José Alberto Ribeiro: “Esta é a pior crise da história da pesca da lagosta”
Domingo de Páscoa. O peixe é presença certa na mesa de grande parte dos brasileiros. Mas o que poucos sabem é que o setor pesqueiro brasileiro enfrenta uma crise sem precedentes em sua história. Não apenas a lagosta, que já liderou a pauta de exportações
Publicado 07/04/2007 20:49 | Editado 04/03/2020 16:37
Como o senhor definira a situação da pesca da lagosta no Brasil hoje?
Esta é a pior crise da história da pesca da lagosta no Brasil, e o Ceará sofre mais porque é um dos principais produtores do País. O que levou a essa situação foi a falta de ordenamento e de prioridade do governo para o setor lagosteiro. Apenas uma minoria respeita as leis e pesca de maneira legal. A maioria utiliza os recursos da maneira que não deveria utilizar. Há um conjunto de medidas que deveriam ter sido tomadas, desde um trabalho de conscientização e de educação, até a fiscalização e o monitoramento da pesca. Se foi feita alguma coisa, foi pela metade. Isso contribuiu para essa crise que estamos enfrentando hoje. E não temos muito tempo. Se não houver compromisso por parte do setor e do governo, em breve a lagosta vai entrar em colapso.
Em quanto tempo o senhor acredita que esse colapso possa acontecer?
Na verdade, eu acredito que ele já tenha começado. Para se ter uma idéia, em 2006, no Ceará, grande parte dos barcos deu apenas uma viagem para o mar e não voltou mais porque não compensava. Outra parte migrou para outros Estados, como Bahia, Maranhão e Espírito Santo, locais onde também há dificuldades. Para mim, isso é o início de um colapso.
Essa crise atinge apenas a pesca da lagosta ou outros setores também?
A pesca em geral está prejudicada. Isso porque, infelizmente, ainda são utilizados métodos de pesca, como a rede de fundo, que destroem o habitat marinho. Ali não vivem apenas as lagostas, mas também os peixes, principalmente os mais jovens, que acabam tendo o ciclo de desenvolvimento interrompido. Essa mesma técnica, captura um volume significativo de peixes de alto valor comercial, que são desperdiçados, já que o objetivo dessas embarcações é a lagosta.
Quais são os principais problemas enfrentados pelo setor atualmente?
É a falta de compromisso por parte do poder público. Os próprios pescadores têm mostrado que estão dispostos a participar de forma mais ativa do ordenamento da pesca. A parte que cabe ao poder público, contudo, ainda está muito a desejar. Exemplo disso são os recursos aplicados neste ordenamento; poucos ou inexistentes.
Quais as medidas que deveriam ser colocadas em prática para este ordenamento?
Uma das principais questões é a regularização da frota pesqueira do Brasil, que já está sendo feita. A outra é a necessidade de investimentos em capacitação e no financiamento da substituição dos apetrechos de pesca utilizados atualmente. É preciso ainda auxiliar os pescadores que não estão conseguindo se regularizar e vão ficar sem poder pescar. Outros pontos são as questões da fiscalização e da conscientização, que devem andar juntas. Neste sentido, cabe àqueles que têm compromisso com o setor contribuir para a divulgação da importância da consciência ambiental e também de uma educação diferenciada para o povo do litoral.
O prazo para regularização das embarcações foi estendido até o próximo dia 17. O tempo é suficiente para que todos os pescadores consigam se adequar às normas?
O processo vem se arrastando há vários meses. O primeiro prazo de 90 dias terminaria no último dia 28, mas foi estendido até o dia 17 de abril. Neste período muitas discussões essenciais foram feitas. Alcançamos muitas conquistas, em relação ao tamanho e prazo de construção das embarcações, assim como a inclusão dos barcos à vela. Isso fez com que muitos pescadores passassem a ser enquadrados.
Uma das medidas adotadas, há alguns anos, com objetivo de normatizar a pesca da lagosta no Ceará foi a instituição do defeso. A prática tem se mostrado eficiente?
Foi uma medida tomada com bases científicas. É importante, mas sozinha não é suficiente para resolver essa crise. O defeso é uma das medidas que mais têm contribuído para que ainda exista alguma lagosta. Mesmo assim, não são todos os pescadores que respeitam a proibição da pesca no período determinado. Há os que desrespeitam o defeso e também os que pescam de forma predatória, utilizando material de mergulho. Essas pessoas não têm nenhum compromisso com a pesca responsável.
O seguro-desemprego oferecido aos pescadores durante o defeso tem funcionado a contento?
Com a crise da lagosta, ele tem tido grande importância na sobrevivência dos pescadores. Mas acredito que a medida precisa ser revista. Muitos que não são pescadores se beneficiam do dinheiro. Esta é uma prática que precisa acabar.
O que senhor acredita que precisa ser feito para reverter a crise no setor?
Acho que antes de tudo é preciso investir na fiscalização e na educação ambiental. E também na adequação da frota à legislação ambiental. E não falo só da lagosta, mas também do peixe e do camarão. Acredito também que poderia se investir na criação de alternativas para os pescadores que não puderem mais trabalhar.
O Brasil explora completamente o seu potencial no que se refere à pesca?
Acredito que sim. Exploramos o que tem, dentro dos limites que conseguimos explorar. Mas há ainda um potencial pouco explorado na pesca oceânica, que, com cuidado, pode vir a ser aproveitado. Há condições de aumentar a produtividade, mas se for feito um ordenamento. O Brasil com toda sua costa hoje, se os recursos forem usados de forma responsável, tem a capacidade de ser um dos maiores produtores de pescado do mundo. Mas da maneira que está vai começar a faltar peixes não apenas no mar, mas nos rios e lagoas também.
Como setor pesqueiro brasileiro tem tratado a questão do meio ambiente?
No papel, nosso país tem muito avanço nessa área. Mas, na prática, a realidade é outra. É preciso incluir no orçamento gastos com a preservação ambiental. Isso não tem sido um compromisso. Os investimentos, aliás, têm sido mínimos para a pesca em geral. Imagine para as questões ambientais. Experiências em pequenas comunidades organizadas, de iniciativa dos próprios pescadores, têm mostrado que investir na exploração responsável e sustentável da pesca traz benefícios para todos. Basta vontade política para ampliar estes projetos, que já provaram ser eficientes. Muitos grandes projetos nasceram a partir de pequenas idéias.
Um dos maiores desafios dos ambientalistas tem sido a especulação imobiliária. De que forma o fenômeno tem afetado a vida dos pescadores que atuam no litoral do Brasil?
Não somos contra o turismo. Mas da forma que está sendo conduzida a exploração das nossas praias, o turismo tem trazido muito mais prejuízos do que benefícios, pelo menos para as comunidades mais pobres. A especulação atinge todo o litoral brasileiro e o avanço dos grandes resorts não está sendo acompanhado de uma política de inclusão das comunidades que ali vivem. O Brasil é carente de projetos de turismo comunitário socialmente responsável.
Suficientes ou não, as políticas públicas voltadas para o setor pesqueiro atualmente têm se mostrado eficazes?
Há algumas iniciativas, mas de tão poucas não dão o resultado esperado. Existe por exemplo, o projeto Pescando Letras, para a educação de jovens e adultos, mas basta percorrer o litoral brasileiro para constatar que mais da metade dos pescadores não conhece nem o ciclo de vida das espécies que pescam. Isso mostra que ainda é preciso avançar muito no que diz respeito às políticas públicas para o setor. Tendo mais conhecimento, fica mais fácil cuidar melhor dos recursos. E isso se reflete em benefícios para quem fica em terra também, como é o caso das mulheres e das crianças.
A profissão de pescador corre o risco de ser instinta?
Não. Já ouvi essa pergunta há 20 anos, quando o turismo começou a chegar, por exemplo, em praias como o Morro Branco. Mas hoje o que se vê é que há mais pescadores do que naquela época, mesmo com a expansão da rede hoteleira. O turismo não tem gerado tantos empregos como tem se divulgado. O turismo é apenas mais uma fonte de renda. Nem todos os pescadores são absorvidos pelos resorts e quando são não recebem salários dignos. A pesca sempre vai existir.
Como o senhor avalia a atuação da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (Seap), criada pelo governo Lula?
Avalio como positiva. Mas a velocidade com que as mudanças estão ocorrendo é muito lenta. Tão lento que às vezes tem-se a impressão de que a Seap veio mais para atrapalhar do que para ajudar. É preciso ouvir mais os pescadores e cuidar melhor da pesca. Se fala tanto em geração de emprego e em combate a fome, mas temos um setor com potencial grande para solucionar os dois problemas e não se investe.
Fonte: Diário do Nordeste