“Não contem com governo para mudança na legislação de aborto”, diz Padilha

“Quando alguém apresenta uma proposta de que a vítima precisa ser punida com mais rigor do que o estuprador não é sério”, afirma Lula

Durante almoço alusivo ao Dia das Mulheres, 8 de março, Lula afirmou que direitos das mulheres são conquista, não concessão. Foto Fábio Pozzebom ABr

O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse nesta sexta-feira (14) que o governo não apoia o Projeto de Lei 1.904/2024, que equipara aborto ao homicídio simples, quando cometido após a 22ª semana de gestação. A proposta tramita na Câmara dos Deputados, onde a urgência para análise foi aprovada na última quarta-feira (12). 

“Não contem com o governo para qualquer mudança na legislação atual de aborto no país”, disse Padilha, em vídeo divulgado nas redes sociais. 

“Ainda mais um projeto que estabelece uma pena para a mulher e para a menina que foi estuprada, que muitas vezes é estuprada sem nem saber o que é aquilo, que descobre tardiamente que ficou grávida porque nem sabe o que é a gravidez ou tem que esconder do estuprador, que às vezes é um parente que está na própria casa”, completou. 

O projeto também prevê que meninas e mulheres que fizerem o procedimento após 22 semanas de gestação, inclusive quando forem vítimas de estupro, terão penas de seis a 20 anos de reclusão. A punição é maior do que a prevista para quem comete crime de estupro de vulnerável (de oito a 15 anos de reclusão). 

“Não contem com o governo para ser favorável a um projeto que estabelece uma pena para menina e para a mulher estuprada que pode ser até duas vezes  maior que para o estuprador”, reforçou o ministro.

Atualmente, o aborto é permitido no Brasil apenas em casos de gravidez ocasionada por estupro, se a gravidez representa risco à vida da mulher e em caso de anencefalia do feto. A legislação brasileira não prevê um limite máximo para interromper a gravidez de forma legal.

Presidente Lula

O presidente Lula reafirmou que é contra o aborto, mas chamou hoje o projeto de lei que equipara o ato a homicídio de “insanidade”. “É insanidade alguém querer punir uma mulher numa pena maior que o criminoso que fez o estupro. É, no mínimo, uma insanidade isso”, afirmou em entrevista coletiva após o G7, na Itália.

Ele reafirmou, no entanto, que é contra o aborto, mas vê como questão de saúde. “Não é novidade. Eu, Luiz Inácio Lula da Silva, fui casado, tive 5 filhos, oito netos e uma bisneta. Eu sou contra o aborto. Entretanto, como o aborto é realidade, a gente precisa tratar como uma questão de saúde pública.”

Foi a primeira vez que Lula tratou do projeto, aprovado quando ele estava em viagem. “Quando alguém apresenta uma proposta de que a vítima precisa ser punida com mais rigor do que o estuprador não é sério. Sinceramente, não é sério”, afirmou.

A proposta é do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que é próximo ao pastor Silas Malafaia. Lira tinha prometido colocar o tema em discussão no plenário em troca de apoio da bancada evangélica à sua reeleição na presidência da Casa em 2023.

Lula ainda completou: “Tenho certeza que o que tem na lei já garante de forma civilizada para tratar com rigor o estuprador e com respeito a vítima. É isso que precisa ser feito”.

Laicidade

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, disse que, apesar de ser contra o aborto, considera o tema complexo e muito delicado na sociedade brasileira. 

“Eu pessoalmente sou contra o aborto, mas acho que é uma atitude altamente desrespeitosa, desumana com as mulheres, achar que o estuprador deve ter uma pena menor do que a mulher que foi estuprada e que não teve condição de ter acesso dentro do tempo para fazer o uso da lei que lhe assegura o direito ao aborto legal”, disse a ministra em entrevista à imprensa.

A organização Católicas pelo Direito de Decidir, grupo existente desde 1993 que luta pela laicidade do Estado na criação e na condução de políticas públicas, reagiu contra uma nota da CNBB apoiando a mudança na lei, acusando-a de “misógina, hierárquica e racista”. A presidenta do grupo, a socióloga Maria José Rosado Nunes, diz que a nota reafirma uma posição conformada exclusivamente por homens.

“Nessa posição não se pode reconhecer o que muitas teólogas e teólogos dizem sobre as possibilidades de se encontrar na mesma tradição cristã, elementos que apoiam decisões informadas pela consciência, como o recurso à própria consciência como o reduto legítimo ética e religiosamente, para se tomar decisões. Diante de uma situação de difícil escolha, opta-se pelo mal menor, ou pelo bem maior”, acrescentou Maria José, doutora em Ciências Sociais pela École des Hautes Études em Sciences Sociales, em Paris.

Enquanto isso, no Senado…

Uma das principais críticas ao PL é sua tramitação com urgência na Câmara dos Deputados, sem os debates que o tema exige. No Senado, o projeto de lei deve ser analisado com cautela, defendeu o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Segundo ele, o tema deve tramitar nas comissões e ser objeto de amplo debate. Após a enorme repercussão negativa, os parlamentares se desgastaram e o projeto pode ser engavetado.

“O que eu devo dizer é que uma matéria dessa natureza jamais, por exemplo, iria direto ao plenário do Senado Federal. Ela deve ser submetida às comissões próprias e é muito importante ouvir, inclusive, as mulheres do Senado, que são legítimas representantes das mulheres brasileiras, para saber qual é a posição delas em relação a isso”, afirmou nessa quinta-feira (13).

O presidente do Senado disse ainda entender que o aborto não deve ser comparado ao homicídio simples. “Há uma diferença evidente entre matar alguém, que é alguém que nasce com vida, que é o crime de homicídio, e a morte do feto através do mecanismo do método de aborto, que também é um crime, deve ser considerado como crime, mas são duas coisas diferentes”, afirmou o senador.

Para ele, essa diferenciação deve ser garantida. “A separação e a natureza absolutamente distintas entre homicídio e aborto, isso eu já posso afirmar, porque assim é a legislação penal e deve permanecer”, defendeu.

O presidente do Senado ponderou que é preciso haver proporcionalidade entre os diferentes tipos de crime no Brasil. “Se em algum momento a gente pega um crime e coloca uma pena muito elevada a ele, um crime eventualmente mais grave vai ter que ter uma pena mais elevada ainda. Isso aí não tem um caminho de solução”, ponderou.

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