Cearenses homenageiam mártires da Chacina da Lapa
Reunidos neste final de semana para avaliar o processo eleitoral de 2006 e seus resultados no Ceará, os comunistas cearenses dedicaram uma homenagem especial aos que tombaram na Chacina da Lapa, em 16 de dezembro de 1976.
Publicado 03/12/2006 15:33 | Editado 04/03/2020 16:37
O Comitê Estadual do PCdoB/Ce que se reúne neste final de semana para fazer uma avaliação das eleições e discutir as novas linhas de estruturação do Partido para os próximos anos fez homenageou os mortos na Chacina da Lapa, ação repressiva perpetrada contra o Partido Comunista do Brasil, no dia 16 de dezembro de 1976. Já no início dos trabalhos os participantes da reunião receberam, entre os documentos em debate, uma cópia da letra da música “Sangue em Flor”, de Augusto Boal. No final dos trabalhos do sábado os comunistas cearenses dedicaram um momento especial para homenagear os camaradas Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e João Batista Drummond. Na ocasião o poeta e professor Joan Edessom leu um texto de sua autoria mas que expressou o sentimentos de todos participantes da reunião cujo respeitoso silêncio expressou o mais profundo respeito aos mártires comunistas, bem como a todos os tiveram suas vidas ceifadas pela ação truculenta da ditadura militar.
Leia na íntegra os textos da homenagem:
EM MEMÓRIA DOS QUE TOMBARAM NA LAPA
Joan Edessom de Oliveira
Camaradas.
Há poucos dias, num ato de grande simbologia para a democracia em nosso país, um comunista, Aldo Rebelo, assumiu pela primeira vez a presidência da república brasileira. Quando assumira a presidência da Câmara dos Deputados, há pouco mais de um ano, sua eleição já representara algo novo no nosso país, um sinal dos tempos, um sinal de que a nossa ainda frágil democracia, aos poucos, talvez mais lentamente do que gostaríamos, dá sinais de que se consolida, de que, a despeito das forças mais atrasadas e conservadoras, se firma, anda, caminha, cresce.
Camaradas, a posse de Aldo como Presidente da República, ainda que transitória, cumprindo uma formalidade republicana, tem, para os comunistas e para a democracia, um significado muito especial.
Houve um tempo, camaradas, não muito distante, em que da Presidência da República do Brasil, diretamente, partiam as ordens para que se caçassem os comunistas, para que eles fossem banidos, para que fossem eliminados, para que do seu partido, o partido da classe operária, nada restasse.
Era um tempo duro, camaradas. A árvore da justiça fora ceifada. Essa gramínea tenra e delicada chamada democracia, fora arrancada pela raiz e jogada ao longe, pisoteada, revolvido o solo em que estava para que nele não mais crescesse. A igualdade, a solidariedade, a paz, foram impedidas de florescer livremente.
Era um tempo duro.
Era um tempo de noite, de escuridão, de tempestade.
Em 1976 havia mais de uma década que esse tempo de horror havia se instalado em nossa pátria. Nesses doze anos que nos separavam do golpe de 1964, a reação se empenhara, fervorosamente, em destruir o nosso partido. Fomos golpeados duramente, por diversas vezes nos acertaram em cheio, golpearam nosso peito e nossa cabeça. Assassinaram nesse período alguns dos nossos melhores quadros, valorosos patriotas, brasileiros heróicos que sonhavam em fazer dessa uma nação melhor, próspera, rica, onde a democracia fosse um bem comum e os trabalhadores pudessem livremente escolher e construir o seu destino.
Havíamos feito o Araguaia, página gloriosa da nossa história, epopéia do século vinte, um punhado de bravos desafiando o poderio da ditadura, luta desigual, vencida pelo mais forte a duras penas. Os vencidos ficaram na memória do povo do Araguaia, como jovens homens e mulheres que queriam mudar o país e construir uma sociedade justa. Os vencedores também ficaram na memória do povo, não foram esquecidos, deixaram atrás de si um rastro de traição, de delação, de tortura, de mortes, deixaram suas pegadas de sangue, sangue do povo, sangue dos comunistas, sangue dos democratas brasileiros.
Era um tempo duro, camaradas.
Nas casas do povo, nas ruas, as vozes eram caladas, uma a uma; os protestos eram silenciados, um a um; as organizações populares que enfrentavam a ditadura eram desbaratadas, uma após a outra.
E, contudo, o povo ainda resistia. Havia homens e mulheres que resistiam, que na completa escuridão daquela noite acendiam um lume, acendiam fogueiras, teimavam em cantar naquela noite escura para que a aurora viesse mais cedo, para que o dia fosse acordado.
Homens rudes, homens fortes, homens francos. Homens que num solo de pedras semeavam árvores frutíferas, construíam belos pomares, e o regavam com a água límpida dos arroios brasileiros, dos regatos e rios brasileiros. Homens que, a seu modo, anunciavam e eram precursores não de um novo messias, mas de um mundo melhor, de uma sociedade justa e fraterna.
Era um tempo duro, camaradas.
Era dezembro de 1976. O partido que fizera o Araguaia, o partido que desafiara abertamente a ditadura, o partido a quem a reação dissera ter arrancado fora a cabeça, esse partido se mantinha vivo, pulsante, organizado em quase todo o país.
Num solo arrasado, pisoteado pelas botas desses Átilas modernos, a gramínea tenra da democracia não poderia florescer. Era preciso arrancá-la fora.
Era um tempo de traições.
Novamente, camaradas, o partido da classe operária foi golpeado, duramente. Na última grande ação de terror da ditadura contra o povo brasileiro, três homens, três democratas, três comunistas, três dos melhores filhos que essa nação teve, feitos da melhor fibra, três homens foram assassinados.
Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e João Batista Franco Drumond tinham uma trajetória de lutas em defesa da democracia e do Brasil. Eram homens do povo, forjados desse metal em que se fundem a coragem, a ternura, o patriotismo, a abnegação e a dedicação à causa do povo, da democracia, do socialismo.
Eram homens comuns, simples, de carne e osso. Eram titãs que não hesitaram, um só momento, em colocar suas vidas a serviço da vida do povo brasileiro, que não vacilaram em se entregar por completo à construção do futuro.
Era um tempo duro, camaradas.
Em 16 de dezembro de 1976 mataram três homens, três brasileiros, três democratas, três comunistas. Pomar, Arroyo e Drumond foram vítimas da insanidade e da brutalidade da ditadura que mergulhou esse país em uma longa noite de vinte e um anos.
Há poucos dias, camaradas, tomou posse temporariamente na Presidência da República do Brasil um comunista, Aldo Rebelo, um homem do povo, o filho de um vaqueiro e de uma professora. A posse de Aldo não foi fácil, muitos tentaram impedi-la, tentaram impedir que o partido de Aldo, o Partido Comunista do Brasil, o PCdoB, sobrevivesse.
Mas sobrevivemos, aqui estamos, somos Pedro, Ângelo e João. Eles não morreram em vão. A árvore da justiça pode crescer novamente; a delicada grama da democracia se desenvolve viçosa; a igualdade, a solidariedade, a paz, florescem novamente.
Ainda é um tempo duro, camaradas, ainda sobrevivem os que ameaçam tudo isso, os que sonham em por fim à democracia e em ceifar as conquistas que tivemos.
Mas aqui estamos, trinta anos depois, a celebrar a democracia, a chorar pelos nossos mortos, mas conscientes de que eles não morreram em vão. Centenas e milhares de outros Pedros, Ângelos, Joões, erguem alto a bandeira do PCdoB, a bandeira vermelha do socialismo, a rubra bandeira da liberdade. Em todos os cantos e recantos desse país, dos sertões e das praias cearenses, das selvas do Araguaia, das ruas e campos desse imenso Brasil, de todos os cantos e recantos desse país chega a voz dos comunistas, dos democratas, dos patriotas, num canto único de louvor à vida, num canto de paz, num canto de guerra pela justiça, pela democracia, pela igualdade, pela solidariedade, pelo socialismo.
Como bem disseram os comunistas portugueses em uma doída homenagem àqueles que, em 16 de dezembro de 1976 foram assassinados na Lapa: o sangue em flor renascerá (…) já sois o sol que anunciais. O sangue em flor renasceu, brilha o sol anunciado.
Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e João Batista Franco Drumond estão presentes.
Fortaleza-Ceará, na reunião do Comitê Estadual do Partido Comunista do Brasil, em 02 de dezembro de 2006.
Sangue em Flor
Augusto Boal
Foi na noite dos chacais
Foi no Brasil dos generais
Morreendo pela revolução
Foi Pedro, Ângelo e João
Companheiro, sereis imortais.
Brasil, irmão
Tgeu povo vencerá
Para vingar a tua dor
O sangue em flor renascerá
Doze vidas na prisão
Com planos de justiça e pão
Nas mãos sangrentas da tortura
Não há sol na ditadura
Nem sangue que vença a razão.
Brasil, irmão
Teu povo vencerá
Para vingar a tua dor
O sangue em flor renascerá
Companheiros de lutas
Somos milhões todos iguais
Lutando para vos libertar
Unidos todos a gritar
Que já sois o sol que anunciais