EUA reforçam investimentos na América Latina para conter influência chinesa

Esforço americano, ainda em projeto, não tem sido páreo para o que a China já realiza no Sul Global. Países como o Brasil podem se beneficiar muito dessa disputa geopolítica.

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O retorno dos Estados Unidos à América Latina, após um período de relativo distanciamento, marca uma nova fase de competição geopolítica na região, impulsionada pela crescente presença chinesa. Em meio à expansão dos investimentos e parcerias da China na América Latina, autoridades americanas têm emitido sinais claros sobre a necessidade de reafirmar o interesse estratégico dos EUA no continente.

O ressurgimento do interesse americano na América Latina está diretamente relacionado à influência crescente da China na região. Enquanto Pequim tem fortalecido laços comerciais e realizado investimentos significativos em infraestrutura na América Latina, os Estados Unidos percebem a importância de reafirmar sua presença e parcerias na região. Ambos voltam os olhares para o sul, levando em conta o fato de haver guerras imprevisíveis em áreas estratégicas como o norte da Europa e o Oriente Médio.

A riqueza em energia e minerais da América Latina são um fator-chave para atrair o interesse tanto dos Estados Unidos quanto da China. Eles observam que, enquanto os EUA se afastaram da região na última década, a China expandiu sua presença, estabelecendo laços comerciais e realizando investimentos em infraestrutura.

Por outro lado, o foco da China vem se desviando de grandes obras de infraestrutura para a “nova infraestrutura” tecnológica, mais barata e de maior impacto estratégico (telecomunicações, fintechs e transição energética). Em média, o investimento direto estrangeiro (IDE) da China na América Latina atingiu US$ 14,2 bilhões por ano entre 2010 e 2019, mas caiu para uma média de US$ 7,7 bilhões de 2020 a 2021 e depois para US$ 6,4 bilhões em 2022, último ano completo para o qual os dados estavam disponíveis.

O Brasil recebeu de longe a maior parcela do IDE chinês na região ao longo das duas últimas décadas até 2022, com US$ 78,6 bilhões ou 42% do total. O Peru foi o segundo maior receptor, seguido por México, Argentina e Chile. Pela proximidade com o mercado americano, o México também recebe investimentos estratégicos no setor de manufatura de alto valor agregado.

Especialistas, no entanto, duvidam da capacidade dos Estados Unidos de competir efetivamente com os investimentos chineses na região. Uma das diferenças fundamentais entre os modelos de negócios dos dois países, é que o capital privado americano pode não ser tão ágil quanto as empresas estatais chinesas na busca de oportunidades na América Latina. Os interesses do governo americano não necessariamente convergem com os do capital privado.

Os Estados Unidos buscam expandir o conceito de “nearshoring” – levando a produção mais perto dos mercados consumidores, o que beneficia principalmente o México. Com isso, o Congresso americano avalia a Lei de Investimento Comercial dos EUA, que contempla um investimento de 14 bilhões de dólares na América Latina e um plano de redução de impostos. Além disso, autoridades americanas têm explorado possibilidades de cooperação econômica com países como o Brasil, especialmente no setor de semicondutores.

O projeto de lei tem o objetivo de facilitar o investimento e a adesão dos países latino-americanos ao Acordo Estados Unidos-México-Canadá (T-MEC). O projeto propõe investimentos e a criação de uma cadeia de suprimentos comerciais que geraria empregos em toda a região latino-americana, abordando, ao mesmo tempo, as causas subjacentes à migração. Isso implicaria transferir empresas alocadas na China, para países da região. O projeto tem sido descrito pelos políticos americanos como uma das legislações mais transformadoras da história recente.

Enquanto isso, a China continua ampliando seus planos de investimento na América Latina, com foco em setores de “nova infraestrutura”, como veículos elétricos, telecomunicações e energia renovável. Um dos mais recentes foi o da produção de baterias na Zona Franca de Manaus. O interesse crescente da China em setores de ponta é impulsionado por sua própria necessidade de impulsionar a competitividade econômica e garantir o crescimento futuro.

Embora os investimentos chineses tenham deixado um legado de grandes obras de infraestrutura na região, como o porto de Chancay no Peru, e tenham impulsionado o desenvolvimento em alguns países, também enfrentaram críticas e controvérsias em relação a questões contratuais e endividamento nacional.

Autoridades do governo Joe Biden têm repetidamente alertado os governos latino-americanos sobre o que eles consideram ser os perigos da dependência excessiva de investimentos chineses, citando riscos de segurança, armadilhas da dívida e a possibilidade de infraestruturas, como portos, serem usadas para fins militares. No entanto, Biden não tem oferecido uma alternativa à altura.

Diante desse cenário, países latino-americanos como o Brasil, Peru e Chile têm adotado uma postura pragmática, mantendo acordos comerciais tanto com os Estados Unidos quanto com a China. Essa abordagem reflete a habilidade da região em equilibrar e sustentar conexões políticas e econômicas com as duas potências globais. Com isso, as pressões de Washington deixam de fazer o efeito que tinham décadas atrás. Isso ficou evidente com o fracasso da tentativa de forçar a exclusão da Huawei na adoção do 5G no Brasil, em 2020.

No ano passado, a União Europeia lançou sua iniciativa Global Gateway na região, anunciando financiamento de até 45 bilhões de euros para projetos, incluindo transição para energia verde e transformação digital, mas ainda não está claro quanto do dinheiro será gasto.

À medida que a competição entre Estados Unidos e China se intensifica na América Latina, a região se torna cada vez mais um campo de batalha geopolítica, com implicações significativas para o desenvolvimento econômico e político de seus países.

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