Milei tem pouco tempo e apoio para cumprir expectativas dos argentinos

O destino da governabilidade de Milei enfrenta ainda em janeiro uma greve geral, enquanto a pouca paciência dos argentinos é testada com a inflação galopante, apesar das promessas milagrosas do novo governo.

A "arminha" de Milei fez o espetáculo da campanha eleitoral, enquanto os argentinos esperam pelos resultados concretos do primeiro mês de governo. Imagem de campanha nas redes sociais

No dia 10 de janeiro, o presidente argentino Javier Milei celebra seu primeiro mês no governo, e neste curto período, o cenário político do país já presenciou uma série de transformações e desafios. Milei, conhecido por sua postura liberal, enfrenta uma hiperminoria governista, com menos de 15% dos deputados e menos de 10% dos senadores no Congresso local. Para superar essa barreira, o presidente busca “superpoderes” legislativos, o que tem gerado controvérsias e críticas de juristas.

O líder argentino, eleito com 55,7% dos votos, pretende implementar uma revolução liberal imediata, apresentando uma série de pacotes de medidas nas primeiras semanas de governo. Entre elas, um megadecreto questionado por juristas, contendo 366 medidas que abrangem desde reformas trabalhistas e previdenciárias até privatizações e mudanças no sistema de saúde. Uma das medidas mais controversas foi a conversão de várias empresas estatais em sociedades anônimas, facilitando o processo de privatização dessas instituições.

Milei busca reverter o rumo da economia argentina, mas sua trajetória é marcada por obstáculos, incluindo a iminência de protestos populares devido à inflação galopante. O desafio institucional é evidente, com Milei enfrentando também uma ausência de apoio significativo em nível provincial, os governos locais.

Especialistas apontam que o presidente pode encontrar vantagens no médio prazo, especialmente com as condições internacionais favoráveis para as exportações argentinas de grãos. No entanto, as incertezas econômicas, aliadas à expectativa de conflitos institucionais, prenunciam um ano desafiador para a Argentina. Aproximadamente dois quintos da população já estão vivendo na pobreza, agravando a situação socioeconômica do país.

Expectativa alta e paciência curta

Especialistas alertam que a capacidade de resistência financeira dos argentinos é um fator decisivo para o sucesso do governo. Se Milei não apresentar benefícios palpáveis nos próximos seis meses, a insatisfação pode se agravar com o fim da breve paciência da população diante de expectativas elevadas. Uma pesquisa da consultoria Trespuntozero revela que 42,7% dos argentinos acreditam que os resultados econômicos devem ser percebidos nos próximos seis meses, enquanto 40,6% estão dispostos a esperar de seis meses a dois anos.

Março emerge como um ponto crucial para o presidente Milei, quando as famílias enfrentarão despesas pós-férias e possíveis greves nas escolas. O sucesso ou fracasso das reformas propostas pelo presidente será crucial para determinar a trajetória do país nos próximos meses.

O aumento expressivo nos preços de combustíveis, produtos básicos e serviços essenciais já impactou negativamente o consumo em mercados, combustíveis e materiais de construção. A combinação de recessão e alta inflação torna a situação econômica desafiadora, especialmente para as famílias argentinas.

Superpoderoso e mimado

Mesmo com a tentativa de forjar alianças com blocos da coalizão Juntos pela Mudança, liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri, o partido de Milei, A Liberdade Avança, enfrenta a dura realidade de ser uma extrema minoria no Congresso.

O presidente argentino se destaca por sua estratégia de buscar “superpoderes” legislativos, permitindo-lhe decidir sobre todas as matérias sem a necessidade de aprovação do Congresso, transformando o Parlamento em um mero observador da sua agenda liberal. Ao impor reformas com tão poucos representantes, Milei corre o risco de desgastar sua imagem e poder político precocemente.

A estratégia de Milei tem sido destacar uma suposta emergência econômica para angariar apoio no Congresso. Caso não consiga a aprovação, o presidente já sinalizou a intenção de responsabilizar os legisladores pela crise resultante.

Este movimento levanta questões sobre a qualidade dos “freios e contrapesos” no país, sendo que cientistas políticos locais argumentam que esses mecanismos ainda estão equilibrados, com resistência tanto no Legislativo quanto no Judiciário.

A possibilidade de Milei indicar até dois membros para a Corte Suprema é uma faceta importante de sua presidência. No entanto, analistas veem como improvável um amplo acordo no Senado para aceitar nomeações favoráveis a Milei. Ainda que o presidente tenha a chance de moldar a Suprema Corte, o tribunal tem resistido a influências partidárias, e o processo de nomeação é sujeito à aprovação do Senado.

Resistência sindical e popular

A recente publicação do chamado “Decreto de Necessidade e Urgência” (DNU) por Milei enfrentou questionamentos judiciais. O DNU desregulamenta setores como o serviço de internet via satélite e a medicina privada, além de flexibilizar o mercado de trabalho. No entanto, a medida não passou incólume.

Em 4 de janeiro, a Justiça do Trabalho da Argentina concedeu uma medida cautelar para suspender a reforma trabalhista, parte do pacote anunciado por Milei. Um dia antes, uma primeira medida cautelar já havia suspendido a reforma, ambas originadas de ações distintas protocoladas por diferentes centrais sindicais.

A Confederação Geral do Trabalho (CGT) convocou uma greve geral para o dia 24 de janeiro. Se a greve ocorrer, Milei enfrentará o desafio de se tornar o presidente que mais rapidamente enfrentou uma greve geral na história do país.

A reforma trabalhista proposta visa flexibilizar regras, diminuir indenizações por demissões e desfinanciar os sindicatos, oferecendo aos trabalhadores “maior liberdade de escolha”. Com mais de 40 pedidos de liminares contra o decreto por inconstitucionalidade, a discussão sobre a reforma trabalhista inevitavelmente chegará ao Congresso ou ao Supremo Tribunal.

Fim da lua de mel

Enquanto isso, o parlamento argentino iniciou a análise do segundo pacote com 664 artigos, que pretende desregular a economia e abrange todo o ajuste fiscal do presidente Milei, visando atingir um déficit fiscal zero até o final do ano para evitar uma hiperinflação.

O cenário econômico também apresenta desafios, com os mercados reagindo de maneira volátil após a lua de mel inicial com a vitória de Milei. Os preços dos títulos soberanos do país caíram, o peso se enfraqueceu e os investidores demonstram cautela em relação aos novos leilões de dívida do governo.

A inflação persistente, próxima a 30% em dezembro, e a urgência na renegociação do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) adicionam pressão ao governo. Negociações recentes em Buenos Aires visam desbloquear a sétima revisão do programa, garantindo aproximadamente US$ 3,3 bilhões em recursos vitais para a economia.

Diante dos desafios monumentais que enfrenta, a governabilidade de Javier Milei dependerá de sua capacidade de equilibrar as expectativas da população com as realidades econômicas e institucionais. O presidente argentino está, sem dúvida, em um teste decisivo em seu primeiro mês de governo.

Apesar das controvérsias, o apoio inicial a Milei permanece substancial. A pesquisa da Trespuntozero revelou que 53,1% dos entrevistados veem positivamente as primeiras semanas de governo, enquanto 41,5% as consideram negativas. No entanto, o método de governar por decretos é objeto de discordância, com 49,5% aprovando e 46,9% desaprovando, principalmente devido a preocupações sobre a inconstitucionalidade das medidas. Milei, assim, capitaliza seu apoio inicial na tentativa de avançar rapidamente com as reformas que prometeu.

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