária em situação de trabalho infantil.

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Conforme Beringuy, “não consideramos apenas se as crianças e adolescentes estão no mercado de trabalho, mas em quais condições eles estão trabalhando. Todas as crianças de 5 a 13 anos ocupadas em atividades econômicas ou na produção para o consumo próprio estão em situação de trabalho infantil”. 

No entanto, lembra, a legislação permite o trabalho como menor aprendiz para o grupo de 14 e 15 anos. “Assim, nem todo caso é considerado trabalho infantil. É preciso avaliar se a ocupação é sem carteira, ou trabalho doméstico, se a jornada de trabalho é excessiva, se a ocupação envolve atividades perigosas, prejudicais à saúde ou ao desenvolvimento”, completa a analista. 

Bolsonaro ignorou leis

A Constituição brasileira estabelece que o trabalho é proibido para menores de 16 anos. A exceção é para a condição de jovem aprendiz, possível apenas para maiores de 14 anos. Tais condições são também ratificadas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).  Além disso, a prática é também proibida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Apesar disso, não faltaram manifestações de Bolsonaro favoráveis ao trabalho infantil — o que é especialmente grave para a um presidente da República e contribuiu para a maior permissividade e para omissões com esse tipo de atividade. 

Para lembrar alguns desses momentos, em uma de suas lives em julho de 2019, o então presidente disse que “não foi prejudicado em nada” por ter colhido milho aos “nove, dez anos de idade” em uma fazenda de São Paulo. Pelas redes sociais, também declarou que “o trabalho dignifica o homem e a mulher, não interessa a idade”. Em 2020, disse que menores de idade “podem até fumar um paralelepípedo de crack, menos trabalhar” e defendeu que se “a molecada quer trabalhar, trabalha”. 

Com informações do IBGE

(PL)

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