Golpe de 1964 foi lembrado em protestos por todo o país

Marchas silenciosas, escrachos e solenidades continuam durante o mês de abril em muitas localidades. Nas redes, parlamentares expressam repúdio ao golpe

São Paulo (SP) 31/03/2024 - Ato 60 Anos do Golpe de 64 na frente do DOI-CODI em São Paulo. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Neste 31 de março, o Brasil recordou os 60 anos do Golpe Militar de 1964, um dos capítulos mais sombrios de sua história recente. Parlamentares e lideranças sociais prestaram homenagens às vítimas do regime autoritário e ressaltaram a importância de preservar a democracia e os direitos fundamentais. Foi possível registrar atos importantes em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Curitiba, no Distrito Federal e Porto Alegre. As atividades continuam pelos próximos dias.

Nas redes sociais e portais, parlamentares expressaram seu repúdio ao golpe, sempre lembrado no final de março. Os depoimentos dos deputados federais refletem a necessidade contínua de preservar a memória das vítimas da ditadura militar e fortalecer os pilares da democracia no Brasil, garantindo que eventos tão sombrios nunca mais se repitam.

O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) destacou os danos causados pelo golpe, que resultaram em 21 anos de autoritarismo, tortura, censura e perseguição política. Ele ressaltou que, mesmo quase 60 anos após o golpe, o Brasil continua resistindo a tentativas de subverter a democracia, enfatizando: “Que nunca mais aconteça! Democracia sempre!”

Jandira Feghali (PCdoB-RJ), em artigo para a Carta Capital, enfatizou a necessidade de lembrar o período sombrio da ditadura militar, destacando a violência, a repressão e a perda de liberdades ocorridas durante esse período. Ela também criticou a impunidade dos torturadores e assassinos do regime e a falta de reconhecimento e justiça para as vítimas e suas famílias.

Renildo Calheiros (PCdoB-PE) relembrou o papel de seu partido na luta contra a ditadura militar, destacando as diversas formas de resistência, desde a clandestinidade até a Guerrilha do Araguaia. Ele enfatizou a importância de honrar a memória daqueles que lutaram e sofreram durante esse período.

Alice Portugal (PCdoB-BA) ressaltou a brutalidade da ditadura militar, marcada por tortura, mortes, prisões e censura. Ela lembrou seu discurso contra Jair Bolsonaro em 2015 e enfatizou a importância de continuar lutando contra aqueles que defendem o autoritarismo.

Daniel Almeida (PCdoB-BA) destacou a necessidade de refletir sobre os horrores do autoritarismo e da violência política para evitar que tais eventos se repitam. Ele enfatizou a importância de fortalecer as instituições democráticas e defender os valores da liberdade, justiça e igualdade.

Marcio Jerry (PCdoB-MA) ressaltou a importância de lembrar os eventos ocorridos durante a ditadura militar e alertou para os perigos de violações dos direitos democráticos. Ele também destacou o voto do ministro Flávio Dino no STF, que relembrou os danos causados pelo golpe de 1964.

Caminhada do Silêncio em São Paulo

No domingo (31), uma caminhada em São Paulo marcou os 60 anos do golpe. Intitulada de Caminhada do Silêncio pelas Vítimas de Violência do Estado, o evento teve início na antiga sede do Departamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), localizada na Rua Tutóia, na Vila Mariana.

O ato, que contou com a presença de diversas personalidades e ativistas políticos, foi conduzido em respeito à memória das vítimas da violência do Estado durante o regime militar. Adriano Diogo, ex-deputado estadual e presidente da Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo, compartilhou suas memórias dolorosas do período em que esteve detido no DOI-Codi: “Fiquei 90 dias aqui. Fiquei 90 dias em uma cela solitária bebendo água de boi. Aqui é uma casa de morte”.

Os manifestantes reforçaram a importância da memória e lembraram que as populações periféricas continuam a sofrer com a violência policial nos dias atuais. Personalidades como o ex-deputado José Genoíno, o deputado estadual Eduardo Suplicy e a deputada federal Luiza Erundina também marcaram presença no ato.

Genoíno destacou a ligação entre os eventos históricos: “O 8 de janeiro de 2023 tem a ver com 2016 [impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff], que foi um golpe. E esses dois [eventos] têm a ver com 1964 porque a transição da ditadura para a democracia se deu num pacto pelo alto”.

Erundina ressaltou a importância de não esquecer o que aconteceu durante a ditadura militar: “Vamos continuar cobrando, exigindo e levando às novas gerações a realidade sobre aquele tempo para que eles também nos ajudem a continuar essa luta. Não podemos permitir que os crimes da ditadura fiquem impunes”.

O ex-ministro José Dirceu, que foi um dos presos políticos da ditadura militar, afirmou que “enquanto as Forças Armadas brasileiras não submeterem ao poder civil, significa que o currículo das escolas militares precisa mudar”.  

A caminhada teve como destino o Monumento em Homenagem aos Mortos e Desaparecidos Políticos, no Parque Ibirapuera, reforçando a necessidade de preservar a memória das vítimas e lutar pela justiça histórica.

A manifestação foi organizada pelo Movimento Vozes do Silêncio, representado pelo Instituto Vladimir Herzog, o Núcleo de Preservação da Memória Política e a Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), com apoio da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania.  

Atividades em Brasília

Uma série de atividades está sendo realizada em Brasília para marcar os 60 anos do golpe civil-militar no Brasil, que ocorreu em 1964. Palestras, debates, atos públicos, apresentações musicais e teatrais integram a programação, organizada por movimentos sociais, pesquisadores, partidos políticos e ativistas da luta por memória, verdade e justiça.

No domingo (31) ocorreu o Samba do Peleja, que celebra a democracia e lembra os tempos sombrios da ditadura; Mas as atividades continuam nesta segunda (1) com ‘Descomemorações’, um ato público na Praça Zumbi dos Palmares, às 16h30, e um debate promovido pela Central Única dos Trabalhadores (CUT-DF) as 19h; e palestras na Universidade de Brasília (UnB), também às 19h, no auditório do Programa de Pós-Graduação de História da UnB (subsolo do ICC Norte).

Além disso, a Comissão Camponesa da Verdade (CCV) organiza um evento sobre a repressão da ditadura contra as lutas por terra e direitos do trabalhador rural, e a Comissão de Anistia julgará casos de violência contra indígenas da etnia Krenak durante os anos de chumbo (terça-feira (2), às 9 horas, no Auditório do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania na Esplanada). Os demais eventos serão também na terça, durante todo o dia, na Faculdade UnB Planaltina, com exposições, oficinas, palestras, filmes.

Ainda na terça, às 10h, uma sessão especial no Senado Federal também está prevista. Às 19h será realizada uma missa em homenagem aos mortos e desaparecidos da ditadura na Igreja Dom Bosco da 702 Sul. Nos dias 6 e 7, será apresentada a peça teatral “Prisioneiro 12.207”, baseada em livros, documentos e depoimentos de pessoas que sofreram violações dos direitos humanos durante a ditadura militar no Brasil. Ocorre no Teatro dos Bancários com ingressos limitados.

Marcha Reversa: do Rio a Juiz de Fora

Nesta segunda-feira (1º), uma Marcha Reversa será realizada, partindo do Rio de Janeiro (RJ) em direção a Juiz de Fora (MG). A iniciativa tem como propósito realizar o percurso inverso das tropas que saíram de Juiz de Fora sob comando do general Olympio Mourão Filho para derrubar o governo do então presidente João Goulart, que se encontrava no Palácio das Laranjeiras, na capital fluminense.

O evento terá início às 8h da manhã na praça da Cinelândia, no Rio de Janeiro. Segundo o secretário especial de Direitos Humanos da Prefeitura de Juiz de Fora, Biel Rocha, a Marcha Reversa é uma oportunidade não só de lembrar o golpe e suas consequências, mas também de prestar tributo aos que se dedicaram à defesa da democracia durante os anos de regime autoritário.

“A Marcha Reversa será um grande encontro repleto de simbolismo. Trata-se de um verdadeiro abraço entre os estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais, além de uma demonstração de respeito aos representantes dos familiares dos presos, cassados, exilados e torturados durante a ditadura. Estamos aguardando cerca de mil pessoas neste ato em prol da democracia do país”, destacou Rocha.

Ao longo do percurso, estão programadas paradas simbólicas que reforçam o propósito da marcha. A primeira parada ocorrerá em frente ao Bairro Quitandinha, na entrada de Petrópolis, onde está localizada a Casa da Morte, um dos centros de tortura utilizados durante a ditadura. O prédio será tombado e transformado em um Centro de Memória, honrando a memória das vítimas da repressão.

Por fim, a Marcha Reversa chegará à Praça Antônio Carlos, em Juiz de Fora, onde as caravanas serão recebidas por políticos, lideranças sindicais, familiares do ex-presidente João Goulart e outras personalidades.

A programação completa da Marcha Reversa inclui concentração na Cinelândia às 7h30, saída do Rio de Janeiro às 8h, chegada a Petrópolis às 9h10, saída de Petrópolis às 10h, chegada a Comendador Levy Gasparian (Bairro Monte Serrat) às 11h, saída de Comendador Levy Gasparian às 14h30 pela estrada União Indústria, e chegada a Juiz de Fora às 16h, com ato na Praça Antônio Carlos e demais atividades.

Cordão da Mentira

O Cordão da Mentira, um bloco que denuncia a violência estatal tanto nos tempos ditatoriais quanto democráticos, sairá às ruas de São Paulo nesta segunda-feira (1º). O ato, organizado por grupos de teatro, músicos, ativistas e familiares de vítimas de agentes do Estado, está marcado para as 17h em frente ao Centro Universitário Maria Antônia.

Com o mote “De golpe em golpe: tá lá um corpo estendido no chão”, o Cordão busca fazer conexões entre a memória e a crítica dos anos de chumbo, da tentativa bolsonarista de golpe em 2023 e do constante genocídio praticado pela polícia nas periferias.

A data chega em meio à implementação, pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), da mais letal operação institucional da Polícia Militar paulista na Baixada Santista desde o massacre do Carandiru, em 1992. Apenas na fase mais recente da Operação Verão, intensificada em 7 de fevereiro após a morte do sargento da Rota Samuel Wesley Cosmo, a polícia matou 53 pessoas. Somada à Operação Escudo do ano passado, a letalidade chega a 81.

Débora Silva fundou o Movimento Independente Mães de Maio como reação aos Crimes de Maio de 2006, quando ao menos 429 pessoas foram mortas, incluindo o filho de Débora Silva. Dezoito anos depois, os Crimes de Maio ainda não foram solucionados.

O samba-enredo do Cordão da Mentira neste ano cita o genocídio palestino cometido por Israel na Faixa de Gaza, a seletividade racista do encarceramento em massa e homenageia militantes das lutas sociais brasileiras.

Escrachos contra golpistas

Na manhã desta segunda-feira (1º), o movimento Levante Popular da Juventude conduziu uma série de escrachos em frente a residências e comitês de políticos e lideranças da extrema direita. Os alvos selecionados são investigados por articular, estimular, participar ou financiar os atos golpistas de 8 de janeiro, que resultaram na invasão e depredação dos prédios dos Três Poderes.

Entre os alvos desses escrachos estão os deputados federais Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Pedro Lupion (PP-PR), André Fernandes (PL-CE), Clarissa Tércio (PP-PE), Nicoletti (União-PR) e Silvia Waiãpi (PL-AP), além do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, e Antônio Galvan, presidente da Aprosoja e um dos financiadores do 8 de janeiro.

Com cartazes que diziam “Aqui mora um golpista: por verdade, memória e justiça”, com os rostos dos denunciados e reproduções da Constituição Federal com manchas de tinta vermelha, remetendo a sangue, o movimento enfatizou a relação entre o golpe de 1964 e os eventos de 8 de janeiro.

“Descomemoração” em Porto Alegre

Enquanto o Brasil marca os 60 anos do golpe militar de 1964, diversas ações foram organizadas em Porto Alegre como uma forma de “descomemoração” desse trágico evento da história brasileira.

Próximas ações incluem um ato e protocolo de abaixo-assinado no dia 1º de abril, solicitando ao prefeito Sebastião Melo uma audiência para discutir a instalação de uma estátua do ex-presidente João Goulart em um logradouro da cidade. No mesmo dia, na Assembleia Legislativa, será inaugurada uma exposição fotográfica sobre os 60 anos da instauração do regime militar, seguida pela exibição do documentário “Jango no Exílio” na Cinemateca Capitólio.

No dia 4 de abril, será realizado um ato no Plenarinho da Assembleia Legislativa em memória do tenente-coronel da Aeronáutica Alfeu de Alcântara Monteiro, primeira vítima fatal do golpe militar, metralhado há exatos 60 anos.

Diversas outras atividades estão planejadas para abril e maio, incluindo exposições, debates, mostras de cinema e eventos acadêmicos, todos com o objetivo de manter viva a memória desse período obscuro da história brasileira e refletir sobre suas consequências para o presente e o futuro do país.

“Caminhada do Silêncio” em Recife

A “Caminhada do Silêncio” reivindicou a reinstalação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e a aplicação das recomendações da Comissão Nacional da Verdade.

O ato, que teve concentração às 15h30 no monumento Tortura Nunca Mais, na Rua da Aurora, também exigiu a punição dos torturadores e dos golpistas de 1964 e de 8 de janeiro de 2023.

Segundo a carta de convocação, o protesto repudiou os 60 anos do golpe fascista e homenageou nomes como Dom Helder Câmara, Odjas de Carvalho, Cândido Pinto, Padre Henrique, Ranúsia Rodrigues, Amaro Luiz de Carvalho, Anatália Alves, Manoel Aleixo, Soledad Barret, Manoel Lisboa, Rui Frazão, Fernando Santa Cruz e milhares de outras vítimas lembrados como símbolos dessa luta.

A carta também destaca os trágicos eventos ocorridos em Recife durante o golpe de 1964, como o assassinato de Jonas José de Albuquerque Barros e Ivan da Rocha Aguiar pelas tropas golpistas do Exército.

Diversas entidades e organizações apoiaram o protesto, incluindo o Comitê Pernambucano por Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Democracia (CMVJRD-PE), o Conselho Municipal de Direitos Humanos do Recife (CMDH-Recife), além de movimentos populares e centrais sindicais.

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