Cremesp persegue médicos em casos de aborto legal

O Cremesp foi notificado a prestar esclarecimentos sobre os processos abertos contra os médicos

Hospital na Zona Sul de São Paulo tem seus médicos perseguidos pelo Cremesp por prática legalizada de aborto

O Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) desencadeou uma investida contra médicos que realizaram abortos legais no Hospital Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte da capital paulista. Pelo menos três profissionais estão sob ameaça de terem seus registros cassados, o que os impediria definitivamente de exercer a medicina.

O Cremesp já votou, por unanimidade, pela interdição cautelar de duas médicas. Nesta terça-feira (30), está agendada uma sessão plenária para analisar mais um caso, que envolve não apenas as duas profissionais mencionadas anteriormente, mas também um terceiro médico. Ainda não está claro quantos outros processos administrativos serão apreciados nos próximos dias e semanas.

Após a denúncia apurada pela Folha de S. Paulo, o Cremesp foi oficialmente notificado pela deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e pela vereadora paulistana Luana Alves (PSOL) para prestar esclarecimentos sobre os processos abertos contra os médicos.

As parlamentares expressaram preocupação com possíveis violações dos direitos das pacientes e com uma perseguição discriminatória contra os profissionais de saúde do Vila Nova Cachoeirinha. Elas enfatizam que os procedimentos médicos estão amparados pela legislação nacional e que o acesso aos prontuários das pacientes, sem o consentimento delas, é considerado ilegal.

Quebra de sigilo médico-paciente

Segundo integrantes do Cremesp, os profissionais em questão são acusados de praticar tortura, tratamento cruel, negligência, imprudência e até mesmo o assassinato de fetos. Isso, mesmo que os procedimentos estivessem dentro da lei e respeitassem as práticas médicas indicadas, uma vez que embriões não têm direitos previstos pela Constituição.

Atualmente, o aborto é legal no Brasil em situações de gravidez após estupro, de feto anencéfalo e quando há risco de morte materna, sem estabelecimento de um limite gestacional para o procedimento. Os atendimentos feitos pelos profissionais do Hospital Maternidade Vila Nova Cachoeirinha estavam relacionados a mulheres vítimas de violência sexual e com gestações superiores a 22 semanas.

No entanto, o processo de análise dos casos pelo Cremesp levanta preocupações, já que os prontuários médicos foram acessados de forma supostamente ilegal, quebrando o sigilo médico sem o consentimento das pacientes envolvidas. Alguns documentos foram encaminhados pelo próprio Cremesp à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e à Polícia Civil para eventuais investigações criminais, inclusive questionando se houve de fato a prática de estupro contra uma das pacientes.

Especialistas em direito, sob anonimato, expressaram preocupações sobre a conduta do conselho regional, levantando suspeitas de perseguição institucional e temendo pelo futuro dos serviços de aborto legal. Os processos serão encaminhados ao Conselho Federal de Medicina (CFM), que terá a palavra final sobre o destino dos médicos.

Por fim, o Hospital Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, considerado referência para o aborto legal em São Paulo e no país, teve seus serviços suspensos pela gestão de Ricardo Nunes (MDB) em dezembro de 2023, sob a promessa de ser temporária para a realização de cirurgias eletivas, mas não foi retomada até o momento.

Omissão de socorro

No ofício enviado ao conselho, as parlamentares elencam uma série de perguntas, abordando a forma como os prontuários foram obtidos, a presença de pacientes vulneráveis ou menores de idade, as medidas para garantir o sigilo médico e a proteção dos dados, além da motivação do envio das fichas das pacientes para os órgãos públicos.

Elas também questionam se as mulheres atendidas terão seus direitos ao aborto legal resguardados e se há precedentes para esse tipo de apuração. Além disso, indagam se o Cremesp considera necessário o cometimento de omissão de socorro nos casos de abortamento legal para evitar a interdição cautelar de profissionais de saúde.

Até o momento, o Cremesp não se pronunciou sobre o assunto. Os processos analisados pelo órgão serão encaminhados ao Conselho Federal de Medicina (CFM), que terá a palavra final sobre o destino dos médicos envolvidos.

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